sábado, 30 de abril de 2011

Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Demy – por Caio Cagliani




No cinema, inovação é sempre um dos fatores que mais atraem a atenção dos espectadores e este filme é uma pequena pérola deste assunto. Primeiro musical com diálogos totalmente cantados, Os Guarda-Chuvas do Amor nos apresenta uma aparente usual história de amor, com cargas de melodrama, de um relacionamento interrompido por algum motivo (no caso, a guerra da Argélia). Grávida, a jovem Geneviève (Catherine Deneuve – com uma beleza pueril nos seus 20 anos de idade) decide se espera o seu amor – o mecânico Guy – retornar do serviço militar ou aceita as investidas do diamantista Roland Cassard. Jacques Demy opta não só por modificar o gênero das tão grandiosas produções americanas quanto fugir dos padrões dos romances típicos.

Musicais geralmente obedeciam à regra de números: entre alguma ação e outra, a tela era inundada por algum show com música e dança – geralmente muita dança. Comumente, vários bailarinos executavam alguma coreografia, tudo ecoando as grandes peças de teatro que tanto influenciaram a criação deste gênero típico do início do cinema falado, símbolo dos anos dourados de Hollywood. Demy elimina completamente os shows e usa a música em todos os diálogos – algo que se tornaria comum nas óperas-rock como Tommy e Jesus Cristo Super-Star. Há sim um estranhamento, mas este passa com poucos minutos. Os ritmos variam de acordo com a cena, e as canções casam com as ações. Michel Legrand, compositor desta trilha sonora, aproveita bem a possibilidade de ampliar as intenções das falas, casando bem os diálogos com a melodia – não são raros os momentos em que a música sobe em algum diálogo mais dramático.

Claro que nada disto funcionaria caso tudo soasse extremamente falso, e Demy novamente se mostra capaz de acertar onde tudo indica o erro. Num cenário onde a maioria dos elementos aparenta ser artificial, com a paleta de cores utilizando muitos tons vivos e vibrantes, os atores, cantando do início ao fim das cenas se encaixam bem nesta paisagem, geralmente filmadas em longos planos que costumeiramente passam de um minuto. Tudo é tão coerente que basta pouco tempo para que o espectador entre na proposta do cineasta e funciona tão bem que este parece ser um dos grandes motivos que levaram esta obra à Palma de Ouro do Festival de Cannes – vencendo, entre outros, os brasileiros Deus e o Diabo na Terra do Sol e Vidas Secas.

Jacques Demy, que aparentemente não era um cara que aspirava saltos curtos, retoma um personagem de seu primeiro longa-metragem e o reutiliza aqui, criando uma uniformidade em sua obra. Roland Cassard, de Lola, é um personagem que reaparece neste filme, mais maduro e evoluído na profissão que inicia na primeira obra. As duas obras se comunicam pelo realismo da história de amor e pelos ciclos que aparentemente os personagens se encontram - neste, as ações de Geneviève se explicam pelas ações passadas da mãe.

O filme engana, é bom que fique claro. Parece um melodrama, com a mãe a ponto de esconder as cartas do amado de Geneviève, mas não é. Demy brinca várias vezes com nossas expectativas – quando tudo parece apontar para uma direção, ele oferece uma virada e tudo fica apenas na intenção, ou na nossa suposição – pois sabe que todo mundo conhece as fórmulas. Reescrevendo-as, amplia não só a experiência da sua obra, como torna o cinema um pouco mais interessante.

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