sábado, 30 de abril de 2011

M – O VAMPIRO DE DÜSSELDORF (1931), por Thiago José Moreira Lins


Roteiro impecável, narrativa afiada, visual muito bem trabalhado e efeitos sonoros simples, porém pertinentes e usados de maneira espetacular, mesmo para a década de 1930. Estas qualidades poderiam ser suficientes para descrever M – O Vampiro de Düsseldorf, obra-prima do célebre diretor austríaco Fritz Lang, e a primeira película a fazer uso do som na sua filmografia. A ideia da concepção deste filme teve como base um caso verídico acontecido na própria Alemanha, o do assassino de crianças Peter Kürten, que durante a década de 1920 cometeu cerca de 10 crimes na cidade alemã de Düsseldorf. Fica clara a inspiração logo no começo do filme, onde diversas crianças estão numa roda, brincando e cantarolando: “um, dois, um dois, e vem o homem com a machadinha cortar sua carne em pedacinhos”, para horror da mãe de uma delas. Tamanho é o uso de elementos da corrente expressionista alemã, que possui como principais expoentes os filmes do Dr. Mabuse e Metrópolis (também dirigidos por Lang), Nosferatu e A Última Gargalhada (de F. W. Murnau), e o Gabinete do Doutor Caligari (de Robert Wiene), apenas para citar alguns. O uso exarcebado do chiaroscuro (contraste violento entre luz e sombra, aliás, a sombra é usada nos primeiros trechos do filme, para imprimir o suspense sobre a verdadeira identidade do assassino), aliado ao uso inteligente dos efeitos sonoros (vale observar que, mesmo para os anos 1930, era algo bastante inovador, mesmo não tendo trilha de fundo, nem a captação de efeitos sonoros do ambiente, apenas dos diálogos), como por exemplo o assovio, uma das marcas registradas do assassino Hans Beckert (interpretado magistralmente pelo também austríaco Peter Lorre), para imprimir uma certa carga de suspense à trama. Este assovio foi tirado de Peer Gynt, Suíte I, Op. 46, composta pelo norueguês Edward Grieg. A película tem início com o desaparecimento de Elsie Beckmann (Inge Landgut), mais uma das vítimas de Beckert, e como o serial killer consegue se desvencilhar da polícia, mas não do restante das organizações criminosas, que conseguem ser ainda mais engenhosas e eficientes que a própria polícia (para a época, algo inusitado). Detalhe interessante foi o modo como os criminosos tomaram conhecimento do assassino, reconhecido por um vendedor de balões cego por conta de seu assovio, e posteriormente um dos integrantes da organização marca casaco de Beckert com um M escrito a giz (mörder, que é a tradução para assassino, que aliás é que dá origem ao nome do filme), bem como o “julgamento” destes vários criminosos, antes mesmo da lei julgá-lo de fato. Outra cena marcante é o monólogo de Beckert diante de seus algozes criminosos, onde ele diz que simplesmente não consegue deixar de cometer os crimes, que algo mais forte o motiva a tal. Tal monólogo é mostrado de uma forma a qual o espectador não consegue sentir asco ou revolta de Beckert, como outros serial killers abordados atualmente, mas sim pena, dada a situação em que ele se encontra, prestes a ser executado sumariamente. O filme, apenas por esta cena, é uma verdadeira aula de como abordar as várias facetas da personalidade humana.

Embora não tenha o apuro visual e técnico de Metrópolis (1929), outra grande obra-prima sua, Fritz Lang preveu, embora que sutilmente, todas as consequências desastrosas advindas do regime nazista para o resto do mundo. Vale lembrar também que o filme foi proibido na Alemanha pelo Partido Nazista em 1933. Fritz Lang e Peter Lorre, que eram judeus, acabaram por deixar a Alemanha e se mudaram para Hollywood. Lang acabou fazendo outros filmes marcantes nos EUA, como Os Corruptos, clássico noir de 1953. Lorre mais tarde atuaria em clássicos norte-americanos como O Falcão Maltês, do diretor John Huston, baseado na obra do escritor Dashiell Hammett. Mas mesmo assim não conseguiu superar todo o legado trazido por M. Juntamente com Metrópolis, é uma obra mais do que necessária para entender a mente de Lang e o seu modus operandi por trás das câmeras. Mesmo após oito décadas de sua realização, sua obra continua um verdadeiro marco atemporal, além de incrivelmente verossímil no que diz respeito a este distúrbio do comportamento humano.

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