sábado, 30 de abril de 2011

A URBE PAULISTANA SE TRANSFORMA EM GALÁXIA, por Txai Ferraz


“Problemas também na Av. Paulista na altura da Praça Oswaldo Cruz no sentido da Consolação, o motorista que tem como destino o centro pode tentar outro caminho”. É com essa frase que somos apresentados a Heitor, protagonista de A Via Láctea, segundo longa da diretora Lina Chamie.

Heitor (Marco Ricca) está dirigindo seu carro, e para isso, escuta o rádio para descobrir a melhor forma de chegar a seu destino. O que move o personagem durante todo o filme é o desejo de chegar na casa de Júlia (Alice Braga) - sua namorada. Com o desenrolar da trama, descobrimos que os dois estão brigados e que Heitor pretende uma conciliação.

No entanto, o protagonista vai passar boa parte do filme preso ao trânsito de São Paulo e em um plano alegórico: às suas memórias com a namorada, alucinações e questionamentos. Nada pretende ser muito claro nessa narrativa. A confusão, em realidade, é proposital. O objetivo inicial é perdido e Heitor agora deambula por uma cidade-mundo sem fim.

Anoitece e com a hora do rush, o trânsito fica cada vez mais complicado. As luzes dos carros passando ou parados alumbram o percurso. Em uma cena na qual conversa com uma pedinte em um semáforo, o protagonista escuta a música “Estrela” de Gilberto Gil no rádio (este último quase sempre ligado). “Há de apagar uma estrela no céu cada vez que ocê chorar”... São Paulo não é mais uma cidade, mas sim uma galáxia formada pelos faróis dos automóveis.

A urbe é cinzenta, austera. Torna-se inevitável não pensar na Berlim de Wim Wenders em Asas do Desejo. Dessa vez, sequer há anjos: apenas sujeitos atormentados povoam a capital. Em um dado momento, o protagonista é assaltado e o ladrão diz: "Você tá perdido nessa selva escura, nesse inferno de cidade sem sol e sem saída". Depois de tomar o seu relógio, ainda conclui: “Vai, mas não olha pra mim, olha pra dentro”. Para onde ir?

Paralelo a isso, outra linha de raciocínio se desenvolve no filme com interesses metalingüísticos. Há também o desejo de se inserir em um contexto cultural da capital. Em uma seqüência numa livraria, há um close no livro Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade. Outros momentos lembram os letreiros luminosos de O Bandido da Luz Vermelha. Ainda no escopo do desbunde, a roupa do protagonista é tirada a força durante a apresentação de uma peça no Teatro Oficina. Se por um lado a deambulação em mundo de sombras - figura recorrente no cinema europeu – está presente, sua força se dá agregando sentidos à carnavalização típica da arte brasileira.

A obra de Lina Chamie é hermética, cheia de signos. Perder-se sobre eles é natural como se perder no trânsito de São Paulo.

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