sábado, 30 de abril de 2011

"Blow Up", por Gustavo Massud



Blow Up é um filme de Michelangelo Antonioni, baseado num conto Júlio Cortazar. A história retrata a vida do fotógrafo Thomas, que tem sua rotina mudada ao fotografar inesperadamente, ao que parece, um homem morto em um parque. A partir daí, começa sua busca para provar o que viu. O que torna a obra de Antonioni tão peculiar, é que a dúvida paira não só sobre quem assiste a história, mas também para o próprio fotógrafo. A câmera capta o que os olhos não conseguem ver. É um princípio fotográfico básico e é sobre ele em que o filme se sustenta.

Dada esta introdução, focaremos no aspecto do retrato urbano de Blow Up. A Londres de vanguarda em colisão com a Londres tradicional. Esse é um tema que permeia todo o longa-metragem. Estabelecendo de maneira primorosa a relação entre desenvolvimento urbano e cultural.

Na cena inicial, onde um grupo de jovens de cara pintada (artistas circenses?), roda impetuosamente em um carro, é estabelecida a ambientação do filme. Uma Londres que vivia a efervescência do rock’n roll, transformada numa Meca para os jovens nos anos 60 e prestes a quebrar tabus dentro de uma sociedade culturalmente rígida. Em contraposição, os operários frios e aparentemente amargos saídos da indústria são mostrados. O conflito de posturas é claro, até nos depararmos com o fotógrafo e protagonista do filme, Thomas. Ele é a visão externa dessa Londres em ebulição e ao mesmo tempo congelada. Por transitar nos dois mundos e ambos serem objetos de seu trabalho como artista, ele o faz de maneira horas instigantes e, se posso assim dizer, por horas desleixada.

A cidade é um canteiro de obras. Prédios sendo erguidos aos montes. Demonstrando o desenvolvimento de uma Londres, que num passado recente se via destruída pela Segunda Guerra Mundial. Os subúrbios fazem parte dessa nova Londres. E o olhar do fotógrafo não deixa escapar nada. Inclusive, ao fotografar imagens de um casal que discute ele é repreendido pela dama, Jane. Posteriormente, entregando um rolo de filme em branco ele engana Jane, fazendo-a pensar que este é o rolo que contém as suas fotografias.

Thomas, em certo momento discute com uma moça no rádio do carro, ao afirmar, em tom de reprovação: “Vão edificar toda essa área? Tem gays com poodles passeando pelas ruas”. Uma referência ao crescimento imobiliário de Londres e a liberdade sexual que já era experimentada na época. Londres não é mais a mesma. E o fotógrafo já não se satisfaz. Ao conversar com o editor de seu livro de fotografias num restaurante, ele confidencia o desejo de sair de Londres. Segundo ele: “(Londres) não está ao meu gosto”. Parece que todo o controle que ele tem sobre suas modelos ele também deseja ter em sua vida. A cidade agora representa um perigo ao seu estilo de vida. As fotos de seu livro são marcadas pela violência de uma cidade que guarda marcas do passado inquietante, se urbaniza incessantemente e está prestes a se tornar num centro globalizado.

Ao voltar pra casa, Thomas já não encontra suas fotografias, nem sua câmera. Tudo foi roubado e ele decide buscar ajuda. Durante a busca de Thomas pela verdade sobre o que viu, conhecemos a cidade em suas entranhas. A festa num clube onde os aclamados Jimmy Page e Jeff Beck se apresentam com a sua banda, The Yardbirds. A banda dita o clima de virtuosismo presente na época em Londres. Eram jovens que nasceram em no pós-guerra e tudo o que tinha sido feito antes deveria ser abandonado. Guitarras sendo quebradas no palco, músicas com letras mais agressivas, essa era a Londres de vanguarda.

Logo após, Thomas passa pela casa do editor de seu livro, onde as aventuras com as drogas são estimuladas ao máximo. E mesmo diante daquela situação, Thomas está completamente perturbado pelo que viu (ou acha que viu). O exemplo interessante sobre a futura globalização é da numa cena onde Thomas indaga a modelo com quem trabalhou recentemente o porquê dela não estar em Paris, como lhe disse que iria anteriormente. Ao que a modelo responde: “Eu estou em Paris”. Onde entendemos que Londres não é mais uma só cidade, ela é uma metrópole de várias cidades em uma só. Mantendo-se alheio ao que lhe cerca, o interesse de Thomas é simplesmente provar o fato.

Londres, desde o começo parece não ter interesse nenhum pra ele. Mesmo com todas as coisas acontecendo ao seu redor, ele queria outra coisa que não era aquela. Ao final, quando ele finalmente volta ao parque e não encontra o corpo que achou ter visto, fica confuso. O que teria acontecido? Ao olhar para a quadra de tênis, os mesmos artistas do início do filme estão simulando jogar tênis. Ele olha aquilo, o que lhe ajuda a entender um pouco pelo que passou.

Thomas precisava de uma coisa que lhe instigasse em Londres. Um motivo que lhe fizesse correr atrás de algo. O que ele viu, na verdade, foi simplesmente o que quis ver. O seu fascínio não estava na cidade em si. Londres não era mais a sua cidade, ela estava se transformando. E ele procurou ver outra coisa, que não fosse essa Londres que, agora, tanto desprezava.

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