sábado, 30 de abril de 2011

Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s), por Eduardo O. Henriques de Araújo


Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, 1961) inicia com uma cena pacata: um plano amplo da 5ª avenida, ao raiar do dia, põe em fusão o cinza do céu nublado com o do asfalto e das construções da cidade “Capital do Mundo”. O trabalho do diretor Blake Edwards narra a relação inusitada entre Holly Golyghtly (Audrey Hepburn), uma prostituta, com o romancista amador Paul “Fred” Varjak (George Peppard). O filme é uma adaptação do romance homônimo de Truman Capote, cujo roteiro foi elaborado por ele e George Axelrod.

O silêncio, a melancolia e a pouca atitude cromática da cena inicial são transportados para um contraste estabelecido pela aproximação de um táxi amarelo – símbolo de Nova York e da necessidade de se desbravar diariamente as imensidões dessa cidade - e, em seguida, pela chegada da personagem Holly à vitrine da Tiffany’s com suas jóias brilhantes e seus veludos coloridos. Essas contraposições vêm por construir a dualidade nova-iorquina: tanto fria e viciosa quanto reluzente e deslumbrante.

Holly é uma garota que recebe 50,00 dólares para "entrar no banheiro" de senhores distintos da alta sociedade nova-iorquina. Com uma visão por vezes pueril e ingênua, ela busca viver da melhor forma que pode sonhando em casar-se com um milionário e obter uma vida de diva das colunas sociais. Em meio aos grandes monumentos de fascínio da cidade atrelados a esse sonho, é a joalheria, que nomeia tanto a obra literária quanto a cinematográfica, o grande objeto de desejo da personagem. A Tiffany’s atua como uma espécie de personagem, haja vista a sua manifestação no imaginário da jovem interpretada por Hepburn, assim como por sua imanente atuação no desenvolvimento da trama. A loja explicita o vício urbano do consumo enquanto meio de satisfação dos anseios (quiçá carências) pessoais. Neste fascínio consumista trazido na obra, vêm imbricadas as ditaduras da moda e dos sinalizadores de status social. É exatamente esse universo de aparências que conduz a personagem Holly ao longo do filme. Holly é uma solitária prostituta que almeja mudar sua condição de vida por meio de um casamento no Upper Est Side de Manhattan. Enquanto tal sonho não se realiza, ela produz uma atmosfera de devaneios que amenizam as insatisfações de sua realidade em uma busca pela sensação de felicidade – mesmo artificial.

Quando o escritor amador Paul Varjak aparece, inicia-se uma amizade e uma paixão que contrariam a ambição de Holly de enriquecer. Ele, a quem ela insiste chamar por “Fred”, é bancado por uma socialite, de quem é amante. De início, “Fred” tem dificuldades em compreender o mundo paralelo de Holly - sua vizinha. As questões morais do roteiro, emprestadas do romance original, trazem à baila múltiplas formas de se prostituir o corpo e o intelecto. Assim como a jovem interpretada por Audrey prostitui-se corporeamente em finas festas do High Society, Paul retribui com favores sexuais os incentivos à sua atividade literária – prostituindo seu conhecimento. A experiência dela é confrontada com a inocência do escritor no que cerne às realidades da vida, mas é a pureza da jovem o que se sobressai à visão corrupta das atitudes de Paul. Noutras palavras, tem-se abordada a prostituição das relações sociais e a cidade como o seu fomento e o terreno: o dar para receber em troca.

Moon River, tema do filme, é interpretada por Hepburn em uma das cenas mais belas do filme – quando Paul compreende a essência pura e sonhadora de Holly que apenas deseja uma vida mais bonita de se viver. A canção conclama um mundo melhor, uma vida mais plena que, todavia, encontra-se distante, além de um rio largo, o qual ela espera algum dia poder atravessar. Chegar à outra margem e adentrar a realidade sonhada por Holly implica negar-se à paixão que sente por seu vizinho e perpetuar a sua prostituição em relações sociais rentáveis. Para Paul essa travessia pode significar seu amor por Holly ou a sua ascensão editorial. É a cidade como palco da luta do homem com sua essência e suas ambições. Em que esquina reside a felicidade?

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