sábado, 30 de abril de 2011
"My Fair Lady", por Evan Diniz
Um misto de flores e cores, beleza e elegância, charme e poder. Essas são as impressões que podemos absorver, enquanto somos apresentados a sociedade burguesa londrina do início do século XX de Minha Bela Dama (My Fair Lady). Apesar das flores não serem protagonistas do filme, sua natureza delicada e multicor reflete na construção da Londres do filme e de toda a mise en scène, dando não só o aspecto visual, como também participa na síntese de valores, reflexões desse lugar onde a história se passa. Como pode ser observado no momento em que várias pessoas da burguesia estão no Covent Garden após uma festa. Em plano geral, vemos o ambiente acinzentado e neblinado típico da urbanização moderna contrastando com o colorido das roupas da alta sociedade e dos frutos, verduras e flores dos vendedores pobres. O lugar possui uma textura realista, desde a preocupação com a réplica de estúdio, como a ambientação que remete a todo um conjunto de imagens da atmosfera urbana pesada, viciosa, obscura e perigosa. Mas, que é invadida pelos personagens e pelos objetos de cena que se posicionam em profunda organização estilística.
No filme temos vários conceitos entrelaçados sobre a cidade retratada pelo filme. Eliza é uma pobre vendedora de flores que descobre uma chance para mudar de vida: aprender a falar bem seu idioma. Desse modo ela estaria apta a se tornar uma dama e saltar de sua classe social. A busca pelo aprendizado de Eliza nos remete ao primeiro momento da visão da cidade como um lugar do saber, de progresso e de ascensão social. Essa sabedoria se concentra na sociedade rica que se mantém intocada, suprema e que “with a little bit o’ luck”, Eliza consegue penetrar. Esse saber é como um sonho da classe pobre de Londres que mesmo retratada sem o molde realista, possui a motivação essencial de atingir a burguesia. É importante também poder diferenciar e definir o tipo de saber o qual motiva a personagem principal, e que torna Eliza uma dama.
Totalmente diferente do conhecimento circunstancial o qual é refletido pelo Sr. DooLittle (pai de Eliza) e da Sra. Pearce. Alfred P. DooLittle é um miserável que sabe como viver na cidade grande e como burlar as aflições que vivem os pobres doe Londres, ele em seu claro objetivismo possui o saber necessário de sobrevivência sem as grandes motivações. Não chega a atuar bem como um flanner daquela Londres, mas através dele emana o vício pela cidade, o reflexo do segundo momento que viveu a cidade moderna. Esses apontamentos são desenvolvidos principalmente na cena onde o Sr. Doolittle é expulso de um bar por querer beber sem pagar. Os amigos mencionam sobre trabalhar para ganhar dinheiro, mas o Sr. Doolittle recusa e demonstra cantando que prefere ter sorte para desfrutar das oportunidades sem ter que trabalhar como os outros. A performance é realizada no meio da rua que possui uma construção. Os personagens dançam e cantam em meio à obra, areia, canos e etc. Essa cena é uma das mais explicitas no sentido de promover a proposta de contextualização da modernidade.
Essa cidade que estava em constante evolução e renovação, cheia de oportunidades, mas também do desejo de consumismo para desfrutar da própria cidade, do trabalho como uma forma de ganhar dinheiro que se torna cíclica e viciosa, como por exemplo: trabalhar para beber. Isso adiciona novamente a textura realista que também é retratada no Covent Garden, porém totalmente embalada pelo artificialismo da produção.
Eliza se hospeda na casa do Professor Henry Higgins, um ambiente totalmente diferente do subúrbio londrino que ela morava. O Sr. Higgins é áspero, insensível e se preocupa muito mais sua aposta de ensinar Eliza do que com a própria Eliza, essa relação lembra um pouco a relação da sociedade e cidade. Higgins é para Eliza o que a cidade é para a classe pobre. Nele está concentrada a sabedoria, esperança e o sucesso, porém Higgins não se preocupa com Eliza do modo que a cidade, a burguesia não se preocupa com a população trabalhadora sendo eles (Eliza e seus semelhantes) objetos de uso para satisfação e progresso próprio. De qualquer modo a sociedade rica não é vilã do filme, do modo que a sociedade pobre não é vitimada, são partes integrantes que dão suporte a história principal. Os conflitos sociais aprofundados não são abordados de algum modo na narrativa e essas extrações que foram apresentadas foram pensadas de modo mais aprofundado. Mas em algumas cenas o discurso de sociedade vai ser visualizado claramente, como a cena do primeiro teste de Eliza como uma dama na corrida de cavalos. No lugar as pessoas vestem roupas monocromáticas, num ambiente de pura monotonia, mais especificamente retratada quando as pessoas observam a passagem dos cavalos. Na música entoada, aquele momento parece ser muito excitante e emocionante, porém vemos expressões e gestos apáticos, abrindo o discurso para pensarmos na burguesia como sociedade indiferente a diversos aspectos da vida ao seu redor, principalmente por estarem em um patamar onde a cidade icônica perde parte de sua majestade diante do poder individual da própria riqueza das pessoas. Eles já estão fundidos a todo iconicismo da representação da cidade, sendo eles mesmos e os
diferentes títulos entre a burguesia, pedaços do que seria a excelência principal.
O grande teste de Eliza é conseguir se passar por uma nobre no baile da embaixada, lá estarão as pessoas mais poderosas da sociedade. Seguindo os conceitos elaborados, pode-se dizer que esse baile reúne os mais poderosos ícones da alta sociedade moderna de Londres, então ao se passar por um deles Eliza está chegando ao ápice das plataformas de poder, se fundindo então com a majestosa representação de cidade.
Chegando nesse estágio ela prova que também é parte integrante dela e que ao invés de ser sucumbida, sucumbe ao seu redor, tornando-se assim indiferente ao passado miserável e todos os problemas de busca e vício enfrentados pela classe pobre. Então, quando Eliza volta a Convent Garden ninguém a reconhece, a identificam, ela sente falta e nostalgia de seu tempo de busca. Eliza escolhe, portanto, viver com Higgins que a tratava como Londres a tratava antigamente, mas dessa vez como uma dama, mas não como um nobre indiferente e sim como uma representação de força e superação, a mesma que tinha quando precisou superar a cidade. Minha Bela Dama é um maravilhoso exemplo de um musical repleto de artifícios e constantes utopias, porém sua pouca textura realística dá grande espaço para refletir sobre a vida moderna urbana.
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