sábado, 30 de abril de 2011

Cidade Nua, por Thiago Rocha




O filme já se anuncia: vocês nunca viram uma história contada dessa forma. E provavelmente estava correto. Cidade Nua (The Naked City) de Jules Dassin apresenta uma narrativa incomum para o cinema praticado até o ano de 1948. Inclusive para os filmes noir, gênero ao qual o filme melhor se encaixa.

As imagens são apresentadas de forma quase documental, entremeadas por histórias de crimes, entre as quais está a que vamos acompanhar até o fim. O efeito que passa é de uma cidade em intenso movimento. Muito mais do que efeitos sonoros de sirenes de ambulâncias como nos filmes passados em Nova Iorque atualmente fazem, sentimos muito mais essa cidade em ebulição. O que as pessoas pensam ao parar numa vitrine e olhar as roupas expostas? Dentro da loja seguimos as pistas que nos levam ao assassino.
Quase tudo o que se diz de uma cidade grande está lá: para manter as aparências cinismo, mentiras, segredos. Pessoas cínicas, desesperadas, inocentes, maliciosas. Essas também são premissas do gênero.

Diferentes valores se defrontam. Com cinqüenta dólares o tenente da polícia sustentaria mulher e filhos. Seu assistente observa que ele pensa dessa forma porque foi criado do lado pobre da cidade. Cinqüenta dólares foi o que o investigado gastou numa noite. Nessa cidade as aparências enganam: são seis ou sete pessoas na cola de Niles? Niles é um ex-herói. Não, não é. Niles é um picareta. Não quer ser rebaixado socialmente e para manter as aparências envolve-se com roubos e jogos. Agora é suspeito pela morte de uma mulher.

A polícia chega ao escritório do suspeito e pede para a secretária chamá-lo. Ela se levanta se dirige à sala do patrão. O tenente pede para que ela o chame pelo telefone. Aí ela reclama: “não quero perder meu emprego!”. Em grande parte dos filmes policiais esse tipo de receio por parte de um personagem não existe. As pessoas simplesmente acatam a ordem da polícia sem muito questionamento. Ou então a empregada entra na sala, o cara foge e teríamos mais uma grande pirotecnia em perseguição no cinema.

O nível de realidade que cidade nua nos apresenta está para além dos filmes neo-realistas da época e também para as produções de indústria. Não é questão de comparar e dizer que uma é melhor que outra por que cumprem funções narrativas diferentes. Mas nesse filme, Jules Dassin fez algo que jamais foi adiante: investigar nos pormenores da fala, das conversas, das atitudes, dos valores uma cidade, algo que, de antemão, ele sabe impossível. Afinal, a história que acompanhamos é mais uma entre oito milhões de histórias.

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