
Como outras indústrias, Hollywood foi atingida fortemente pela Grande Depressão, mas conseguiu se recuperar lentamente através de uma variedade de métodos. Com o preço médio de 27 centavos de dólar por ingresso, o cinema oferecia uma maneira relativamente barata de se tirar férias da realidade. O público se deliciava com as fantasias espetaculares da alta sociedade, e com uma maneira de viver que eles nunca conheceriam de perto. Os personagens das screwball comedies podiam ser malucos e inconsequentes, enquanto o americano comum não podia. Mas, por uma hora ou duas, todos podiam fingir que eram Cary Grant ou Katharine Hepburn.
Esses filmes funcionavam como uma válvula de escape; um campo de batalha seguro onde se podia explorar temas sérios, como o conflito de classes, de uma maneira cômica. Mas, apesar da leve conotação social, talvez a maior marca da screwball comedy seja as situações beirando o ridículo, como acontece em “Levada da Breca” (Bringing Up Baby, 1938), onde um casal deve tomar conta de um leopardo importado do Brasil.
A história envolve Cary Grant no papel do paleontologista David Huxley, que busca uma doação de um milhão de dólares para o seu museu, e as situações inusitadas pelas quais passa após conhecer a excêntrica Susan Vance, interpretada por Katharine Hepburn. No maior estilo screwball comedy possível, também inclui um osso de dinossauro enterrado por um cachorro, dois leopardos, brincadeiras com azeitonas, prisões injustas e inúmeras performances da música I Can’t Give You Anything But Love.
Durante todo o filme, Grant e Hepburn executam uma estranha e engraçada dança ao redor um do outro, ao mesmo tempo em que presenteiam o público com um dos melhores diálogos de comédia já escritos. Sozinho, o personagem de Grant é desajeitado e controlado pela noiva, sua colega de trabalho. E sem ele, a personagem de Hepburn é simplesmente insana. Mas junta-se os dois, os personagens parecem se transformar, e a química é evidente. Mesmo com direção e roteiro incríveis, se Grant e Hepburn não tivessem imediatamente se estabelecido como duas pessoas tão frustradas uma com a outra que não conseguem ver que foram feitos um pro outro, o filme provavelmente não seria tão envolvente. O filme, além de ser uma comédia, é também uma história de amor da qual o público aprende a gostar no desenrolar dos acontecimentos.
Para este personagem, Grant decidiu abandonar todo o carisma e charme que geralmente traz em suas comédias românticas, em troca de um par de óculos e um jeito nerd. A personagem de Hepburn, embora por vezes destrambelhada, é cheia de vida, e após perceber que o ama, faz de tudo para ajudar Grant a recuperar um osso de dinossauro que é a peça final de um grande projeto dele.
Na ainda conservadora sociedade de 1938, uma única fala do filme causou grande polêmica: na cena onde a tia de Susan, Mrs. Random (também a possível doadora de um milhão de dólares para o museu de David), chega em casa e encontra David vestido com um robe feminino, pertencente a Susan, pergunta porque ele está vestindo aquela roupa. David pula e responde “Because I just went gay all of a sudden!”. Na época, a palavra gay era utilizada apenas por homossexuais, entre si; a maior parte da sociedade a usava para adjetivar coisas e pessoas alegres . A fala, que não estava no roteiro original, foi improvisada por Grant. Apesar de não haver confirmação disto, estima-se que essa tenha sido a primeira vez que o adjetivo tenha sido usado em um filme, como referência ao homossexualismo.
O legado deste filme, o segundo de quatro que Cary Grant e Katharine Hepburn fizeram juntos, é tão grande que em 1959, mais de 20 anos após seu lançamento, ainda continuava a influenciar atores e diretores. No clássico “Quanto Mais Quente Melhor”, considerado uma ‘screwball comedy atrasada’, Tony Curtis baseou sua atuação como o milionário que finge ser para seduzir Sugar (Marilyn Monroe), no personagem de Cary Grant em Levada da Breca.
Embora bastante apreciado hoje, e na posição de número 92 na lista dos 100 melhores filmes do American Film Institute, na época de seu lançamento, Levada da Breca foi um fracasso de crítica e público. Um crítico da época, Frank S. Nugent, publicou no New York Times uma resenha que dizia que o filme seria “aturável apenas para alguém que nunca viu um filme antes”.
Ao final do filme, a noiva de David Huxley, ao saber que ele havia sido preso, pergunta, assustada “Oh, David, o que você fez?”. Grant, resumindo em apenas uma fala o conceito de screwball comedy, responde calmamente “Pense em qualquer coisa, e eu já fiz”.
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