domingo, 10 de agosto de 2014

"A Noviça Rebelde", por Edson Venicio Mendonça da Silva



  “As Colinas estão vivas com o som da música” estre trecho da canção homônima do filme The Sound Of Music, no Brasil, A Noviça Rebelde, que é apresentada já no inicio do longa dirigido por Robert Wise (West Side Story, 1961) já apresenta o quão alegre e sublime será a produção estrelada pela encantadora Julie Andrews e Christopher Plummer.
  O longa conta a história de Maria, uma noviça que, considerada dispersa e não conseguindo seguir as regras do serviço religioso, foi encaminhada para trabalhar como governanta do Capitão Georg Von Trap e cuidar dos seus sete filhos, que tinham perdido a mãe recentemente e desde então são educadas pelo pai com forte rigor militar. Ela trás a música para a vida das crianças, que não tinham mais o carinho do pai, transformando o clima rígido e melancólico do lugar num lugar alegre e feliz. Maria acaba de apaixonando pelo Capitão, que estava comprometido com Elsa, uma baronesa de Viena.
  As belas locações contribuem para a incrível fotografia repleta de imagens campestres, montanhas e os arredores da mansão do capitão. As lindas canções interpretadas por Julie e compostas por Richard Rodgers e Oscar Hammerstein também contribuíram para que o filme se tornasse um clássico a ultrapassar gerações e continuar encantando milhões de telespectadores.
  A Noviça Rebelde tem em sua bagagem um Oscar de melhor filme, diretor, montagem, som e trilha sonora em 1966, além do Globo de Ouro de melhor atriz, Prêmio Eddie de melhor montagem, indicado ao BAFTA como melhor atriz britânica (Julie Andrews) e eleito por várias revistas especializadas não apenas como um dos melhores musicais, mas como um dos melhores filmes já produzidos.
  As canções e a bela história do filme mostram, por fim, a importância da família, da educação e, principalmente, da união. É nas colinas onde tudo começa e termina: “Eu vou para as colinas quando meu coração estiver solitário. Eu sei que vou ouvir o que eu ouvi antes. Meu coração será abençoado com o som da música e eu vou cantar mais uma vez.”






Referências

·         http://www.adorocinema.com/filmes/filme-238/ - Acessado em 17 de maio de 2014.
·         http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Sound_of_Music - Acessado em 17 de maio de 2014.

·         http://letras.mus.br/sound-of-music/1029115/ - Acessado em 17 de maio de 2014.

"Cantando na Chuva", por Thaynam Lázaro



            Em geral os estudos de gêneros cinematográficos são pontuados por filmes que de alguma forma contribuíram para a criação, ou modificação, de um determinado formato fílmico, seja por alguma pitada de originalidade que o destacou dos demais, ou por algo o fez ser único de alguma forma. Cantando na Chuva, musical lançado em 1952, protagonizado por Geny Kelly, Donald O’Connor e Debbie Reynolds, é um desses filmes canônicos da historia do cinema, considerado por muitos o melhor musical que Hollywood já produziu, o filme reúne astros consagrados e cria cenas para nos encantar com seus grandes talentos.
            Se o filme é o melhor de seu gênero ou não, isso é algo inteiramente subjetivo, afinal Hollywood também produziu inúmeros outros musicais que marcaram e redefiniram o gênero. Porém, é inegável que na memoria coletiva o filme dirigido por Stanley Donen e Gene Kelly seja um dos mais lembrados quando o assunto é musical. Ao contrario das outras produções feitas na época, o roteiro de Cantando na Chuva foi criado para compilar músicas que já haviam sido compostas anteriormente, a única canção feita especialmente para o filme é a Moses Suposes, performada com maestria por Kelly e O’Connor. Após a seleção das canções (algumas já consagradas e utilizadas em outros filmes, como a própria canção-titulo), os roteiristas escolheram situa-lo numa época bastante peculiar na historia do cinema: a transição do cinema mudo para o cinema falado. E é aí onde Cantando na Chuva começa a se destacar dos demais, o filme é uma grande homenagem ao cinema e ao passado do gênero musical, a trama mostra este momento de forma leve, brincalhona, satiriza os astros do cinema e seus artifícios, nos mostra o que Hollywood faz de melhor: criar verdadeiros sonhos do entretenimento.
            A trama gira em torno de Don Lockwood (Gene Kelly), astro do cinema que durante a era de ouro dos filmes mudos em Hollywood faz par romântico com a atriz Lina Lamont (Jean Hegen) em todos os filmes que protagoniza, eles também fingem ser um casal da vida real, porém a relação deles é puro artificio, uma das grandes mentiras que o cinema utiliza para envolver as plateias.  É quando Don conhece Kathy Selden, garota que diz não se encantar mais ao ver seus filmes, por que para ela quem já viu um, já viu todos, que o astro tem o primeiro encontro com aquilo que é novo: uma garota que não se encanta com seus velhos truques e acima de tudo, uma garota que tem voz própria, que não o vê simplesmente como um rosto expressivo, mas que o trata como igual. E como o novo parece ser apaixonante!
A personagem Lina Lamont aqui funciona como um exemplo de como o cinema da época operava, era engessado em sua forma, dependente das expressões fundamentais dos atores, mas quando visto aos olhos contemporâneos podia se tornar algo comicamente trágico e até meio burro em seu discurso. Já Kathy Selden é um anúncio do que está por vir, algo excitante, desafiador, multifacetado, talentoso em todas as formas e, acima de tudo, mais mágico como nunca. E é esta energia alegre, feliz e excitante que faz de Cantando na Chuva um filme único, que nos mostra que não importa o que venha a acontecer, o show deve sempre continuar.  

Don Lockwood se apaixona rapidamente por Kathy e é ela que o convence a entrar de vez no ramo dos filmes falados, e a se expressar de forma completa, utilizando todos os seus talentos como artista. E que talento! Gene Kelly e seus companheiros de filme nos entregam performances apaixonantes e únicas. Cenas que são lembradas até hoje como os pontos máximos da era de ouro dos musicais de Hollywood, quando sonhos e realidade se fundiam para nos encantar e nos encher de alegria e esperança.

"O cantor de Jazz", por Rebecca Cirya


O cantor de Jazz (The Jazz Singer, Alan Crosland, 1927) foi um filme produzido pela Warner Bros, é considerado o primeiro filme falado da história do cinema, na verdade, o termo mais apropriado seria o primeiro filme sonorizado, pois ele tem pouquíssimas cenas onde são proferidas frases pelo ator Al Jolson. Ele foi realizado com a tecnologia vitaphone que possibilitou a sincronização de imagens e sons, o diálogo e a música eram impressos na película.
Uma das frases mais lembradas do filme é : "Espere um minuto, espere um minuto. Você ainda não ouviu nada”, de acordo com alguns críticos essa frase é uma metáfora para o nascimento da fala no cinema. Uma frase verdadeira não apenas para a diegese, mas para cinematografia, sabemos que depois de O Cantor de Jazz os espectadores ouviram cada vez mais e até hoje não pararam de ouvir.
O filme é um marco na história do cinema e muitas vezes é lembrado apenas pela sua inovação técnica, algumas pessoas acham seu roteiro maçante, mas o cantor de jazz também é muito importante pelo tema que aborda e pelo contexto social no qual está inserido. A narrativa é centrada  na história de Jack Rabinowitz filho de um Judeu que é orador e cantor da sinagoga em que participa. Todo homem da família Rabinowitz deve ser cantor das reuniões religiosas, pois recebeu um dom de Deus, é uma tradição familiar que já ocorre há cinco gerações . Porém o jovem Jack tem outro sonho, ele almeja ser um cantor burlesco, cantar músicas populares como o jazz e ser famoso. A partir dessa oposição de interesses (seguir seus sonhos ou a tradição familiar) o filme se desenvolve mostrando a discriminação que o jazz sofria na década de 20.
 O Jazz presente no filme representa muito mais que um estilo musical, é uma música que tem sinônimo de liberdade, que quebra com os valores e convenções sociais estabelecidas, é um estilo que está à frente do seu tempo. O enredo do filme pode ser interpretado como um separação entre as convenções antigas representadas pelas música e cultura judaica e o novo mundo, o desconhecido e inovador representado pelo jazz de Al Jolson. Muito pertinente é comparar a narrativa com o próprio filme, na diegese e fora dela o tema é ruptura. Historicamente O Canto de Jazz foi um divisor de águas entre o cinema mudo e o sonoro.
 Essa obra de Crosland já mostra as características e convenções de um novo gênero cinematográfico, o musical. Suas técnicas narrativas ainda trazem vestígios do filme mudo,ou seja, ele é acompanhado por intertítulos, mas a questão está na música que é o grande centro da  narrativa, assim como, os números musicais cantados e dançados por Al Jolson que seriam muito comuns na década seguinte. Além disso as músicas interpretadas no filme foram músicas populares e incentivaram os estúdios a investirem nas trilhas sonoras, evidenciando uma novo período do cinema. Desde então a música seria um produto de lucro e de fácil comercialização para os estúdios e gravadoras.
A questão do blackface é outro importante aspecto que chama atenção no filme. A estereotipagem dos negros pelos brancos teve origem nos shows de minstrel no século XIX e continuou se propagando pelas demais formas de artes como os shows de vaudeville, da Broadway e também no cinema. O personagem de Al Jolson revela esse preconceito racial da sociedade americana  e dos estúdios cinematográficos que não contratavam negros. Quando Jack está nos palcos ele representa um cantor negro e por isso ele pinta a cara de preto, deixando a parte perto da boca sem tinta para que os lábios fiquem mais grossos (uma forma altamente caricata de representar o negro, mas muito comum nas primeiras décadas do cinema). O momento onde fica mais evidenciado o blackface é na cena que Al Jolson canta Mammy.

Todas essas considerações tornam esse filme memorável. O Cantor de Jazz merece ser lembrado por suas inovações técnicas, mas também, por ser um marco na inserção de musicas populares nos filmes, pelo retrato impregnado de uma sociedade tradicionalista e arcaica, e por ser uma parte da história do jazz, ser um ponta pé para sua ascensão nas próximas décadas. O primogênito do gênero musical.

“The Rocky Horror Picture Show: A subversão que precisou ser subvertida”, por Cesar Castanha


Depois da crise criativa que atingiu o Cinema Musical na transição da década 1950 para a de 1960, quatro rotas de fuga foram traçadas para o gênero: a associação com a animação e o cinema infantil de forma geral, tal como Mary Poppins (Robert Stevenson, 1964), O Calhambeque Mágico (Ken Hughes, 1968), A Fantástica Fábrica de Chocolate (Mel Stuart, 1971); com a indústria fonográfica, como os filmes de Elvis Presley, dos Beatles, do The Who e Pink Floyd, para ficar apenas no rock; como experimentação para a nova onda de cinema autoral — Jacques Demy, Francis Ford Coppola, Rainer Werner Fassbinder, Carlos Saura; e, finalmente, com o teatro musical inglês e americano.

Esses novos caminhos, aqui tão cuidadosamente segregados, podiam se cruzar das mais diversas formas. Não há como, por exemplo, desassociar Grease (Randal Kleiser, 1978), um sucesso da Broadway, da indústria fonográfica quando sua protagonista, Olivia Newton-John, venderia apenas 3 anos depois 2 milhões de cópias do single Let’s Get Physical. Ainda assim, o musical hollywoodiano perdeu e até hoje não recuperou o caráter autoral que sustentava quando era guiado pela criatividade imagética de Vincente Minnelli e Stanley Donen. Pelo contrário, ele tem rejeitado, nas suas adaptações, a identidade de autor que consolidou várias peças na Broadway.

Há exceções. Bob Fosse, diretor de teatro musical, soube como ninguém traduzir a linguagem deste para o Cinema com obras-primas como Cabaret e All That Jazz. E, mais recentemente, Tom Hooper, rejeitado pela Cinefilia, contrapôs na sua adaptação de Les Misérables o conservadorismo da temática e da abordagem do compositor e letrista Andrew Lloyd Webber com uma busca por intimismo rara no cinema contemporâneo.

O anarquismo proposto por Stephen Sondheim em Sweeney Todd, no entanto, foi limado pela plasticidade e pelo fetichismo visual de Tim Burton. E o hilariante e subversivo The Rocky Horror Show ganhou uma muito comportada adaptação cinematográfica.

É perigoso falar do que é conservador e do que é subversão em The Rocky Horror Picture Show (Jim Sharman, 1975). A história, uma paródia da ficção-científica B americana, pode ser interessante e impressionável  se deixarmos de lado algumas considerações a meu ver cruciais para a leitura do filme. A primeira delas é que o filme, esteticamente, não vai além de uma super-produção teatral filmada. Sua encenação, incluindo coreografias e as mais diversas construções de cena, é linear, raramente há contraplanos, como se os personagens estivessem num palco, e nós, na plateia.  A outra questão, muito vinculada à primeira, é a de que, se formos entender a subversão como uma manifestação estética tanto quanto temática, os filmes satirizados por The Rocky Horror Picture Show são mais subversivos que a sua homenagem irônica. Basta lembrar da engenhosidade criativa de Plano 9 do Espaço Sideral (Edward D. Wood Jr., 1959) .

Seria um terrível erro, porém, fechar uma análise de The Rocky Horror Picture Show sem compreender o filme como o objeto de culto e adoração que se tornou. Espontaneamente, surgiram nas sessões agora tradicionais do filme em Nova York, Los Angeles e São Francisco um caráter de absurda interatividade, com parte da plateia, fantasiada, dançando na frente da tela e o cinema inteiro fazendo observações coletivas e preenchendo lacunas nos diálogos do filme. Quando Janet sai com o jornal sobre a cabeça para se proteger da chuva, ouve-se “Buy an umbrella, you cheap bitch” ou, quando o mordomo abre o caixão na sala de estar e revela um esqueleto, “Is it your mother, Riff-Raff?”.

É curioso como, ao proclamar o grito, a desordem e a fantasia como performance, os fãs de The Rocky Horror Picture Show reforçaram a temática do filme, de rejeição à hipócrita moral yuppie e de liberdade de ação. Brad e Janet, um jovem casal de classe média, são combatidos ideologicamente pelos acontecimentos e demais personagens do filme. A narrativa transforma em desejo os seus medos e preconceitos.

E essa diversão do público, que subverte o ato de ver um filme, pode também ter dado a The Rocky Horror Picture Show a subversão que este tanto procura. Se o filme evita contraplanos é porque neles se esconde sua ensandecida plateia, que insiste em quebrar a quarta parede ela mesma, possibilitando uma interferência e transformação na antes comportada mise-en-scene

"Celebração da nostalgia", Guilherme Cavalcante


Diante de tantas transformações sociais e ideológicas que marcaram a década de 60, era de se esperar que o musical americano, calcado em sua fórmula conservadora de entretenimento familiar, fosse perdendo fôlego entre o público. Por outro lado, a época já sinalizava o ideal contemporâneo que se manifestou entre as artes, surgindo assim obras que incorporavam uma abordagem estética nostálgica. Filmes como Grease de 1978, evidenciavam essa referência à década de 50 com a imagem de John Travolta vestindo jaqueta de couro assim como Marlon Brando ou James Dean eram vistos no auge de suas carreiras e juventude. Grease lançou na indústria a cantora e atriz Olivia Newton-John, que em 1980 protagonizou outro sucesso musical chamado Xanadu.

Em Xanadu, ela interpreta Kira, uma das sete deusas filhas de Zeus, que tem como objetivo estimular nas pessoas a ambição de realizarem seus sonhos. Seu alvo é o artista Sonny Malone (Michael Beck), que se encontra entediado com seu trabalho de reproduzir em pinturas capas de discos de bandas. Kira aparece para Sonny como uma divindade e o deixa desorientado com sua beleza e suas aparições misteriosas. Sonny acaba conhecendo por acaso Danny McGuire, interpretado por Gene Kelly, astro dos musicais clássicos da década de 40, um empresário aposentado que vê em Sonny a chance de uma parceria que os tire desse estado de inércia. Kira os inspira a abrirem juntos a discoteca que dá nome ao filme, enquanto ela e Sonny formam um casal apaixonado que desafiará as regras dos deuses, o que criará um obstáculo em seu relacionamento.

O filme, apesar da narrativa calcada no clichê romântico, reúne aspectos interessantes que merecem destaque. O primeiro é enxergar o filme como uma ode nostálgica ao gênero musical, bastante evidenciado pela presença de Gene Kelly e seu singular personagem que em vários momentos da narrativa manifesta seu saudosismo para com a década de 40. Para os que vivenciaram a década de 80, o filme é um espetáculo kitsch com uma explosão em cores neon, tão própria à década, além das músicas que se tornaram hits. Xanadu, por sinal, é um perfeito exemplar de como o cinema mainstream estava próximo à indústria fonográfica, responsável pelo modelo de publicidade que ganhou força com o lançamento das trilhas sonoras dos filmes em formato físico. Um fato curioso sobre essa questão é que a trilha sonora teve excelente desempenho nas paradas da Billboard, apesar do fracasso de público e crítica do filme.


Dirigido por Robert Greenwald, ainda antecipa uma “estética MTV”, com seus números muito semelhantes ao que seria popularizado pelos videoclipes que passaram a ser produzidos no começo daquela década e incorporando um flerte com o cinema de animação. Xanadu é o lugar de encontro de gerações e de celebração, um lugar à prova de tédio que leva aqueles que lá se encontram a atingirem o nível máximo de escapismo, é uma reverência ao poder do musical de transportar as pessoas para uma dimensão lúdica, e é aí onde está seu valor simbólico.

"O Picolino, o diálogo que se dá na dança", por Aline Soares e Silva


O Picolino (Top Hat, 1935) pode ser enquadrado como uma das melhores imersões que se pode fazer, em se tratando de musicais. O filme, dirigido por Mark Sandrich, apresenta com leveza e humor o desenrolar de uma trama amorosa que se dá entre um dos casais que mais se destacam no gênero musical, seja pela sensibilidade com que dançam ou pela intimidade que adquiriram ao largo das parcerias que fizeram, Fred Astaire e Ginger Rogers são um dos elementos chave que fazem com que o Picolino seja tão memorável.

Seus personagens, Jerry Travers (Astaire) e Dale Tremont (Rogers), estão hospedados num mesmo hotel, em Londres, e iniciam seu flerte de maneira não muito amigável. Ao passo que Dale fica aborrecida, porém encantada, com Jerry, ele passa a ter olhos apenas para a moça e não resiste em conquistá-la.

Com um roteiro frágil de comédia, ainda que arquitetado e planejado em cima de conflitos que dão agilidade à trama e ao desencadeiam a confusão amorosa que é o grande plote da narrativa: Dale acredita que Jerry Travers é na verdade Horace Hardwick (Edward Everett Horton), marido de sua amiga Madge Hardwick (Helen Broderick).

E se o engano é a chave para toda boa comédia, ‘O Picolino’ não faz por menos. A resolução para esse desarranjo de identidades é amarrado até quase o desfecho do filme e fica a cargo do mordomo Bates (Eric Blore), a personificação nesse enredo do criado bobo e trapalhão da nova comédia grega.

O romance é o elemento que acompanhará todo o ritmo e o desenrolar de toda a intriga presente no filme. À medida que as personagens vão se apaixonando, aumenta também a intensidade e a intimidade com que dançam, a primeira cena em que se detecta o flerte mútuo “Isn’t this a lovely day”, dá a impressão de que o diálogo falado e até mesmo a música se tornam secundários, para em determinado momento serem substituídos apenas pela coreografia, na qual os corpos da dupla Asteire e Rogers desenvolvem no espectador um sentimento de pura contemplação ao amor que transborda a cada passo e sapateado.

Todavia, ao se avaliar a obra como um todo, percebe-se que a coreografia não é a única responsável pelo encantamento. Junto às composições de Irving Berlin adquirem outro significado, se posicionam como um arranjo harmonioso e decisivo para a construção da narrativa, atingindo talvez seu ápice com a composição que, possivelmente, pode ser considerada a mais marcante de todo o musical: “Cheek to cheek”. A música, além de ter sido posteriormente interpretada por Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, foi incorporada a outros filmes de destaque na história do cinema, tais como ‘À espera de um milagre’ e ‘A rosa Púrpura do Cairo’.


Por fim, é possível enquadrar “O Picolino”, na categoria de filmes em que não se toma uma parte pelo todo, onde não se elege como determinante a coreografia, ou o figurino, o cenário ou as canções isoladamente. Todos esses elementos se arquitetam e constroem um musical encantador, que realmente te atrai e te faz torcer para que dê tudo certo no final, porque, como bem diz Jerry Travers, “all is fair in love and war and this is a revolution”.

"Mamma Mia: um sonho produzido em músicas", por Marina Didier


Com a famosa música I Have a Dream, o filme musical Mamma Mia fecha as cortinas, ou melhor, passa os créditos finais da produção do projeto que foi às telonas em 2008. Originalmente uma peça musical de mesmo nome, a adaptação para os cinemas foi dirigida por Phyllida Lloyd e escrito por Benny Andersson e Björn Ulvaeus, os dois últimos vale destacar como grandes ícones da música pop da década de 70, ao lado é claro de  Anni-Frid "Frida" Lyngstad e Agnetha Fältskog, eles formavam o quarteto ABBA.

A peça na qual o filme foi baseado havia sido criada uma década antes por Catherine Johnson para figurar em conjunto com músicas do grupo ABBA aos moldes de uma opereta, ainda mais simples e mainstream. Interpretada nos palcos de West End, em Londres, e na Broadway, em New York. O sucesso de bilheteria foi tanto que a gravação para película era questão de tempo e planejamento. O enredo simples e as músicas com marcações de fácil memorização, características do pop e da disco music fizeram um enorme sucesso nos palcos, embora não sejam seguidores dos modelos tradicionais de musicais da década de 30 e 60. A produção faz uso de uma batida mais jovem agregada às músicas vibrantes e dançantes, como Voulez-Vous e Dancing Queen.

Cada cena apresentada ao longo do filme mostra claramente a marcação de “atos”, episódios acompanhados de letras que fazem o espectador acreditar que está presenciando um autêntico concerto musical. Isso porque as músicas em evidência se tornam quase ou mais importantes que o contexto em si. Foi um casamento construído para o sucesso nos palcos. Entretanto o estranhamento que o público teve ao assistir nas telas Maryl Streep, Pierce Brosnan, Julie Walters, Colin Firth, foi grande, pois a expectativa para as canções era maior do que para as atuações, que entre os citados é o dom genuíno. Com exceção de Amanda Seyfried, que interpretou belissimamente Sophie, filha de Donna (Maryl Streep), o elenco deixou a desejar nos momentos de soltar a voz.
             
 A história tem seu foco narrativo na dúvida de Sophie, que busca incansavelmente descobrir que é o seu pai biológico. Donna, mãe de Sophie, viveu durante a juventude três romances, com homens de personalidades bastante diferentes, quase que simultaneamente, com diferença de dias de um caso para o outro. Quando Sophie descobre o diário da mãe e lê sobre os três possíveis pais biológicos, ela decide convidá-los para a ilha onde vivem, na qual o seu casamento com Sky irá ser celebrado. Sophie sonha com o pai levando-a ao altar e por isso envia os convites para Bill Anderson, Harry Bright e Sam Carmichael.

Uma das características que o musical tenta provar paralelamente à narrativa principal é a da emancipação feminina e independência ou ausência de necessidade de um homem para suprir certas lacunas na vida de uma mulher, de uma mãe solteira e, inclusive, empreendedora. Contudo, o tom suave e ligeiramente engraçado que certas cenas como a de Donna na “casa das cabras” tentando consertar e remendar seus problemas enquanto espiona três dos seus antigos amantes, chega a ser uma prova de que no íntimo ela deseja ter algum companheiro.

Outras duas figuras que chamam atenção pelas personalidades independentes ao longo do filme são as amigas de Donna, não menos autossuficientes que ela própria, vivem sem homens e estão na carreira dos 50 anos. Tanya está saindo do seu terceiro divórcio e mostra que não deixa de aproveitar a vida e as vaidades que seus ex-maridos lhe renderam. Rosie, “loba solitária”, é escritora e nunca foi casada, declara que não almeja tal compromisso.
                    
A força feminina é reforçada na cena da música, quase hino, Dancing Queen, quando as três amigas Donna, Tanya e Rosie, além de várias gregas que vivem na ilha, começam a percorrer os caminhos tomando conta de todos os lugares, saindo das cozinhas e das obrigações cotidianas de “donas de casa” para ganharem o mundo.
           
O empoderamento feminino também é construído na relação mãe e filha de Donna e Sophie. Difícil pelo temperamento aventureiro da filha e de preocupação da mãe, o relacionamento é apresentado de maneira genuína e bela na cena em que Sophie se arruma para seu casamento. Donna vem acalentar a criança que enxerga na filha e então recria um momento nostálgico e terno com a música Slipping Through my Fingers.
         
No final, a convivência com os três namorados da mãe faz com que Sophie aceite cada um deles como parte dela e o casamento não acontece, pois ela percebe que esse sonho era na verdade uma projeção do desejo de Donna, que acaba casando com o homem por quem ela sempre foi apaixonada, Sam.
O último momento do filme fecha como começou, como um ciclo de sonhos, I Have a Dream fecha as cortinas do cinema. 

"My fair lady", por Mariane Béco


 “My Fair Lady” de 1964 é uma adaptação da peça Pigmaleão de George Bernard Shaw, que antes de virar película esteve em cartaz na Broadway. O filme conta a história de Eliza Doolittle, vivida por Audrey Hepburn, uma vendedora humilde de flores que deseja entrar para a alta sociedade londrina. Para isso, terá aulas com Henry Riggins, interpretado por Rex Harrison, um estudioso de fonética que é desafiado pelo amigo, o Coronel Pickering, a transformar Eliza em uma jovem de alta classe. A trama se desenrola focada nas aulas, e na relação perturbada entre a aluna cabeça dura e o professor arrogante, hora mostrando a alta classe, hora a classe mais pobre. Também aparecem outros personagens, como o pai de Eliza que se orgulha de não trabalhar, e a governanta de Riggins que é solidária à jovem. No final, Eliza consegue se portar no Baile da Embaixada como uma verdadeira “lady”, mas o relacionamento dela com o professor não fica bem esclarecido.
            Apesar de Audrey Hepburn ter conquistado o papel, era esperado que a protagonista fosse interpretada por Julie Andrew, que além de talentosa e experiente em musicais, dava vida à Eliza na Broadway e contracenava com Rex Harrison, que representava o professor no teatro e manteve o papel no cinema. A ficha técnica de “My Fair Lady” é repleta de estrelas da época. O que contribuiu para os oitos Oscar que ele ganhou na premiação de 1965, incluindo o de melhor filme, ator, figurino colorido e direção. O diretor George Cukor ganhou o troféu pelo seu trabalho original e o uso de equipamentos e ângulos inovadores.
O filme é dinâmico, com trocas de cenas rápidas e tem uma pitada de humor e de romance, mas se afirma no gênero musical pelas suas longas cenas de músicas e pelos figurinos bem elaborados e realistas. As músicas são bem colocadas e densas, fugindo um pouco do que era utilizado normalmente.
Outra característica marcante são as cores. Elas estão presentes em todas as cenas, nas roupas, na cidade, nas flores e nas frutas. A escolha da paleta de cores e a forma como elas foram empregadas são determinantes na composição dos personagens. As cores sóbrias representam a cidade com seus prédios, seu clima e sua poluição, e a população mais pobre, que trabalha nas ruas, que se suja. As cores alegres marcam a alta sociedade e o luxo que a cerca.
As gravações do filme foram todas feitas em estúdio, inclusive as externas que mostram as ruas da cidade. Os cenários buscavam expressar um tom realista, por meio de objetos característicos e bem colocados em cada cena. Como os lustres no salão do Baile da Embaixada ou os montes de areias em meio à construção que o pai de Eliza passa após ser expulso do bar. A própria Londres foi tipicamente retratada como uma cidade no início do século XX, cheia de prédios, obras e aspecto depressivo.

“My Fair Lady” é, como muitos filmes da década de 60, um filme transitório. É um musical, com músicas, danças, cores e figurino, mas deixa de lado as fantasias e os excessos que antes caracterizavam esses gêneros. O ilusionismo marcante dos anos 50 começa a ser substituído pela busca da realidade ou pelo “efeito do real”. Esse meio termo entre uma diegese fantasiosa e o real foi um ponto chave do filme e contribuiu para seu sucesso

"Vamos dançar?", por Joana Claude Migeon


O interesse pelo musical Vamos Dançar?, de Mark Sandrich (1937), surgiu através do número dos protagonistas Fred Astaire e Ginger Rogers na música “Let’s Call The Whole Thing Off”. Conhecia a versão de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, e acabei encontrando a versão realizada no musical. Hoje, acredito que essa música é a que melhor expressa a mudança que ocorre com o casal – seja ela emocional, como na
relação deles - e evidenciam as diferenças que existem entre eles de modo poético. Essa canção, assim como “They All Laughed” e “(I've Got) Beginner's Luck” sintetizam a superação das diferenças entre seus personagens e anunciam a mudança no enredo do filme.

O musical traz a história de Peter P. Peters (Mr. Petrov) e Linda Thompson (Mrs. Keene). Ele é um astro do ballet que se apaixona e sonha em dividir o palco com ela. Ambos acabam se aproximando durante uma viagem para New York, mas a relação dos dois fica confusa no momento em que se espalha o rumor que eles se casaram. A ideia para o musical surgiu para testar uma “formula de sucesso” idealizada por Richard Rodgers e Lorenz Hart, na obra On Your Toes on Broadway (1936). O enredo dos dois trabalhos é bem semelhante. O conflito é o elemento que mais aproxima entre os dois. A problemática é iniciada pelo dono da companhia de ballet na qual Petrov trabalha, Jeffrey Baird, que critica o distanciamento do astro e seu interesse por transformar essa dança num elemento híbrido com elementos do sapateado. É também esse problema que irá unir novamente os protagonistas para ascender ao “grand final”com a canção que dá o nome do filme “Shall We Dance?”.

Além do diretor Mark Sandrich que é considerado melhor sucedido no filme Picolino (1935) - considerado o 15° melhor musical da história na lista do American Film Institute – a obra também conta com a colaboração do compositor George Gershwin, famoso maestro pianista na Broadway. Ele apreciava o jazz, blues e gostava de música francesa, como Debussy. Boa parte de seu trabalho ficou conhecido não somente por  causa do cinema, mas graças a cantores como Ella Fitzgerald e Louis Armstrong. Em Vamos Dançar?, todas as músicas foram concebidas pelo compositor.

Essa é a sétima vez que Fred Astaire e Ginger Rogers trabalham juntos. A parceria entre  dos dois iniciou em Voando para o Rio, de Thornton Freeland (1933), e manteve por  mais nove filme que ocorreram durante o período de 1933 à 1949. Todos os filmes foram produzidos pela RKO Pictures com exceção do último, Os Barkleys da  Broadway, de Charles Walters, que foi realizado pela MGM. Esse também foi o únco com cor (technicolor). Depois, ambos atores seguem por caminhos distintos. Astaire continua no estilo musical, com obras como Nasci para Bailar, de Norman Z. McLeoad(1950), até optar pelo drama no fim da carreira. Já Rogers toma essa decisão antes e abandona o gênero para seguir o drama. Sua participação no filme Kitty Foyle, de Sam Wood, rendeu o Oscar de melhor atriz em 1941.A RKO foi a produtora que investiu na série de filmes com o Astaire e Rogers e teve um grande retorno durante os anos de 1930. É após o lançamento de Vamos Dançar?, em 1937, que não obtém o retorno esperado que surgem os primeiros indícios da decadência da empresa, agregada a outros fatores como a segunda guerra mundial. O
contexto histórico também colaborou para uma retenção dos recursos, principalmente para o gênero musical, e o maior investimento para outras narrativas fílmicas, como o drama. A produtora é responsável pela realização do filme Cidadão Kane, de Orson Welles (1941), por exemplo.

Se antes, os filmes do gênero eram mais teatrais e tinham uma estética mais próxima do espetáculo, após a segunda guerra mundial, as demandas são outras e novas tendências surgem. Se em Vamos Dançar? existe uma história entre algumas pessoas, que não representam necessariamente um grupo maior, depois da década 1960, existe um aspecto social mais latente. West Side Story, de Jerome Robbins e Robert Wise (1961), é um exemplo desse “recurso” usado para atrair a maior atenção do público.

Outra diferença óbvia, mas perceptível é a movimentação da câmera. Até Cidadão Kane, mais ou menos, notamos uma menor ousadia no uso da fotografia. No musical de Mark Sandrich, notamos poucas variações nos planos. Normalmente a câmera é usada apenas como um olho que observa e que por vezes se aproxima e outras se afasta, mas quase sempre no mesmo eixo, no máximo dois. Não observamos plongée, por exemplo, ou cenas que priorizam a profundidade do plano. Isso muda significativamente depois.
A Noviça Rebelde, de Robert Wise (1965), já ousa mais nesses aspectos. A abertura do musical, com “The Sound of Music”, já traz elementos que não eram vistos antes. Além  dos recursos técnicos, há também a saída do estúdio para a locação. Claro, temos que considerar que o aparato técnico do musical de 1960 é maior, consequência de um investimento mais significativo.

Em contrapartida, filmes como Vamos Dançar? possuem uma maior valorização e tempo para os números musicais, favorecendo momentos que talvez não funcionassem tão bem na contemporaneidade. A abertura do filme com as sombras das bailarinas na tela preta e branca, por exemplo, é uma forma de introduzir o assunto de modo subjetivo e indireto. Outra brincadeira realizada por Astaire, que lembra a interação de Chaplin com o cenário, é quando ele joga com a sombra das maquinas do navio para New York.
Ele aproveita o som e a partir de uma postura formal, mas cômica, ele aproveita esse elemento para florear sua coreografia.

Outro aspecto interessante é a introdução dos negros no musical. Mesmo que por um intervalo pequeno de tempo, eles estão presentes em número de Astaire durante a viagem para América. Isso já mostra a mudança no cenário fílmico, no qual antes o espaço era apenas ocupado por brancos. Aqui, mesmo que em segundo plano, eles estão presentes e colaboram no ritmo e ambientação da música “Slap That Bass”.
O musical possui momentos diegéticos, como em “Shall We Dance?”, no qual os protagonistas trabalham realmente cantando e dançando e na cena contracena o númerofinal do filme. Já em outras sequências, há instantes não dietético, como em “They Can't Take That Away from Me”, quando eles estão atravessando de balsa e descem do carro para cantar em meio a neblina e com o plano de fundo New York.

O filme pode não ser a melhor obra do cineasta Mark Sandrich, mas é um trabalho significativo pela apropriação dos elementos e as referências utilizadas, citadas acima.A parceria Astaire-Rogers é o principal aspecto qualitativo desse musical.

“All that Jazz/O Show Deve Continuar”, por Allisson Mendes



O musical “All that Jazz/O Show Deve Continuar”, de 1979 é considerado um dos grandes musicais de todos os tempos. O filme foi dirigido por Bob Fosse e conta com Roy Scheider, Jessica Lange e Ann Reinking no elenco principal.
A narrativa traz o relato semiautobiográfico do diretor Bob Fosse através do personagem Joe Gideon (Roy Scheider), um coreógrafo, escritor e diretor de cinema bastante dedicado às suas atribuições, perfeccionista, que adora curtir as mulheres. Enquanto prepara mais um espetáculo, Bob também trabalha na edição do seu último filme, “The Stand-up”. Durante um dos ensaios, Bob sofre um enfarte. No período mais delicado de sua situação de saúde, ele começa a rever momentos passados, sendo tais recordações colocadas como números musicais.
Durante seu momento mais delicado, Joe inicia um diálogo forte, intenso e sedutor com a morte, que no filme aparece personificada através de Jéssica Lange. A relação de Joe com as mulheres que fazem parte de sua vida (sua ex- mulher, sua filha, sua atual namorada e as outras mulheres com quem se relaciona) é bastante explorada em boa parte do filme. Em relação à morte, Joe vive em uma tentativa dura de não se entregar, sobretudo ao desejo, já que a figura da morte se apresenta sempre muito bela, sedutora e angelical.
O roteiro do filme é muito bem feito e muito criativo pela forma com que conta a historia de Joe, associando suas memórias afetivas, sua situação médica, a sua relação direta com a morte e a música, que tem lugar de destaque em todo filme, quase todas as cenas do filme são marcantes e possuem uma importância narrativa grande. Os diálogos do filme trazem uma mistura entre frases fortes e mais marcantes, e momentos de casualidade. Há uma sutileza na utilização do humor e uma carga dramática forte, carregada de um pouco de melancolia.
Os números musicais que aparecem nos trabalhos de Joe como diretor e, posteriormente, em suas recordações, são exuberantes pela coreografia (orientada também por Bob Fosse), e por todo o trabalho de cenografia e direção de arte. Elementos que acompanharam a vida de Joe, como o cigarro, a bebida, o sexo e as relações com as mulheres que fazem parte de sua vida, são os principais temas apresentados nos números musicais, sempre com coreografias e figurinos sensuais. Destaque para a canção “Bye, Bye, Love”, arranjada por Ralph Burns, e para a cena musical em que o som é retirado com o intuito de deixar claro que se trata de uma memória de Joe.
O elenco tem um papel de destaque para o sucesso que o filme obteve. Roy Scheider conseguiu corresponder com muita eficiência o seu papel, e Jessica Lange, fez neste que foi o seu segundo trabalho importante no cinema, um personagem marcante. O trabalho de direção merece destaque, junto com a edição. O musical conquistou diversos prêmios no Oscar, no Festival de Cannes e em outros importantes festivais de cinema internacional.

O filme foi produzido no final da década de 70, uma época, para o gênero musical, que representava um pouco da tentativa de reconstrução do gênero e de readaptação aos novos modelos de produção e distribuição, haja vista que a TV já exercia um papel forte e predominante na sociedade norte-americana. Nessa mesma época outros bons musicais foram produzidos, entre o desejo de ver renascer o gênero que há muito tempo vinha em decadência e a vontade de se aproximar de temas e de perfis mais contemporâneos à época.

"Across the Universe", por Tiago Gaio



Across the Universe é um filme longa-metragem estadunidense do gênero musical, que retrata os anos 1960 e seus acontecimentos, revoluções, rebeldia jovem, guerras e mudanças sociais, ambientando toda essa época através da obra musical da banda inglesa The Beatles. O elenco conta com jovens talentos que interpretam e cantam, além de inserir participações espaciais de outras bandas e artistas roqueiros.

A história começa em Liverpool, a portuária e famosa cidade onde os Beatles surgiram, no início dos anos 1960, que é o contexto temporal da história. Jude canta lentamente a música “Girl” no início do filme, sentado á beira mar, numa praia. A música escolhida serve para dar início narrativo à história (ou às histórias) do filme. Nesse momento, a música é usada como um estopim que dá início à obra, seguido por “Helter Skelter”, numa colagem de imagens que traduzem os turbulentos anos 60.Jude vai para os EUA e acaba encontrando seu pai, que trabalha na Universidade de Princeton. Seu pai saiu da Inglaterra e foi aos EUA ainda jovem e abandonou sua esposa grávida. O personagem vive toda a rebeldia da época, mas costuma ser um jovem calmo, discreto e de poucas palavras.

Jude se apaixona por Lucy, mas descobre que ela tem namorado e desiste. Ele e Max, estudantes universitários, seguem para Nova Iorque de carro e conhecem Sadie, uma jovem ´sexy´ (“Sexy Sadie”), a dona da casa na qual eles se hospedam na cidade. Joe Cocker aparece na história cantando “Come Togheter” em alusão a um jovem guitarrista negro americano que personifica e tem as qualidades do personagem da canção.

A Guerra do Vietnam faz muitas vítimas e Lucy perde Daniel, seu primeiro namorado, morto na guerra. 
Jude e outros jovens da mesma casa que dividem, conhecem Prudence, uma jovem de Ohio foragida de seu ex-namorado. Jude encontra Lucy em Nova Iorque, numa casa noturna na qual Sadie se apresenta como cantora. Os dois se apaixonam e têm um envolvimento amoroso que não dura muito tempo.

Bono Vox aparece como o personagem Dr. Robert e canta “I Am the Walrus”, numa casa de shows. Desse ponto em diante, surgem cenas fantasiosas, personagens infantis, psicodelia e a efervescência social do final dos anos 60, com a Guerra e as revoluções que tomaram conta do mundo em 1968, com muitos presos e mortos.

Jude volta para a Inglaterra e o filme termina na cidade de Londres, onde ele encontra Lucy e ficam juntos novamente. O filme encerra com a música “Lucy in the Sky with Diamonds”.

Análise do musical
O filme, em algumas cenas de diálogo, faz referências às músicas dos Beatles. As músicas do filme exploram a personalidade dos seus respectivos personagens, quando estes personificam personagens das músicas. Muitas músicas são usadas como “mote” para construir as histórias do filme e também são usadas diegeticamente ou como apenas trilha sonora (não diegético). A narratividade também é enriquecida pela música, dando expressividade e até mesmo criando cenas e personagens fantasiosos, ressignificando as músicas e muitas vezes também lhes dando sentido mais completo, pela construção das histórias e personagens por meio das músicas.

sábado, 4 de janeiro de 2014

"Hair e nostalgia", por Maria Eduarda Brito Bezerra Rodrigues



A nostalgia de certa forma sempre foi bem vista na realização dos filmes, possuindo uma relação direta com o público jovem, onde esses identificam-se com os personagens, construindo a cultura vigente com base na idealização do passado. Muitos autores abordam essa temática, como por exemplo, Fredric Jameson, que cunha o termo “nostalgia regressiva”, acreditando ser uma forma de encontrar defeitos no presente, tendo o passado como fonte idealizada e intacta. Em contrapartida, Linda Hutcheon acredita que a nostalgia é uma forma de inspiração no passado que causa uma reflexão para as atitudes no presente.

O filme de Milos Forman, “Hair” realizado em 1979, trata esse sentimento de nostalgia, recriando a década de 60 norte-americana, na qual foi marcante o movimento denominado “contracultura”. Movimento que buscou lutar contra a moral dominante, a tradição, criando novos meios e formas de se expressar. O movimento Hippie surgiu desse meio, onde jovens buscavam a liberdade corporal e de expressão, perante uma sociedade capitalista tradicional e moralista. Hair conta a história de Claude (John Savage), um jovem que foi recrutado para lutar no Vietnã e em Nova Iorque, este é integrado à um grupo hippie, liderados por Berger (Treat Williams). O grupo tenta convencer Claude a abdicar dos costumes dessa sociedade capitalista dominante.

Apesar do sentimento nostálgico que impulsiona o filme, ao mesmo tempo faz uma crítica a esse período. Pensamos como Hutcheon que filmes como esse trazem a tensão entre a nostalgia do pós-modernismo e a ironia do contemporâneo, fazendo assim, uma autorreflexão.

Hair faz parte do gênero musical, na qual cada canção levanta uma crítica. O filme inicia-se com “Aquarius”, canção que sugere uma nova era, uma nova época, fazendo uma crítica direta aos tempos de guerra. Outras músicas como “Ain’t got No” e “I got Life”, criticam o apego a bens materiais e a restrição de liberdade que a sociedade censurava. Na música que dá nome ao filme (Hair), os hippies questionam o preconceito contra os cabeludos. “Be In” e “Walk in Space”, falam respectivamente do uso das drogas para a libertação do espírito e uma crítica em relação as vítimas inocentes da guerra do Vietnã, na qual a sociedade fecha os olhos para essa realidade. Esse filme, juntamente com sua trilha sonora, tornaram-se ícone para os jovens que procuram romper com a moral vigente, em busca de  liberdade.

 Milos Forman enaltece os tempos onde lutava-se contra o capitalismo e existia uma razão, um objetivo em comum entre os jovens, utilizando o movimento hippie como foco principal, mostrando sua liberdade e desapego com o mundo material, fazendo assim, uma reflexão entre a idealização de uma sociedade melhor e a realidade. Quando Berger é enviado para guerra, ao invés de Claude, fica claro o quão forte é essa sociedade capitalista dominante, e o quão difícil é mudá-la.



"Selfies e subjetividade", por Paloma Barros

Selfie foi escolhida a palavra do ano de 2013, por editores do dicionário Oxford e é definida como "uma fotografia que a pessoa tira dela mesma, tipicamente com um smartphone ou webcam, carregada em um site de mídia social". Um termo que virou moda nos últimos dois anos, e tem sua origem na Austrália em meados de 2002 quando um homem que ao postar sua foto para mostrar ferimentos em um fórum, após ter tropeçado de um degrau; justificou a falta de foco por se tratar de uma selfie.

Segundo Boris Kossoy, a fotografia do século XX cumpriu papel revolucionário de disseminação maciça de imagens do mundo, o que acarretou em um “vício”, do qual não poderíamos prescindir.  A história da fotografia está cheia de rostos, inclusive o mistério do rosto de Cristo em seu sudário, e outros que tomaram dimensões globais, como Lenin, Khomeini ou Mao-Tsé-Tung. O impacto da comunicação de um rosto tem sido explorado para vários fins, sobretudo no campo publicitário.

De todos os motivos que se coloca diante de uma câmera, o rosto se perpetua como o mais intrigante e mais fotografado. O foco no indivíduo entusiasma compartilharmos toda nossa trajetória diária em redes sociais, o que transcende uma relação narcisista somente, pois são necessários likes para se efetivar, ou seja, aceitação social. Através dessa aceitação o auto-retratista monta uma imagem de projeção para o mundo, que tem como espelho a vida das celebridades que se expõem nas mídias sociais.


A efetivação das selfies também passou pelas mãos das celebridades que não só compartilham seu cotidiano para aceitação, mas sobretudo para autopromoção. O que estimula a reprodução de fotos de rostos solitários com expressões similares e em ângulos repetitivos. A proliferação de mais do mesmo demanda aperfeiçoamento, o que levou a cantora pop Kim Kardashian possuir um tutorial da selfie perfeita.

De qualquer forma as selfies não necessitam ser exclusivamente taxadas como algo vazio, o registro é algo intrínseco ao humano, desde os homens das cavernas e seus desenhos nas paredes. É necessário bom senso, menores doses de auto exposição e mais personalidade nas mídias sociais. 

"Adeus, Primeiro Amor", por Isabel Meira Constant


A vida pode ser pensada como se fosse um rio. Ele é instável, sua correnteza por vezes imprevisível e está em constante mudança. Em poemas como os de João Cabral de Melo Neto, "Cão Sem Plumas" ou "O Rio", podemos observar essa semelhança do rio com a vida.

O rio segue sozinho, e nossa vida, por mais que tenhamos a ilusão de estarmos compartilhando, segue só; segue sempre por algum caminho até chegar num ponto onde acaba, desagua em outro rio maior ou mar, o desconhecido: não é mais rio, não está mais só nem segue para lugar algum.

Como para Heráclito, filósofo grego, que afirmava que tudo flui e nada permanece estável. Como exemplo do pensamento, ele dizia que uma pessoa nunca poderia entrar duas vezes no mesmo rio: nas duas vezes a pessoa tanto como o rio estariam mudadas, as águas seriam outras, e águas sempre fluem.

Em "A Terceira Margem do Rio", conto de Guimarães Rosa, um homem manda fazer para si uma canoa e não volta nunca mais, se perde no "rio grande, fundo, largo, calado que sempre". Se perde no desconhecido, que pode ser a morte como também a vida, e os outros personagens têm medo do desconhecido e de si mesmo, por vezes uma coisa só.

Em "Un Amour de Jeunesse" ("Adeus, Primeiro Amor"), o filme tem como mote a descoberta do amor quando se é jovem e como ele parece ser importante naquele momento. Camille tem 15 anos e namora com Sullivan; o amor é a única coisa que importa para ela.

É perceptível a dependência de Camille para com Sullivan, não há sentido em ficarem separados quando podem estar juntos. Mas a cabeça dos dois tem suas diferenças e Sullivan acha importante cada um ter sua própria vida. Mia Hansen-Love expõe um universo no filme, a França e o amor na juventude. É fácil se identificar com a situação pela maneira intimista com a qual é retratada.

O ponto de virada na história é quando Sullivan parte para um mochilão pela América do Sul e os dois precisam dar adeus e se separar, sem saber quando irão se encontrar novamente. Existe a ilusão de que aquele amor ficará intacto e em espera, então os dois se comunicam através de cartas e por vezes ao telefone; Camille faz um mapa da América do Sul e vai marcando os lugares por onde Sullivan passa, desse modo se sente mais próxima.

Depois de um tempo, fica cada vez mais difícil aguentar a saudade e a comunicação entre os dois, já escassa, se torna nula. O tempo muda tudo e faz a ilusão desparecer. Camille cresce, entra na faculdade de arquitetura, mas se torna uma pessoa fechada e triste. O filme expõe as marcas de um amor que acabou mal ou que não foi curado, mudanças na vida de alguém e as marcas que elas trazem.

Acabamos por nos afeiçoar a Camille como quando sentimos saudade de um personagem quando o livro acaba. É um filme simples e sensível, com emoções que ao passar do tempo viram lembranças. A contraposição da razão e sentimento é a forma intimista que as imagens revelam, sendo capaz de se identificarem com o espectador. As situações apresentas na tela nos permitem reviver lembranças.

No fim, somos deixados pela imagem de Camille entrando num rio, rio este onde já estivera presente outrora na história, num passeio com Sullivan. A música começa: "Tudo o que eu tenho é um rio / O rio é sempre a minha casa / Me leve embora porque eu não posso mais ficar / Ou afundarei". O futuro de Camille acaba incerto como aquele rio em que ela parte para o desconhecido, talvez finalmente conseguindo estar sozinha.


"A Mosca: O Grotesco como Reflexão", por Jefferson Gabriel

Os conceitos de arte e belo estiveram ligados entre si na história da arte por entre os séculos, criando uma ligação tão forte a essas palavras  que mesmo ainda na contemporaneidade é possível que muitos as associem como espécies de sinônimos. Contudo, com o decorrer do tempo, foi se tornando mais comum o questionamento do belo, sua hegemonia e sua relação com aquilo que é artístico.  A partir daí, correntes surgiram afim de aumentar as possibilidades de pensamento para aquilo que é considerado arte. Uma dessas correntes segue por uma linha que dispara praticamente oposta àquilo que era “belo”: o gênero “gore”, que aborda o  grotesco.
Seguindo mais especificamente para o cinema, custou (e ainda custa, em alguns casos) muito para que o público em geral consiga associar o grotesco como algo além da pura exibição de horrores visuais. Um dos clássicos do gênero, “A Mosca” (The Fly, 1986) de David Cronenberg, adaptado de “A Mosca de Cabeça Branca” (1958),  é um desses exemplos. No filme, temos o cientista Seth Brundle (Jeff Goldblum) que, após um bom tempo isolado em sua casa/laboratório, conseguiu criar uma máquina que, segundo ele, “vai mudar o mundo e a vida humana como conhecemos”. Sua invenção se revela altamente efetiva como o primeiro teletransportador já criado. Ao mostrar o funcionamento de sua invenção para a jornalista Veronica Quaife (Geena Davis), ela logo se deslumbra com a possibilidade de uma matéria, o que acaba resultando num relacionamento entre ela e Seth. Os dois concordam que depois de conseguir solucionar um problema referente ao teletransporte de seres vivos, serão realizadas filmagens e entrevistas para compor uma reportagem referente aos experimentos. Após conseguir avanços em sua pesquisa, Seth decide de maneira inconsequente que chegou a hora de realizar o tão sonhado teletransporte com humanos, testando em ninguém menos que ele próprio. O que ele não esperava era que, durante o evento, uma pequena mosca acabasse  entrando na máquina junto com ele. Desse momento em diante, a vida do cientista começa a se alterar drasticamente.
Cronenberg dá ao personagem de Jeff Goldblum um teor bastante cruel de realidade psicológica. Conforme Brundle vê o tempo passar, menos homem ele vê em si e mais vê o seu lado “mosca” (ou monstro) despertar por conta da fusão a nível de DNA provocada pelo teletransporte.  O protagonista enxerga seus instintos e desejos mais obscuros tomarem conta de si contra sua vontade. Sua namorada,  Veronica, inicialmente comove-se com seu estado, mas seu sentimento logo se converte em medo das ações de Seth. O que o diretor nos mostra é a perda da humanidade e a decadência do personagem sendo refletida em sua pele, seu corpo e ações, fazendo-o em certos momentos do filme se questionar até que ponto ele ainda é humano. Em sua cegueira perante a situação, Seth se define como algo superior a um simples humano, uma evolução: ele se diz agora “Brundlemosca” (Brundlefly).
As cenas exibidas são extremamente marcantes, principalmente por conta da maquiagem que nos faz sentir extrema repulsa a cada etapa passada por Brundle. O grande ponto disso é que justamente essa repulsa que sentimos e o exagero exposto na tela que faz com que o filme funcione da maneira como foi proposto. Sendo assim, o “grotesco” presente na obra se torna uma ferramenta que adiciona um valor reflexivo a todas as transformações que os personagens passam, seja interna ou externa. Quando ele se define como superior e se autonomeia “Brundlefly”, é justamente seu corpo humano aniquilado de modo bizarro que nos denuncia que na realidade aquilo nada mais é que uma tentativa de fuga do personagem perante o caminho sem volta  em que se encontra. Na cena final, após uma série de eventos, é possível captar a essência desse instante não  por conta do choro da personagem de Geena Davis, mas pelo próprio sofrimento de Seth ao arrastar seu corpo decadente em direção a uma arma e colocá-la apontada para sua cabeça. Sem a presença do gore nesse instante, sem o asco que a cena transmite por seu exagero e horror, não seria possível sentir o quão perturbador de inúmeras maneiras é a situação dos personagens. O gore então se revela mais do que uma mera dose de agonia. Através da repulsa, é possível ir além do horror. É possível sentir.