sábado, 30 de abril de 2011

“TAXI DRIVER”, MARTIN SCORSESE (1976), por Moema França


“A solidão é uma constante na minha vida. Nos bares, nos carros, nas ruas, nas lojas, em toda parte. Não há saída. Sou um homem só.” Assim Travis Bickle, protagonista interpretado por Robert De Niro, se define em Taxi Driver, e acaba por definir uma geração inteira dos anos 70 em uma Nova York violenta. Travis é um homem de 26 anos que sofre de insônia e está cansado da solidão, e decide trabalhar numa frota de taxi. É um cara comum que pode ser um célula revolucionária. Travis, na verdade, é a síntese de todas as pessoas que pensam na sujeira da cidade, e na limpeza dessa cidade.

O filme começa com a imagem dos bueiros de Nova York enevoados pela fumaça branca familiar, com as ruas movimentadas percorridas pelos taxis amarelos, cartões postais da cidade. É nesse aspecto que Taxi Driver vai se consolidando, sincronizando todo o ambiente solitário com o personagem, fazendo um sentir o outro, confundindo o homem e a cidade. Besty, interpretada por Cybil Sheperd, é uma das mulheres que marcam a vida de Bickle. Vestida de branco, é a personificação da cidade enquanto virtude, e representa a pureza que Nova York não tem para o protagonista. Besty é também uma de suas frustrações, pois depois de observá-la constantemente no comitê do candidato a prefeito da cidade e ter usado a desculpa de querer apoiá-lo nas eleições, vão juntos ao cinema por uma primeira e única vez: Travis é tão desacostumado com contatos sociais que a leva a um filme pornô. Depois de alguns dias, Betsy continua fugindo do chofer, até que o Bickle vai ao comitê e é ameaçado para não entrar mais lá. “Agora sei que ela é igual ao resto, fria e distante. Há muita gente assim. Principalmente mulheres. Elas se entendem” pensa ao sair, depois de o encanto pela loira ter desaparecido. Fazendo uma ligação, é o mesmo que acontece com a cidade naquele momento. Para o protagonista, a esperança de que as coisas poderiam melhorar acabou, pelo menos naquele momento. O caos não tem mais jeito, a frieza não tem mais jeito, a solidão não tem mais jeito, e a cidade em que vive não tem mais jeito.

São comuns os diálogos entre os taxistas da frota, os quais Travis procura não tomar parte. Outro ponto importante é o valor que a sonoplastia deu aos sons da cidade, constante em todas as cenas do filme, porém muito memorável na cena mais famosa do filme, a que Robert de Niro, em um dos seus grandes momentos do cinema, conversa consigo mesmo na frente do espelho.

A outra mulher que marca a vida de Bickle é, na verdade, uma prostituta de 12 anos, Iris, interpretada por Jodie Foster, e é a personificação da cidade enquanto vício. O chofer fica obcecado por salvá-la desse mundo de drogas, sexo, e baixaria. É depois disso que o filme dá uma guinada: Travis, depois de conversar com outros taxistas e inclusive com um passageiro que sugere matar sua própria mulher, decide comprar uma arma. A arma foi apenas o início da sua mudança de vida. É como se ele percebesse que antes de “limpar a cidade” ele deveria limpar a si mesmo, se reorganizar, como diz o pôster em seu quarto.

É assim que Travis Bickle tenta mudar o mundo e fazer justiça com as próprias mãos, muitas vezes literalmente, como quando mata um assaltante no mercado que frequenta. Com claras influências noir, Taxi Driver é repleto de “improvisos ensaiados”, diálogos poéticos, apesar de poucos, e de efeitos de luz que parecem agravar a sensação de solidão e escuridão da cidade. Com uma música-tema composta por Bernard Herrmann, o filme segura a plateia que torce pelo taxista mesmo sabendo que ele tem ideias ruins em sua cabeça.

O ápice do longa é o heroísmo de Travis. Ele salva Iris, e metaforicamente salva a cidade do vício, do nojo. Isso remete a um poema de Drummond, “A flor e a náusea”:
“Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

Andrade, Carlos Drummond de - Antologia Poética.

Travis fez uma pequena revolução, assim como a flor feia de Drummond. São com pequenas revoluções que a cidade se constrói, e se destrói também. Mesmo o grande feitio do protagonista tendo sido criminoso ou condenável, ele salvou sua “cidade”, a pequena Iris. Mesmo cruel, ainda assim é uma pequena mudança. Mesmo feia, ainda assim era uma flor.

Um comentário:

Anônimo disse...

eita que eu dava uns pega quem escreveu isso