Depois
da crise criativa que atingiu o Cinema Musical na transição da década 1950 para
a de 1960, quatro rotas de fuga foram traçadas para o gênero: a associação com
a animação e o cinema infantil de forma geral, tal como Mary Poppins (Robert Stevenson, 1964), O Calhambeque Mágico (Ken Hughes, 1968), A Fantástica Fábrica de Chocolate (Mel Stuart, 1971); com a
indústria fonográfica, como os filmes de Elvis Presley, dos Beatles, do The Who
e Pink Floyd, para ficar apenas no rock; como experimentação para a nova onda
de cinema autoral — Jacques Demy, Francis Ford Coppola, Rainer Werner
Fassbinder, Carlos Saura; e, finalmente, com o teatro musical inglês e
americano.
Esses
novos caminhos, aqui tão cuidadosamente segregados, podiam se cruzar das mais
diversas formas. Não há como, por exemplo, desassociar Grease (Randal Kleiser, 1978), um sucesso da Broadway, da
indústria fonográfica quando sua protagonista, Olivia Newton-John, venderia
apenas 3 anos depois 2 milhões de cópias do single Let’s Get Physical. Ainda assim, o musical hollywoodiano perdeu e
até hoje não recuperou o caráter autoral que sustentava quando era guiado pela
criatividade imagética de Vincente Minnelli e Stanley Donen. Pelo contrário,
ele tem rejeitado, nas suas adaptações, a identidade de autor que consolidou
várias peças na Broadway.
Há
exceções. Bob Fosse, diretor de teatro musical, soube como ninguém traduzir a
linguagem deste para o Cinema com obras-primas como Cabaret e All That Jazz.
E, mais recentemente, Tom Hooper, rejeitado pela Cinefilia, contrapôs na sua
adaptação de Les Misérables o
conservadorismo da temática e da abordagem do compositor e letrista Andrew
Lloyd Webber com uma busca por intimismo rara no cinema contemporâneo.
O
anarquismo proposto por Stephen Sondheim em Sweeney
Todd, no entanto, foi limado pela plasticidade e pelo fetichismo visual de
Tim Burton. E o hilariante e subversivo The
Rocky Horror Show ganhou uma muito comportada adaptação cinematográfica.
É
perigoso falar do que é conservador e do que é subversão em The Rocky Horror Picture Show (Jim
Sharman, 1975). A história, uma paródia da ficção-científica B americana, pode
ser interessante e impressionável se
deixarmos de lado algumas considerações a meu ver cruciais para a leitura do
filme. A primeira delas é que o filme, esteticamente, não vai além de uma
super-produção teatral filmada. Sua encenação, incluindo coreografias e as mais
diversas construções de cena, é linear, raramente há contraplanos, como se os
personagens estivessem num palco, e nós, na plateia. A outra questão, muito vinculada à primeira,
é a de que, se formos entender a subversão como uma manifestação estética tanto
quanto temática, os filmes satirizados por The
Rocky Horror Picture Show são mais subversivos que a sua homenagem irônica.
Basta lembrar da engenhosidade criativa de Plano
9 do Espaço Sideral (Edward D. Wood Jr., 1959) .
Seria
um terrível erro, porém, fechar uma análise de The Rocky Horror Picture Show sem compreender o filme como o objeto
de culto e adoração que se tornou. Espontaneamente, surgiram nas sessões agora
tradicionais do filme em Nova York, Los Angeles e São Francisco um caráter de
absurda interatividade, com parte da plateia, fantasiada, dançando na frente da
tela e o cinema inteiro fazendo observações coletivas e preenchendo lacunas nos
diálogos do filme. Quando Janet sai com o jornal sobre a cabeça para se
proteger da chuva, ouve-se “Buy an umbrella, you cheap bitch” ou, quando o
mordomo abre o caixão na sala de estar e revela um esqueleto, “Is it your
mother, Riff-Raff?”.
É
curioso como, ao proclamar o grito, a desordem e a fantasia como performance,
os fãs de The Rocky Horror Picture Show
reforçaram a temática do filme, de rejeição à hipócrita moral yuppie e de liberdade de ação. Brad e
Janet, um jovem casal de classe média, são combatidos ideologicamente pelos
acontecimentos e demais personagens do filme. A narrativa transforma em desejo
os seus medos e preconceitos.
E
essa diversão do público, que subverte o ato de ver um filme, pode também ter
dado a The Rocky Horror Picture Show
a subversão que este tanto procura. Se o filme evita contraplanos é porque
neles se esconde sua ensandecida plateia, que insiste em quebrar a quarta
parede ela mesma, possibilitando uma interferência e transformação na antes
comportada mise-en-scene.
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