sábado, 30 de abril de 2011
Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Demy – por Caio Cagliani
No cinema, inovação é sempre um dos fatores que mais atraem a atenção dos espectadores e este filme é uma pequena pérola deste assunto. Primeiro musical com diálogos totalmente cantados, Os Guarda-Chuvas do Amor nos apresenta uma aparente usual história de amor, com cargas de melodrama, de um relacionamento interrompido por algum motivo (no caso, a guerra da Argélia). Grávida, a jovem Geneviève (Catherine Deneuve – com uma beleza pueril nos seus 20 anos de idade) decide se espera o seu amor – o mecânico Guy – retornar do serviço militar ou aceita as investidas do diamantista Roland Cassard. Jacques Demy opta não só por modificar o gênero das tão grandiosas produções americanas quanto fugir dos padrões dos romances típicos.
Musicais geralmente obedeciam à regra de números: entre alguma ação e outra, a tela era inundada por algum show com música e dança – geralmente muita dança. Comumente, vários bailarinos executavam alguma coreografia, tudo ecoando as grandes peças de teatro que tanto influenciaram a criação deste gênero típico do início do cinema falado, símbolo dos anos dourados de Hollywood. Demy elimina completamente os shows e usa a música em todos os diálogos – algo que se tornaria comum nas óperas-rock como Tommy e Jesus Cristo Super-Star. Há sim um estranhamento, mas este passa com poucos minutos. Os ritmos variam de acordo com a cena, e as canções casam com as ações. Michel Legrand, compositor desta trilha sonora, aproveita bem a possibilidade de ampliar as intenções das falas, casando bem os diálogos com a melodia – não são raros os momentos em que a música sobe em algum diálogo mais dramático.
Claro que nada disto funcionaria caso tudo soasse extremamente falso, e Demy novamente se mostra capaz de acertar onde tudo indica o erro. Num cenário onde a maioria dos elementos aparenta ser artificial, com a paleta de cores utilizando muitos tons vivos e vibrantes, os atores, cantando do início ao fim das cenas se encaixam bem nesta paisagem, geralmente filmadas em longos planos que costumeiramente passam de um minuto. Tudo é tão coerente que basta pouco tempo para que o espectador entre na proposta do cineasta e funciona tão bem que este parece ser um dos grandes motivos que levaram esta obra à Palma de Ouro do Festival de Cannes – vencendo, entre outros, os brasileiros Deus e o Diabo na Terra do Sol e Vidas Secas.
Jacques Demy, que aparentemente não era um cara que aspirava saltos curtos, retoma um personagem de seu primeiro longa-metragem e o reutiliza aqui, criando uma uniformidade em sua obra. Roland Cassard, de Lola, é um personagem que reaparece neste filme, mais maduro e evoluído na profissão que inicia na primeira obra. As duas obras se comunicam pelo realismo da história de amor e pelos ciclos que aparentemente os personagens se encontram - neste, as ações de Geneviève se explicam pelas ações passadas da mãe.
O filme engana, é bom que fique claro. Parece um melodrama, com a mãe a ponto de esconder as cartas do amado de Geneviève, mas não é. Demy brinca várias vezes com nossas expectativas – quando tudo parece apontar para uma direção, ele oferece uma virada e tudo fica apenas na intenção, ou na nossa suposição – pois sabe que todo mundo conhece as fórmulas. Reescrevendo-as, amplia não só a experiência da sua obra, como torna o cinema um pouco mais interessante.
Gilda, por Jonathan Wolpert
O filme dirigido por Charles Vidor, é considerado um marco do film noir e para a época em que o filme foi exibido, um dos filmes mais provocantes de todos os tempos. Boa parte desse clima provocante acontece graças a belíssima atriz Rita Hayworth que executou o papel de Gilda com perfeição, criando uma das cenas clássicas do cinema mundial, em que a personagem canta “Put The Blame on Mame” (dublada por Anita Ellis).
O filme se passa na Argentina e conta a história Johnny Farrel (Glenn Ford), narrada pelo mesmo, a partir do momento que é salvo de um assalto pelo Ballin Mundson (George MacReady), e se torna amigo do Ballin que o leva pra ser gerente de seu clube noturno, que na verdade é um Cassino às escondidas. A amizade dos dois é abalada quando Ballin volta de uma viagem casado com Gilda, que descobrimos que ela já teve um caso no passado com Johnny.
Gilda, começa a causar grandes confusões na vida de ambos os homens (outro fato que a marca como a grande Femme Fatale de todos os tempos) quando começa a sair com outros homens apenas pra causar ciúmes no Johnny, que foi encarregado por Ballin à cuidar dela e mante-la segura e fiel ao marido. A trama começa a se complicar quando Ballin começa a sentir ciúmes de Gilda, que o mesmo admite estar completamente apaixonado, fazendo com que as coisas se compliquem entre Gilda e Johnny, que reacendem a paixão que tinham antes.
Ballin decide forjar a sua morte pra se livrar de um assassinato cometido pelo mesmo. Após esse incidente, Gilda e Johnny se casam, e começam novamente uma relação extremamente conturbada, até a volta de Ballin, que decide matar os dois, e acaba sendo morto por um personagem até então insignificante, o Tio Pio, que acaba matando o Ballin. Logo após, Gilda e Johnny vão embora juntos, fazendo com que o final do filme seja extremamente rápido, que realmente poderia se desenrolar mais.
Não podemos esquecer do envolvimento de Ballin com um cartel, que dava ao filme certo ar policial, pertinente nos filmes noir. Outro ponto importante na caracterização do filme noir, é a forte inspiração nos filmes do expressionismo alemão, filmados em preto-e-branco e com um contraste extremo. O film noir também conta com grande influência do realismo poético francês, com seus temas de fatalismo e injustiça.
Podemos fazer uma breve análise psicológica da personagem de Gilda e concluir que se trata de uma mulher extremamente movida pela paixão, desespero e medo. Em uma das frases do filme, ela fala: “Eu te odeio tanto que seria capaz de me destruir só para te levar para o fundo comigo”, mostrando um certo medo em relação ao Ballin, e uma paixão profunda pelo Johnny.
Considerado extremamente ousado para os anos 40, desafiando a censura, quando Gilda canta “Put The Blame on Mame” e acaba tirando as suas luvas, criando também uma das cenas mais sexys da história do cinema.
O filme foi divulgado com a frase “Nunca houve uma mulher como Gilda”, e realmente concordo que jamais na história do cinema, vi uma personagem tão forte e certa dos seus desejos, e disposta a fazer tudo pra conseguir seus objetivos, uma verdadeira Femme Fatale.
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"Cidade Nua", por Adriana Virginia do Nascimento Mendes
O filme cidade nua (Naked city) de 1948 passado na cidade de Nova York dirigido pelo diretor Julis Dassin, conta a história do assassinato de uma jovem e bela modelo encontrada no seu apartamento numa manhã. Um assassinato aparentemente sem pista alguma, o crime intriga os dois investigadores Dan Muldoon (Barry Fitzgerald) e Jimmy Halloran (Don Tylor) pela busca do autor da morte. Detalhando toda a vida da jovem modelo os investigadores vão descobrindo as pessoas envolvidas no crime e em outras ações ilícitas: roubo de jóias. A instigante busca policial numa cidade grande e moderna onde os dias são de agilidade, movimentação e as noites contrariamente tornam-se escuras, sombrias e é esse gênero que o filme passa; as conseqüências de uma cidade escura, sombria.
Fazendo uma analogia do gênero escuro da cidade com a modernidade coube bem no filme essa relação intima entre os dois. As identidades perdidas mostrada no começo do filme, onde o cotidiano do trabalho faz com que as pessoas passem uma pelas outras sem se notarem e quando se notam são apenas “objetos” de lucro, identidades são formadas pelo capital. Toda essa atmosfera é implícita na modernização, mas torna-se explicita na forma “sombria” da cidade, uma cidade densa, pesada. Esse clima pesado torna-se mais intenso a noite, onde todos após seu longo dia de trabalho voltam aos seus lares para descansarem deixando assim a cidade vazia ou quase vazia, sendo perfeita para atuação de um crime.
Cidade Nua com seu inovador estilo policial dramatiza bem as buscas por pistas de um assassino dentro de uma metrópole como Nova York, pois o crescimento da cidade é intenso e as pessoas já não se conhecem mais, ou seja, o assassino pode ser qualquer um. Quando esse qualquer um é descoberto o crime passa a ser só mais um, os noticiários já não falam mais, as pessoas esquecem porque precisam entrar na agilidade do cotidiano e não tem mais tempo de pensarem naquele crime, pois afinal de conta uma noite escura e sombria nova yorkina revelará outros crimes.
ENCONTROS E DESENCONTROS, Sofia Coppola, por Laís Santos Araújo
Dois estranhos em uma das metrópoles mais vibrantes do mundo. Bob Harris (BIll Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson) estão em Tóquio por motivos diferentes: ele para gravar um comercial de whisky; ela para fazer companhia a seu marido em uma viagem de trabalho. E, a príncipio, a única coisa que têm em comum, além da óbvia solidão compartilhada em encontros no bar do hotel em que estão hospedados, é a cidade.
Tóquio e sua infinitude de possibilidades contrasta com a solidão dos protagonistas, que apesar de acompanhados, sentem-se constantemente sozinhos. O tema "vazio na cidade grande", apesar de muito utilizado pela arte, é explorado de forma bela e sensível em Encontros e Desencontros. A cidade é retratada como os personagens principais a enxergam: exagerada, sem muito sentido. Coppola não se preocupou em explicar e dissecar a cultura oriental. Ela é entregue aos que assistem ao longa da mesma forma que Bob e Charlotte a vêem; com a impaciência de quem visita um lugar tão diferente sem um interesse genuíno. Como o título original propõe (Lost in Translation), as falhas de comunicação e as dificuldades de relacionamento que elas causam são o ponto central do filme.
As falhas de comunicação causam situações facilmente relacionáveis para quem já morou ou visitou algum lugar sem ter o conhecido da língua falada por lá. Algumas situações são sensíveis, delicadas. Outras são cômicas, como no momento em que Bob está gravando o comercial de whisky e não entende palavra alguma do que é dito pelo seu diretor. Quem assiste ao filme também se sente como Bob por alguns instantes, visto
que, propositalmente, não há legendas nessas situações cruciais.
Apesar de a solidão e a falta de interesse dos personagens principais ser notável, em certos momentos também existe a busca pelo Japão do imaginário, o Japão tradicional; porém Tóquio, altamente moderna e com bastante influência da cultura ocidental, nega isso a ambos. A diversão noturna que encontram é cheia de influências americanas, dos letreiros em neon às roupas e canções.
A metrópole agitada e ocidentalizada de um país como o Japão, conhecido por suas tradições (muitas vezes consideradas enigmáticas), é, enfim, o plano de fundo perfeito para a história de dois desconhecidos que dividem momentos e silêncios íntimos e encontram conforto na companhia um do outro, e que mesmo assim nunca deixam de ser, simplesmente, estranhos.
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Trinta dias de abacaxi, por Maria Cecília Shamá
Amores Expressos (1994) possui dois filmes em um. Ou melhor, quatro histórias, quatro formas de amar, quatro expirações, quatro pessoas diferentes em sua projeção e várias cidades e países configurando o mundo asiático e paralelo de Wong Kar-Wai. A primeira parte quase não possui ligação exata com a segunda, isso é claro, se você levar em conta o fato de que nada possui ligação direta na vida. Melhor dizendo: mesmo que pareça haver dois Amores Expressos em um, ainda fica a variável constante da efemeridade das paixões e existências expressas.
Assistir ao filme de Kar-Wai me remeteu à experiência de ler Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes; como se visse na minha frente a desconstrução do sujeito que ama, passível de ser deixado de lado pelos sentimentos dos outros e de sua própria volatilidade, batendo de frente ao caos urbano. Assim como Barthes projeta em sua literatura, a projeção fílmica presente fragmenta cada pedaço de história, fetiche, cor, sonhos californianos e coca-cola como se olhando através de um prisma que rebate tudo de volta. Pois as mesmas pessoas que lhe atraem são aquelas que lhe repelem, a cidade que convida aos prazeres é a mesma que pune e a câmera lenta dos ângulos do diretor que nos dão a particularidade da identificação generalizada de uma obra cinematográfica, nos aproxima e distancia no ato cinéfilo de coexistir através dos minutos de uma projeção cinematográfica. A cidade se constrói em nós, ao mesmo tempo em que permanece intacta. No hibridismo característico de Hong-Kong.
Na primeira parte do longa vemos o policial He Zhiwu (Takeshi Kaneshiro, de O Clã das Adagas Voadoras) percorrendo as ruas de sua cidade, ao mesmo tempo que narra sua história de amor. Ou o fracasso da mesma. Usando de puro fetichismo, vemos o policial submeter à longevidade de sua paixão ao número de trinta latas de abacaxi. Trinta dias. Um mês. Ela possui trinta dias para ser esquecida, para se comprovar que assim como a validade das latas, o amor também acaba de forma capitalista. O fetiche de medir o bem de consumo, numa espécie de fixação oral ao comer quantos abacaxis ele sequer agüenta mais, na necessidade de se comprometer em degustar o amor aos tropeços e o abacaxi à falta de estômago. Mercadoria por mercadoria, fetiche da mercadoria, fetiche do amor, a necessidade de criarmos paixões transitórias para preencher os dias, as validades, as temporalidades.
Não é a toa que He Zhiwu narra para nós seu fascínio pela mulher desconhecida, pois ela representa a possibilidade, tal como um novo empreendimento sentimental. O desconhecido atrai, numa figura feminina representada por uma peruca loura e óculos escuros. Claramente, Zhiwu nos diz em quanto tempo irá se apaixonar pela desconhecida. Sempre o tempo, e sempre a resolução de não se ficar sozinho. De não conseguir não manter um relacionamento, mesmo que de início puramente voyerístico com o outro. Nesse ponto a banalidade de sua profissão de policial entra em conflito com o trabalho exercido pela mulher de peruca loura (Brigitte Lin), traficante de drogas.
Mais um crescimento involuntário de Amores Expressos: o tráfico é retratado como caos social em segundo plano, pois o filme centraliza sua personagem como uma mulher cansada do que faz, rígida, como lhe é pedido profissionalmente, mas solitária por também ser humana. Vemos os produtos importados abarrotados que revende, os trabalhadores por ela explorados, as drogas que marginaliza a sociedade, o mundo do Tio Sam invadindo a exótica China, e mesmo assim; a cidade corpo vivo, cabeça pensante, inerente, em nós, aos hábitos, às profissões, aos comportamentos, à solidão. Impassível. Organismo vivo mutante.
Na parte seguinte ouvimos o tempo inteiro a canção California Dreamin' do The Mamas and the Papas grudando em nossa cabeça e na da atendente da lanchonete (Valerie Chow). Essa lanchonete também é ponto de encontro entre os dois policiais do filme, mas não entre si, e sim entre eles e o local.
O segundo policial do filme (Tony Leung , de Amor à Flor da Pele e Felizes Juntos) leva uma existência rotineira, comum, em analogia perfeita ao fast food em que come quase todos os dias. A coca-cola pisca quase como um néon oitentista naquele cenário cinza das ruas e colorido das lanchonetes e residências. Numa espécie de romantismo nostálgico, a garçonete muda a casa do policial aos poucos, e só quando ele a pega no flagra, é que se dá conta das mudanças territoriais e sentimentais dentro dele. Sua própria Amélie Poulain asiática, com o corte de cabelo excêntrico e o poder de salvar o tédio de seu dono impotente. E de repente, novamente, a possibilidade.
Pois quando a garçonete vira aeromoça e vive seu próprio sonho californiano, ao sabor do refrigerante ianque universal, os fragmentos amorosos se unem, assim como os seres atuantes. Não que não nos adaptemos à transitoriedade das pessoas, mas é com o amor que se vai que nos ressentimos. Os amores incertos não magoam por terem validade e sim por seu percurso errante. Lamentamos as relações possíveis que não saem do campo da ilusão, transgredindo a noção de realidade. Mesmo que enquanto expressos em amores, pessoas e fast food, os amores se tornam ambíguos e perpétuos em sua vulnerabilidade temporal. Expressos na Hong Kong de Wong Kar-wai e em nós. E aonde ele e seus personagens nos quiserem levar.
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O Picolino (Top Hat), por Houldine Nascimento e Silva
Baseado em uma peça teatral de Alexander Faragó e Aladar Laszlo, basicamente é uma história sobre um dançarino estadunidense, Jerry Travers (Fred Astaire), que é convidado por um empresário chamado Horace Hardwick (Edward Horton) para protagonizar um espetáculo em Londres. Durante a estadia na capital inglesa, Jerry conhece a bela Dale Tremont (Ginger Rogers). Ele está sapateando num quarto de hotel, logo acima do da Srta. Tremont, o que a incomoda. A dama sobe até o andar em que Travers está para reclamar do barulho. Esse encontro desperta o interesse dele, que não desistirá até conquistá-la.
Dale havia recebido um convite de Madge (Helen Broderick), esposa de Horace, para ir a Veneza. Por uma confusão que se dá quando Tremont pede informação a um funcionário do hotel, ela confunde Horace com Jerry, o que faz com que parta imediatamente para a cidade italiana, que será local de mais trapalhadas.
Este é o quarto de uma série de dez filmes em que a dupla Astaire/Rogers contracena. Dirigido por Mark Sandrich, é uma história divertida, bem narrada, apesar de algumas inverossimilhanças, como a tentativa frustrante de se reproduzir a cidade de Veneza (o que é perdoável pela época em que foi realizado). Alguns questionam “O Picolino” pelo fato de ter sido feito durante a Grande Depressão e não se referir a isso, o que é pura bobagem. A verdade é que se trata de um belíssimo musical, sendo, inclusive, referência no gênero.
A fita ainda chega a dialogar com a comédia maluca, gênero típico dos anos 30-40, quando, a partir de um equívoco, se desencadeiam situações engraçadas. Ademais, é sempre bom ver o mestre da dança Fred Astaire em um de seus melhores momentos, junto com a habitual parceira Ginger Rogers, ambos esbanjando elegância (é incrível como eles fazem tudo parecer fácil).
Repleto de apresentações memoráveis, como a seqüência no hipódromo, sob a chuva, em que o casal dança ao som de “Isn't This a Lovely Day?”. Ou então o número de “Cheek to Cheek” na Veneza do estúdio, composições do saudoso Irving Berlin. Há, ainda, a presença de figuras excêntricas e, portanto, engraçadas como o mordomo Bates (Eric Blore), o estilista italiano narcisista Alberto Beddini (Erik Rhodes) e Madge, a mulher cínica.
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Cidade Nua, por Thiago Rocha
O filme já se anuncia: vocês nunca viram uma história contada dessa forma. E provavelmente estava correto. Cidade Nua (The Naked City) de Jules Dassin apresenta uma narrativa incomum para o cinema praticado até o ano de 1948. Inclusive para os filmes noir, gênero ao qual o filme melhor se encaixa.
As imagens são apresentadas de forma quase documental, entremeadas por histórias de crimes, entre as quais está a que vamos acompanhar até o fim. O efeito que passa é de uma cidade em intenso movimento. Muito mais do que efeitos sonoros de sirenes de ambulâncias como nos filmes passados em Nova Iorque atualmente fazem, sentimos muito mais essa cidade em ebulição. O que as pessoas pensam ao parar numa vitrine e olhar as roupas expostas? Dentro da loja seguimos as pistas que nos levam ao assassino.
Quase tudo o que se diz de uma cidade grande está lá: para manter as aparências cinismo, mentiras, segredos. Pessoas cínicas, desesperadas, inocentes, maliciosas. Essas também são premissas do gênero.
Diferentes valores se defrontam. Com cinqüenta dólares o tenente da polícia sustentaria mulher e filhos. Seu assistente observa que ele pensa dessa forma porque foi criado do lado pobre da cidade. Cinqüenta dólares foi o que o investigado gastou numa noite. Nessa cidade as aparências enganam: são seis ou sete pessoas na cola de Niles? Niles é um ex-herói. Não, não é. Niles é um picareta. Não quer ser rebaixado socialmente e para manter as aparências envolve-se com roubos e jogos. Agora é suspeito pela morte de uma mulher.
A polícia chega ao escritório do suspeito e pede para a secretária chamá-lo. Ela se levanta se dirige à sala do patrão. O tenente pede para que ela o chame pelo telefone. Aí ela reclama: “não quero perder meu emprego!”. Em grande parte dos filmes policiais esse tipo de receio por parte de um personagem não existe. As pessoas simplesmente acatam a ordem da polícia sem muito questionamento. Ou então a empregada entra na sala, o cara foge e teríamos mais uma grande pirotecnia em perseguição no cinema.
O nível de realidade que cidade nua nos apresenta está para além dos filmes neo-realistas da época e também para as produções de indústria. Não é questão de comparar e dizer que uma é melhor que outra por que cumprem funções narrativas diferentes. Mas nesse filme, Jules Dassin fez algo que jamais foi adiante: investigar nos pormenores da fala, das conversas, das atitudes, dos valores uma cidade, algo que, de antemão, ele sabe impossível. Afinal, a história que acompanhamos é mais uma entre oito milhões de histórias.
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Bringing Up Comedy, por Maria Eduarda Fernandes de Melo Santos
Como outras indústrias, Hollywood foi atingida fortemente pela Grande Depressão, mas conseguiu se recuperar lentamente através de uma variedade de métodos. Com o preço médio de 27 centavos de dólar por ingresso, o cinema oferecia uma maneira relativamente barata de se tirar férias da realidade. O público se deliciava com as fantasias espetaculares da alta sociedade, e com uma maneira de viver que eles nunca conheceriam de perto. Os personagens das screwball comedies podiam ser malucos e inconsequentes, enquanto o americano comum não podia. Mas, por uma hora ou duas, todos podiam fingir que eram Cary Grant ou Katharine Hepburn.
Esses filmes funcionavam como uma válvula de escape; um campo de batalha seguro onde se podia explorar temas sérios, como o conflito de classes, de uma maneira cômica. Mas, apesar da leve conotação social, talvez a maior marca da screwball comedy seja as situações beirando o ridículo, como acontece em “Levada da Breca” (Bringing Up Baby, 1938), onde um casal deve tomar conta de um leopardo importado do Brasil.
A história envolve Cary Grant no papel do paleontologista David Huxley, que busca uma doação de um milhão de dólares para o seu museu, e as situações inusitadas pelas quais passa após conhecer a excêntrica Susan Vance, interpretada por Katharine Hepburn. No maior estilo screwball comedy possível, também inclui um osso de dinossauro enterrado por um cachorro, dois leopardos, brincadeiras com azeitonas, prisões injustas e inúmeras performances da música I Can’t Give You Anything But Love.
Durante todo o filme, Grant e Hepburn executam uma estranha e engraçada dança ao redor um do outro, ao mesmo tempo em que presenteiam o público com um dos melhores diálogos de comédia já escritos. Sozinho, o personagem de Grant é desajeitado e controlado pela noiva, sua colega de trabalho. E sem ele, a personagem de Hepburn é simplesmente insana. Mas junta-se os dois, os personagens parecem se transformar, e a química é evidente. Mesmo com direção e roteiro incríveis, se Grant e Hepburn não tivessem imediatamente se estabelecido como duas pessoas tão frustradas uma com a outra que não conseguem ver que foram feitos um pro outro, o filme provavelmente não seria tão envolvente. O filme, além de ser uma comédia, é também uma história de amor da qual o público aprende a gostar no desenrolar dos acontecimentos.
Para este personagem, Grant decidiu abandonar todo o carisma e charme que geralmente traz em suas comédias românticas, em troca de um par de óculos e um jeito nerd. A personagem de Hepburn, embora por vezes destrambelhada, é cheia de vida, e após perceber que o ama, faz de tudo para ajudar Grant a recuperar um osso de dinossauro que é a peça final de um grande projeto dele.
Na ainda conservadora sociedade de 1938, uma única fala do filme causou grande polêmica: na cena onde a tia de Susan, Mrs. Random (também a possível doadora de um milhão de dólares para o museu de David), chega em casa e encontra David vestido com um robe feminino, pertencente a Susan, pergunta porque ele está vestindo aquela roupa. David pula e responde “Because I just went gay all of a sudden!”. Na época, a palavra gay era utilizada apenas por homossexuais, entre si; a maior parte da sociedade a usava para adjetivar coisas e pessoas alegres . A fala, que não estava no roteiro original, foi improvisada por Grant. Apesar de não haver confirmação disto, estima-se que essa tenha sido a primeira vez que o adjetivo tenha sido usado em um filme, como referência ao homossexualismo.
O legado deste filme, o segundo de quatro que Cary Grant e Katharine Hepburn fizeram juntos, é tão grande que em 1959, mais de 20 anos após seu lançamento, ainda continuava a influenciar atores e diretores. No clássico “Quanto Mais Quente Melhor”, considerado uma ‘screwball comedy atrasada’, Tony Curtis baseou sua atuação como o milionário que finge ser para seduzir Sugar (Marilyn Monroe), no personagem de Cary Grant em Levada da Breca.
Embora bastante apreciado hoje, e na posição de número 92 na lista dos 100 melhores filmes do American Film Institute, na época de seu lançamento, Levada da Breca foi um fracasso de crítica e público. Um crítico da época, Frank S. Nugent, publicou no New York Times uma resenha que dizia que o filme seria “aturável apenas para alguém que nunca viu um filme antes”.
Ao final do filme, a noiva de David Huxley, ao saber que ele havia sido preso, pergunta, assustada “Oh, David, o que você fez?”. Grant, resumindo em apenas uma fala o conceito de screwball comedy, responde calmamente “Pense em qualquer coisa, e eu já fiz”.
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“TAXI DRIVER”, MARTIN SCORSESE (1976), por Moema França
“A solidão é uma constante na minha vida. Nos bares, nos carros, nas ruas, nas lojas, em toda parte. Não há saída. Sou um homem só.” Assim Travis Bickle, protagonista interpretado por Robert De Niro, se define em Taxi Driver, e acaba por definir uma geração inteira dos anos 70 em uma Nova York violenta. Travis é um homem de 26 anos que sofre de insônia e está cansado da solidão, e decide trabalhar numa frota de taxi. É um cara comum que pode ser um célula revolucionária. Travis, na verdade, é a síntese de todas as pessoas que pensam na sujeira da cidade, e na limpeza dessa cidade.
O filme começa com a imagem dos bueiros de Nova York enevoados pela fumaça branca familiar, com as ruas movimentadas percorridas pelos taxis amarelos, cartões postais da cidade. É nesse aspecto que Taxi Driver vai se consolidando, sincronizando todo o ambiente solitário com o personagem, fazendo um sentir o outro, confundindo o homem e a cidade. Besty, interpretada por Cybil Sheperd, é uma das mulheres que marcam a vida de Bickle. Vestida de branco, é a personificação da cidade enquanto virtude, e representa a pureza que Nova York não tem para o protagonista. Besty é também uma de suas frustrações, pois depois de observá-la constantemente no comitê do candidato a prefeito da cidade e ter usado a desculpa de querer apoiá-lo nas eleições, vão juntos ao cinema por uma primeira e única vez: Travis é tão desacostumado com contatos sociais que a leva a um filme pornô. Depois de alguns dias, Betsy continua fugindo do chofer, até que o Bickle vai ao comitê e é ameaçado para não entrar mais lá. “Agora sei que ela é igual ao resto, fria e distante. Há muita gente assim. Principalmente mulheres. Elas se entendem” pensa ao sair, depois de o encanto pela loira ter desaparecido. Fazendo uma ligação, é o mesmo que acontece com a cidade naquele momento. Para o protagonista, a esperança de que as coisas poderiam melhorar acabou, pelo menos naquele momento. O caos não tem mais jeito, a frieza não tem mais jeito, a solidão não tem mais jeito, e a cidade em que vive não tem mais jeito.
São comuns os diálogos entre os taxistas da frota, os quais Travis procura não tomar parte. Outro ponto importante é o valor que a sonoplastia deu aos sons da cidade, constante em todas as cenas do filme, porém muito memorável na cena mais famosa do filme, a que Robert de Niro, em um dos seus grandes momentos do cinema, conversa consigo mesmo na frente do espelho.
A outra mulher que marca a vida de Bickle é, na verdade, uma prostituta de 12 anos, Iris, interpretada por Jodie Foster, e é a personificação da cidade enquanto vício. O chofer fica obcecado por salvá-la desse mundo de drogas, sexo, e baixaria. É depois disso que o filme dá uma guinada: Travis, depois de conversar com outros taxistas e inclusive com um passageiro que sugere matar sua própria mulher, decide comprar uma arma. A arma foi apenas o início da sua mudança de vida. É como se ele percebesse que antes de “limpar a cidade” ele deveria limpar a si mesmo, se reorganizar, como diz o pôster em seu quarto.
É assim que Travis Bickle tenta mudar o mundo e fazer justiça com as próprias mãos, muitas vezes literalmente, como quando mata um assaltante no mercado que frequenta. Com claras influências noir, Taxi Driver é repleto de “improvisos ensaiados”, diálogos poéticos, apesar de poucos, e de efeitos de luz que parecem agravar a sensação de solidão e escuridão da cidade. Com uma música-tema composta por Bernard Herrmann, o filme segura a plateia que torce pelo taxista mesmo sabendo que ele tem ideias ruins em sua cabeça.
O ápice do longa é o heroísmo de Travis. Ele salva Iris, e metaforicamente salva a cidade do vício, do nojo. Isso remete a um poema de Drummond, “A flor e a náusea”:
“Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
Andrade, Carlos Drummond de - Antologia Poética.
Travis fez uma pequena revolução, assim como a flor feia de Drummond. São com pequenas revoluções que a cidade se constrói, e se destrói também. Mesmo o grande feitio do protagonista tendo sido criminoso ou condenável, ele salvou sua “cidade”, a pequena Iris. Mesmo cruel, ainda assim é uma pequena mudança. Mesmo feia, ainda assim era uma flor.
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No Silêncio da Noite (1950), por Victor Ryan Borges
No Silêncio da Noite (1950) de Nicholas Ray é o que podemos chamar de um filme atípico.Apesar de ser considerado por alguns um filme de drama ele é um Noir que mistura diversas características dos dois gêneros se é que podem ser assim chamados criando um resultado inusitado.
O cínico personagem interpretado por Humphrey Borgart é em si um primeiro grande diferencial do filme. Conhecido pelo nome de Dixon Steele, ele é um roteirista de Hollywood sofrendo writer’s block, é paranóico e tem sérios problemas de temperamento. Já em sua ocupação vemos que este Noir não segue a “regra” máxima do gênero onde o personagem principal é um investigador privado ou da polícia.
Logo na primeira cena do filme vemos Dixon tentando arrumar confusão com um desconhecido no transito, já assim mostrando ao público como ele é. A história então começa a se desenvolver a partir daí. Ele segue para um encontro com seu agente e um diretor onde então lhe oferecem a oportunidade de adaptar um livro. Como o mesmo precisa trabalhar ele aceita sem pensar muito e pede a ajuda de Mildred Atkinson, uma secretária que estava no mesmo local que ele para lhe contar a história do livro porque ele está com preguiça de ler. Dixon a leva para sua casa claramente com outras intenções, que apesar de tudo acabam sendo abandonadas depois que a mulher conta a história do livro fazendo com que ele fique cada vez mais impaciente e indisposto.
Outro ponto importante é que logo quando Dixon chega com Mildred ele esbarra em Laurel sua vizinha e a tensão sexual que existe entre os dois é clara. Sua atenção esta muito mais voltada para a sacada de Laurel do que para Mildred enquanto a mesma conta a horrível história que ele se comprometeu em adaptar.
Ele então lhe dá o dinheiro para um taxi e Laurel vê os dois se despedindo. Na manhã seguinte Dixon é informado que a jovem foi assassinada e ele é o principal suspeito. Apesar de tudo isso Dixon não consegue conter seu cinismo e frieza deixando assim o
chefe de policia ainda mais desconfiado da sua inocência.
Os policiais chamam Laurel, para depor e ela conta tudo que viu, inocentando assim Dixon. Laurel não é o que pode ser chamada de femme fatale original, ela está mais para o papel de anjo salvador para Dixon, apesar de tudo ela conta com uma personalidade forte e é extremamente decidida. Dixon fica apaixonado e acaba engatando um relacionamento com ela e tudo parece ir às mil maravilhas. O bloqueio criativo desaparece, assim como as brigas sem sentido. Laurel se torna sua musa e salvadora, tomando conta de tudo na vida dele, desde datilografar as páginas do roteiro a preparar o café da manhã. Ela também alimenta grandes sentimentos pelo menos dizendo diversas vezes que o ama e não tem dúvidas quando a inocência dele.
Claro que este cenário não iria durar muito. Laurel é então chamada mais à delegacia. Ela fica nervosa por desconfiarem de Dixon e a sombra da dúvida começa a ser crescer em sua mente, o clima de paranóia tão presente nos filme Noir desde período então começa a ficar cada vez mais evidente.
Chega o momento então que Dixon estoura de fúria devido a um comentário da mulher de seu amigo e sai vagando pela noite, retornando as suas origens em busca de confusão. Ele acaba espantando um jovem motorista da na estrada, chegando muito perto de cometer um assassinato. Este comportamento errático faz com que Laurel acabe certificando-se de que ele é um assassino. Ela então decide fugir, mas é tarde demais, Dixon acaba então lhe propondo em casamento.
No que toca ao final do filme, em terminado momento Dixon acaba tornando-se ainda mais violento, a ponto de se tornar um perigo para aqueles em volta dele. No clímax das revelações ele acaba chegando muito perto de assassinar Laurel para só então ser inocentando por uma ligação telefônica.
Entretanto é tarde demais, este é um final trágico, sombrio. Mostra a todo mundo que o amor não supera todas as adversidades, que quando a sombra da dúvida é plantada o mesmo pode acabar não florescendo.
Essa, segundo dizem, era uma visão de mundo do próprio Nicholas Ray, um homem que vivia no meio de tudo isso, da jogatina, drogas, álcoo e femme fatales, em suma um homem que vivia afundado no próprio universo que ele expunha nas telas de cinema. Também se especula que o temperamento do Dixon era inspirado no do próprio Ray que sempre estava envolvido em brigas com estúdios e pessoas da indústria.
O filme não toca no tema da Cidade como personagem, onde existem vícios e perigos a cada esquina, pelo menos não de forma clássica. É possível que o espectador assista No Silêncio da Noite e nem note algumas locações que fazem parte do estilo L.A, como a delegacia, praia ou o conjunto de apartamentos em que vivem os protagonistas, apesar de todos esses elementos estarem bem presentes em filmes do gênero. O que é mais interessante para Ray é mostrar como agiam alguns personagem da Hollywood daquela época, com agentes, atores fracassados e roteiristas a beira de um ataque de nervos por não conseguirem mais trabalhar no pós Segunda Guerra Mundial. É um filme muito mais movido pelos seus personagens e dramas pessoais do que maquinações de plot muito comuns na maioria dos outros Noir.
Também é necessária uma menção ao título original do filme, “In a Lonely Place”, que não apenas é dita numa frase em determinado momento do filme, mas é também em si uma afirmação sentimental de onde se encontra o personagem de Bogart no decorrer de sua vida e ao final de seu breve amor.
Após todo este panorama é possível afirmar que mesmo não sendo um Noir tradicional, No Silêncio da Noite acabou ainda assim tornando-se um dos filmes de maior referencia para o gênero e pro seu diretor.
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Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s), por Eduardo O. Henriques de Araújo
Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, 1961) inicia com uma cena pacata: um plano amplo da 5ª avenida, ao raiar do dia, põe em fusão o cinza do céu nublado com o do asfalto e das construções da cidade “Capital do Mundo”. O trabalho do diretor Blake Edwards narra a relação inusitada entre Holly Golyghtly (Audrey Hepburn), uma prostituta, com o romancista amador Paul “Fred” Varjak (George Peppard). O filme é uma adaptação do romance homônimo de Truman Capote, cujo roteiro foi elaborado por ele e George Axelrod.
O silêncio, a melancolia e a pouca atitude cromática da cena inicial são transportados para um contraste estabelecido pela aproximação de um táxi amarelo – símbolo de Nova York e da necessidade de se desbravar diariamente as imensidões dessa cidade - e, em seguida, pela chegada da personagem Holly à vitrine da Tiffany’s com suas jóias brilhantes e seus veludos coloridos. Essas contraposições vêm por construir a dualidade nova-iorquina: tanto fria e viciosa quanto reluzente e deslumbrante.
Holly é uma garota que recebe 50,00 dólares para "entrar no banheiro" de senhores distintos da alta sociedade nova-iorquina. Com uma visão por vezes pueril e ingênua, ela busca viver da melhor forma que pode sonhando em casar-se com um milionário e obter uma vida de diva das colunas sociais. Em meio aos grandes monumentos de fascínio da cidade atrelados a esse sonho, é a joalheria, que nomeia tanto a obra literária quanto a cinematográfica, o grande objeto de desejo da personagem. A Tiffany’s atua como uma espécie de personagem, haja vista a sua manifestação no imaginário da jovem interpretada por Hepburn, assim como por sua imanente atuação no desenvolvimento da trama. A loja explicita o vício urbano do consumo enquanto meio de satisfação dos anseios (quiçá carências) pessoais. Neste fascínio consumista trazido na obra, vêm imbricadas as ditaduras da moda e dos sinalizadores de status social. É exatamente esse universo de aparências que conduz a personagem Holly ao longo do filme. Holly é uma solitária prostituta que almeja mudar sua condição de vida por meio de um casamento no Upper Est Side de Manhattan. Enquanto tal sonho não se realiza, ela produz uma atmosfera de devaneios que amenizam as insatisfações de sua realidade em uma busca pela sensação de felicidade – mesmo artificial.
Quando o escritor amador Paul Varjak aparece, inicia-se uma amizade e uma paixão que contrariam a ambição de Holly de enriquecer. Ele, a quem ela insiste chamar por “Fred”, é bancado por uma socialite, de quem é amante. De início, “Fred” tem dificuldades em compreender o mundo paralelo de Holly - sua vizinha. As questões morais do roteiro, emprestadas do romance original, trazem à baila múltiplas formas de se prostituir o corpo e o intelecto. Assim como a jovem interpretada por Audrey prostitui-se corporeamente em finas festas do High Society, Paul retribui com favores sexuais os incentivos à sua atividade literária – prostituindo seu conhecimento. A experiência dela é confrontada com a inocência do escritor no que cerne às realidades da vida, mas é a pureza da jovem o que se sobressai à visão corrupta das atitudes de Paul. Noutras palavras, tem-se abordada a prostituição das relações sociais e a cidade como o seu fomento e o terreno: o dar para receber em troca.
Moon River, tema do filme, é interpretada por Hepburn em uma das cenas mais belas do filme – quando Paul compreende a essência pura e sonhadora de Holly que apenas deseja uma vida mais bonita de se viver. A canção conclama um mundo melhor, uma vida mais plena que, todavia, encontra-se distante, além de um rio largo, o qual ela espera algum dia poder atravessar. Chegar à outra margem e adentrar a realidade sonhada por Holly implica negar-se à paixão que sente por seu vizinho e perpetuar a sua prostituição em relações sociais rentáveis. Para Paul essa travessia pode significar seu amor por Holly ou a sua ascensão editorial. É a cidade como palco da luta do homem com sua essência e suas ambições. Em que esquina reside a felicidade?
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M – O VAMPIRO DE DÜSSELDORF (1931), por Thiago José Moreira Lins
Roteiro impecável, narrativa afiada, visual muito bem trabalhado e efeitos sonoros simples, porém pertinentes e usados de maneira espetacular, mesmo para a década de 1930. Estas qualidades poderiam ser suficientes para descrever M – O Vampiro de Düsseldorf, obra-prima do célebre diretor austríaco Fritz Lang, e a primeira película a fazer uso do som na sua filmografia. A ideia da concepção deste filme teve como base um caso verídico acontecido na própria Alemanha, o do assassino de crianças Peter Kürten, que durante a década de 1920 cometeu cerca de 10 crimes na cidade alemã de Düsseldorf. Fica clara a inspiração logo no começo do filme, onde diversas crianças estão numa roda, brincando e cantarolando: “um, dois, um dois, e vem o homem com a machadinha cortar sua carne em pedacinhos”, para horror da mãe de uma delas. Tamanho é o uso de elementos da corrente expressionista alemã, que possui como principais expoentes os filmes do Dr. Mabuse e Metrópolis (também dirigidos por Lang), Nosferatu e A Última Gargalhada (de F. W. Murnau), e o Gabinete do Doutor Caligari (de Robert Wiene), apenas para citar alguns. O uso exarcebado do chiaroscuro (contraste violento entre luz e sombra, aliás, a sombra é usada nos primeiros trechos do filme, para imprimir o suspense sobre a verdadeira identidade do assassino), aliado ao uso inteligente dos efeitos sonoros (vale observar que, mesmo para os anos 1930, era algo bastante inovador, mesmo não tendo trilha de fundo, nem a captação de efeitos sonoros do ambiente, apenas dos diálogos), como por exemplo o assovio, uma das marcas registradas do assassino Hans Beckert (interpretado magistralmente pelo também austríaco Peter Lorre), para imprimir uma certa carga de suspense à trama. Este assovio foi tirado de Peer Gynt, Suíte I, Op. 46, composta pelo norueguês Edward Grieg. A película tem início com o desaparecimento de Elsie Beckmann (Inge Landgut), mais uma das vítimas de Beckert, e como o serial killer consegue se desvencilhar da polícia, mas não do restante das organizações criminosas, que conseguem ser ainda mais engenhosas e eficientes que a própria polícia (para a época, algo inusitado). Detalhe interessante foi o modo como os criminosos tomaram conhecimento do assassino, reconhecido por um vendedor de balões cego por conta de seu assovio, e posteriormente um dos integrantes da organização marca casaco de Beckert com um M escrito a giz (mörder, que é a tradução para assassino, que aliás é que dá origem ao nome do filme), bem como o “julgamento” destes vários criminosos, antes mesmo da lei julgá-lo de fato. Outra cena marcante é o monólogo de Beckert diante de seus algozes criminosos, onde ele diz que simplesmente não consegue deixar de cometer os crimes, que algo mais forte o motiva a tal. Tal monólogo é mostrado de uma forma a qual o espectador não consegue sentir asco ou revolta de Beckert, como outros serial killers abordados atualmente, mas sim pena, dada a situação em que ele se encontra, prestes a ser executado sumariamente. O filme, apenas por esta cena, é uma verdadeira aula de como abordar as várias facetas da personalidade humana.
Embora não tenha o apuro visual e técnico de Metrópolis (1929), outra grande obra-prima sua, Fritz Lang preveu, embora que sutilmente, todas as consequências desastrosas advindas do regime nazista para o resto do mundo. Vale lembrar também que o filme foi proibido na Alemanha pelo Partido Nazista em 1933. Fritz Lang e Peter Lorre, que eram judeus, acabaram por deixar a Alemanha e se mudaram para Hollywood. Lang acabou fazendo outros filmes marcantes nos EUA, como Os Corruptos, clássico noir de 1953. Lorre mais tarde atuaria em clássicos norte-americanos como O Falcão Maltês, do diretor John Huston, baseado na obra do escritor Dashiell Hammett. Mas mesmo assim não conseguiu superar todo o legado trazido por M. Juntamente com Metrópolis, é uma obra mais do que necessária para entender a mente de Lang e o seu modus operandi por trás das câmeras. Mesmo após oito décadas de sua realização, sua obra continua um verdadeiro marco atemporal, além de incrivelmente verossímil no que diz respeito a este distúrbio do comportamento humano.
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Para onde vão os deuses? Por Wesley Prado
Sunset Boulevard. Podia ser apenas mais um endereço em Hollywood, uma estrada infestada por mansões de ricaços da indústria cinematográfica. Um lugar idílico, tranquilo demais para se viver do mais puro ócio que a riqueza excessiva pode proporcionar. Mas Billy Wilder decidiu que seria uma perfeita cena de crime. Tanto que já abre seu majestoso “Crepúsculo dos Deuses” com um cadáver boiando na piscina.
Curiosamente, o cadáver é o protagonista do filme, que oscila graciosamente entre o noir charmoso e o melodrama rasgado. Nosso herói é Joe Gillis (William Holden), um roteirista esforçado, porém sem sucesso, e que nos narra o imenso flashback dos fatos que levaram a sua morte, como manda um bom noir. O pobre homem, cujas dívidas o levam a artimanhas desesperadas, recorre a todas as possibilidades que conhece para postergar o fracasso definitivo. Depois de muito vai e vem, ele se vê fugindo da policia em plena Sunset Boulevard. Até que um pequeno acidente com o pneu do seu carro o introduz a uma parte do mundo que o tempo esqueceu.
Aqui, Hollywood começa a ser cindida em territórios opostos. De um lado, a lógica do novo cinema, sonorizado e colorido, moderno, com estúdios grandiosos que começam a despertar como gigantes capitalistas a engolir talentos, o progresso inevitável do caráter urbano. Do outro, uma mansão decadente, “uma casa velha como a velha de Grandes Esperanças”, símbolo de um poder enferrujado e barroco, pertencente a uma estrela apagada do cinema mudo.
Eu disse apagada? Não, não senhor, que Norma Desmond não me ouça, ela ficaria furiosa! Outrora uma diva do cinema, Norma (Gloria Swanson) vive um triste e solitário fim de carreira, porém sem perder a aura de grande estrela, contando apenas com o apoio de Max (Erich Von Stroheim), seu fiel mordomo e protetor. Naquela mansão desolada, com a piscina já cheia de ratos, é que nosso herói esfarrapado irá encontrar a solução para seus problemas financeiros.
Gillis vê a oportunidade única de usar seus talentos como escritor e tirar o pé da lama, numa só tacada. Norma, pretendendo voltar aos holofotes, o contrata para reescrever um roteiro seu, um projeto que ela vem escrevendo há anos e onde ela fará o papel principal. Para executar tal tarefa, ela convence Gillis a morar em sua mansão. Daí em diante, Norma leva nosso herói literalmente no bolso. Sua liberdade acaba no exato momento em que “assina” o pacto com o diabo. Aliás, mais certo seria vampira ou fantasma. Norma guarda o resquício sobrenatural das criaturas amaldiçoadas, presas a uma vida passada que não oferece nenhum futuro. Doente de si mesma – sua casa é repleta de quadros de quando era (realmente) famosa – Norma vive de interpretar a si própria, num reprisado momento de sucesso.
É em Norma que os elementos do melodrama mais se constituem, graças à atuação propositadamente exagerada de Gloria Swanson. As expressões marcadas demais e o gestual antinatural são celebrações à estética do cinema mudo, onde os atores interpretavam caricaturalmente, já que o público precisava entender o que se passava na tela sem uma única troca verbal. Quando está feliz, Norma exulta em cena, pura soberba. Quando triste, se afoga em lágrimas e pedidos de perdão inimagináveis. “Grite comigo, me bata, mas não me odeie”, ela chega a dizer para Gillis, num momento crucial da trama.
Quanto a Gillis, o contraponto noir, ele é um herói controverso. Foge inclusive do estereótipo do detetive, tão caro ao gênero. Apesar de guardar características do noir, como o cinismo e o sex appeal, Gillis está mais para o malandro, se aproveitando da loucura de sua “mecenas”. É curioso ver como Wilder constrói sua narrativa através de personagens tão “cinzentos”, onde os limites do certo e errado não caem bem para nenhum deles. Nem mesmo a coadjuvante Betty Schaefer (Nancy Olson) escapa, uma profissional de bastidor que se apaixona por Gillis ao longo da trama, estando noiva de um ator que é grande amigo do roteirista.
Retomando a personagem de Norma, ela é apenas um dos detalhes de outra forte característica desta obra-prima de Billy Wilder: a metalinguagem crítica do cinema. A todo o momento somos lembrados que o filme se passa em Hollywood, a Meca do cinema, mesmo que poucas vezes se faça uso desse distrito de Los Angeles como cenário. Talvez uma estratégia compulsória, já que Hollywood, diferentemente de New York, Paris, Londres e Rio de Janeiro, não tem uma marca visual representativa, algo que nos traga à memória só de olhar (exceto pelo famoso letreiro branco em Mount Lee, que por pressão popular, escapou de ser demolido pela especulação imobiliária). Hollywood está lá nas mansões caras e aristocráticas, nos estúdios da Paramount, nos cenários falsos dos filmes. A urbanicidade de Hollywood é rara e indistinta, restando a ideia (ilusória?) de que todos na cidade são “gente de cinema”, e portanto a própria cidade é um enorme cenário a se realizar apenas nas películas.
A metalinguagem de “Crepúsculo dos Deuses” é tão forte que até figuras tradicionais do cinema na época aparecem interpretando a si mesmos, como o diretor Cecil B. DeMille e o ator Buster Keaton. Porém, Wilder usa da metalinguagem não apenas para um cinema do “como fazer”, mas para criticar a crueldade industrial que já naqueles tempos afetava este campo artístico. Muitas estrelas do cinema mudo, assim como Norma, foram esquecidas na era seguinte, tornando-se apenas páginas na história. Páginas respeitáveis, mas que não tiveram o gran finale digno. A cena que melhor ilustra esse olhar da indústria cinematográfica sobre si mesma é a que Norma visita um dos estúdios da Paramount para ter uma conversa com DeMille. Enquanto está sentada numa cadeira, esperando, um holofote é colocado sobre ela. Como mágica, os atores e técnicos presentes no local percebem que estão diante de uma lenda vida de seu tempo e de sua arte. Correm ao seu encontro, para idolatrá-la, o reconhecimento tácito de sua contribuição para o cinema. Mas tirada a luz, o encanto se acaba, os admiradores retornam aos seus afazeres. A deusa perdeu sua divindade. Restou uma pobre mortal, iludida, descartada pela arte que tanto ama.
Numa trama onde há espaço para o melodrama e o noir conviverem em certa harmonia, com grandes toques metalinguísticos, podemos dizer que Wilder dirigiu muito bem seu filme. “Crepúsculo dos Deuses” é uma obra inteligente e marcante, do tipo que faz falta no cinema contemporâneo mais comercial. Ao mesmo tempo em que homenageia o passado da Sétima Arte, critica sem medo os rumos do novo cinema que se operava no pós-guerra. Seu desfecho é no mínimo perturbador, onde uma Norma arrasada mentalmente desce as escadas, vivendo um simulacro de seu trabalho. Agradecendo a presença de todos, inclusive aos espectadores do filme, se referindo a aqueles que estão no “escuro da sala” ao apontar para nós, Norma se aproxima da câmera. E nesse close up, ela se esvai, indo de encontro ao seu crepúsculo derradeiro. Mas para onde vão os deuses após seu crepúsculo? Para dentro de nós, viver eternamente em nosso imaginário, como lembranças de uma era mitológica.
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"Gilda", por Jéssica Fantin
Diante da atuação de Rita Hayworth em Gilda, é compreensível que o filme seja um dos mais eróticos da história cinematográfica. Produzido pela Columbia Pictures em 1946, representa como poucos a “femme fatale” e até mesmo o roteiro, reconstruído diariamente por Marion Parsonnet e Jo Eisinger, possui uma atmosfera de sensualidade pungente através das frases criativas de duplo sentido. O clássico do cinema noir, dirigido por Charles Vidor, além da figura de Gilda, apresenta outros aspectos interessantes e típicos do “gênero”, como a temática dos crimes e a ambientação noturna das cidades.
“Se o seu marido fuma, não arrume briga pelo simples fato de cair cinzas no tapete, tenha cinzeiros espalhados por toda casa."
(Jornal das Moças, 1957). Tendo em vista que a submissão feminina, citada na publicação, era comum ainda no final dos anos 50, não há palavras para o impacto que “Gilda” causou em 1946. A imagem da mulher que posava para fotos fazendo assado no fogão novo (american way of life), não era nada semelhante à sua representação cinematográfica poderosa, manipuladora e extremamente sensual. A representação vista no filme contrapõe-se a uma visão sobre o sexo feminino vigente desde o início do século XX. Nesse contexto, a cena em que a personagem Gilda canta “Put the blame on mame” fazendo um strip-tease de luvas (segundo Freud, acessório que simboliza o desejo sexual) e o tapa que dá em Johnny Farrell (Glenn Ford) após uma briga, são exemplos da extrema ousadia que consagrou o filme.
Os elementos que identificam os “films noir” são tão distintos que não cabe uma análise meticulosa sobre o assunto. Diante da coletânea diversificada, no entanto, há uma base de classificação, certas semelhanças que “encaixam” o filme nesse movimento cinematográfico. Tal modelo é visto na trama extremamente instigante de “Gilda”, composta por alguns assassinatos no cassino de Buenos Aires e em certa obsessão masculina pela mulher. Outros pontos significativos do estilo noir no filme, são as narrações em “off” por Johnny Farrell, o já citado estopim da “femme fatale” e a evidente presença de sombras durante algumas cenas.
É interessante observar a relação entre a atmosfera visual e o enredo no filme. Por exemplo, a presença de sombras atrás de Johnny na cena em que é abordado pelo assaltante, após ganhar no jogo, e na passagem em que Ballin Mundson (George Macready) observa os lucros do cofre, remete à temática da trama, principalmente à ilegalidade do dinheiro que circula nos cassinos. Além de presente nos trechos citados, a sombra surge encobrindo completamente Ballin no momento em que percebe a “traição” de Johnny e Gilda, outra referência a um tema presente no filme.
Vale ressaltar a admirável fotografia realizada por Rudolph Maté, e o maravilhoso figurino idealizado por Jean-Louis (o vestido preto da interpretação “Put the blame on Mame” é lendário). Ainda assim, o maior destaque de “Gilda” dentre os pontos citados, é a maneira refinada com que se aborda a sensualidade feminina. A essência da mulher fatal que guia a narrativa é vista em diversos filmes posteriores, como: A dama de Shangai (1948), também com Rita Hayworth, As diabólicas (1954) e até mesmo o recente clássico Instinto Selvagem (1992).
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"Blow Up", por Gustavo Massud
Blow Up é um filme de Michelangelo Antonioni, baseado num conto Júlio Cortazar. A história retrata a vida do fotógrafo Thomas, que tem sua rotina mudada ao fotografar inesperadamente, ao que parece, um homem morto em um parque. A partir daí, começa sua busca para provar o que viu. O que torna a obra de Antonioni tão peculiar, é que a dúvida paira não só sobre quem assiste a história, mas também para o próprio fotógrafo. A câmera capta o que os olhos não conseguem ver. É um princípio fotográfico básico e é sobre ele em que o filme se sustenta.
Dada esta introdução, focaremos no aspecto do retrato urbano de Blow Up. A Londres de vanguarda em colisão com a Londres tradicional. Esse é um tema que permeia todo o longa-metragem. Estabelecendo de maneira primorosa a relação entre desenvolvimento urbano e cultural.
Na cena inicial, onde um grupo de jovens de cara pintada (artistas circenses?), roda impetuosamente em um carro, é estabelecida a ambientação do filme. Uma Londres que vivia a efervescência do rock’n roll, transformada numa Meca para os jovens nos anos 60 e prestes a quebrar tabus dentro de uma sociedade culturalmente rígida. Em contraposição, os operários frios e aparentemente amargos saídos da indústria são mostrados. O conflito de posturas é claro, até nos depararmos com o fotógrafo e protagonista do filme, Thomas. Ele é a visão externa dessa Londres em ebulição e ao mesmo tempo congelada. Por transitar nos dois mundos e ambos serem objetos de seu trabalho como artista, ele o faz de maneira horas instigantes e, se posso assim dizer, por horas desleixada.
A cidade é um canteiro de obras. Prédios sendo erguidos aos montes. Demonstrando o desenvolvimento de uma Londres, que num passado recente se via destruída pela Segunda Guerra Mundial. Os subúrbios fazem parte dessa nova Londres. E o olhar do fotógrafo não deixa escapar nada. Inclusive, ao fotografar imagens de um casal que discute ele é repreendido pela dama, Jane. Posteriormente, entregando um rolo de filme em branco ele engana Jane, fazendo-a pensar que este é o rolo que contém as suas fotografias.
Thomas, em certo momento discute com uma moça no rádio do carro, ao afirmar, em tom de reprovação: “Vão edificar toda essa área? Tem gays com poodles passeando pelas ruas”. Uma referência ao crescimento imobiliário de Londres e a liberdade sexual que já era experimentada na época. Londres não é mais a mesma. E o fotógrafo já não se satisfaz. Ao conversar com o editor de seu livro de fotografias num restaurante, ele confidencia o desejo de sair de Londres. Segundo ele: “(Londres) não está ao meu gosto”. Parece que todo o controle que ele tem sobre suas modelos ele também deseja ter em sua vida. A cidade agora representa um perigo ao seu estilo de vida. As fotos de seu livro são marcadas pela violência de uma cidade que guarda marcas do passado inquietante, se urbaniza incessantemente e está prestes a se tornar num centro globalizado.
Ao voltar pra casa, Thomas já não encontra suas fotografias, nem sua câmera. Tudo foi roubado e ele decide buscar ajuda. Durante a busca de Thomas pela verdade sobre o que viu, conhecemos a cidade em suas entranhas. A festa num clube onde os aclamados Jimmy Page e Jeff Beck se apresentam com a sua banda, The Yardbirds. A banda dita o clima de virtuosismo presente na época em Londres. Eram jovens que nasceram em no pós-guerra e tudo o que tinha sido feito antes deveria ser abandonado. Guitarras sendo quebradas no palco, músicas com letras mais agressivas, essa era a Londres de vanguarda.
Logo após, Thomas passa pela casa do editor de seu livro, onde as aventuras com as drogas são estimuladas ao máximo. E mesmo diante daquela situação, Thomas está completamente perturbado pelo que viu (ou acha que viu). O exemplo interessante sobre a futura globalização é da numa cena onde Thomas indaga a modelo com quem trabalhou recentemente o porquê dela não estar em Paris, como lhe disse que iria anteriormente. Ao que a modelo responde: “Eu estou em Paris”. Onde entendemos que Londres não é mais uma só cidade, ela é uma metrópole de várias cidades em uma só. Mantendo-se alheio ao que lhe cerca, o interesse de Thomas é simplesmente provar o fato.
Londres, desde o começo parece não ter interesse nenhum pra ele. Mesmo com todas as coisas acontecendo ao seu redor, ele queria outra coisa que não era aquela. Ao final, quando ele finalmente volta ao parque e não encontra o corpo que achou ter visto, fica confuso. O que teria acontecido? Ao olhar para a quadra de tênis, os mesmos artistas do início do filme estão simulando jogar tênis. Ele olha aquilo, o que lhe ajuda a entender um pouco pelo que passou.
Thomas precisava de uma coisa que lhe instigasse em Londres. Um motivo que lhe fizesse correr atrás de algo. O que ele viu, na verdade, foi simplesmente o que quis ver. O seu fascínio não estava na cidade em si. Londres não era mais a sua cidade, ela estava se transformando. E ele procurou ver outra coisa, que não fosse essa Londres que, agora, tanto desprezava.
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"Sangue de pantera", por Lucas Freire Rafael
Quando você vai ao cinema ou locadora e encontra a classificação “Film Noir”, no mínimo você espera encontrar no filme alguns traços estilísticos e narrativos normalmente encontrados no gênero. Um deles, e bem possível, o mais famoso é a presença da personagem conhecida como Femme Fatale. Pois então, depois de assistir alguns filmes do gênero, ocasionalmente ou não, senti um pouco a falta da Femme Fatale que imaginava está presentes nesses filmes. Eis então que surge a oportunidade de assistir Cat People (1942) ou se preferir Sangue de Pantera, e então pude falar com todas as letras “agora sim, uma digníssima mulher fatal”.
O filme, dirigido por Jacques Tourneur, narra a triste história de Irena, uma moça solitária oriunda da Sérvia que trabalha e reside em Nova York. Sua aparente solidão é mantida como um mistério até parte do filme. Esse mistério passa a se dissolver quando ela conhece e, cenas depois, se casa com Oliver. O motivo para tanto mistério então é revelado: Irena teme que ela descenda de uma linhagem de moças de seu país que foram marcadas por uma terrível maldição. Esta praga lançada sobe essas mulheres faz com que, quando abaladas emocionalmente, irritadas ou até excitadas sexualmente, se transformem em uma pantera. Pantera esta que ataca ferozmente ou indivíduo que a irritou ou a pessoa que a excitou. Sucinto, não?
E porque então a Irena, seria uma exemplar Femme Fatale? Um tanto óbvio, correto? Todas as outras mulheres fatais que vi em outros filmes, pouco tinham de cruéis, brutais ou nesse caso, literalmente fatais. Irena, por sua vez, também se enquadra noutro patamar: ela inicia a trama como uma protagonista e no decorrer da história, se torna a antagonista. Obviamente a razão quase sempre é a mesma, o amor! O marido dela, Oliver, começa a se apaixonar por outra moça e da metade em diante do filme, os esses dois se tornam os “heróis” perseguidos pela agora, vilã-pantera.
Além dessa inversão de papéis no filme, Jacques Tourneur inicia um dialogo entre dois gêneros, o Film Noir e o horror/suspense, o qual repeteria noutras obras futuras. As poucas cenas exteriores vislumbram uma cidade deserta e bastante escura (tipicamente Film Noir). E em uma delas, a que Alice (a mais nova companheira de Oliver) é supostamente perseguida por algo ou alguém numa rua quase sem fim, apenas pontuada por postes que pouco iluminam, retrata fielmente uma digna cena de suspense/horrror.
Irena, como pantera, passa então a atormentar os novos protagonistas da história e transformam todo o clima pseudo-alegre do início, em um filme de perseguição sombria. Mesmo como antagonista, a personagem de Irena transparece algo que, pelo menos a mim, encantou. Talvez o sua triste maldição, ou talvez sua torturante causa (a perda de um grande amor) faça com que sua brutalidade e seu instinto assassino sejam esquecidos e faça com que o ali enxergado sejam apenas o infortúnio destino de Irena, o de nunca puder amar alguém. Eis então, o triste fim da pantera.
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Joy Division, por Renan Brito.
Em 2007, o diretor inglês Grant Gee, que já havia realizado um documentário sobre Radiohead, fez Joy Division, e tentou resgatar a história de uma banda que se mitificou com a morte do vocalista e líder do grupo Ian Curtis. Partindo do pressuposto de que toda manifestação artística faz parte de um contexto histórico, Grant Gee investigou o cenário musical da época, assim como o momento histórico da cidade de onde surgiu o grupo. No início do filme, o comentário de Tony Wilson, produtor da banda, corrobora:
“Eu não vejo isso como a história de um grupo pop. Vejo isto como a história de uma cidade que uma vez foi brilhante, audaz e revolucionária.”
A Manchester, cidade natal da banda Joy Division, na década de 1970 perecia às ruínas de uma cultura industrial engendrada por ter sido berço da Revolução Industrial. Sua decadência, caracterizada pelo fechamento de indústrias, pelo desemprego, foi o palco para o surgimento de um cenário musical conhecido por bandas como The Smiths, Buzzcocks, Morrisey, além de Joy Division. Angela Prysthon, citando Giacomo Bottà, em artigo sobre música e sensibilidades culturais (termo emprestado de Celeste Olalquiaga), fala sobre a influência da música popular sobre a cidade. Giacomo usa termos como paisagens textuais, sonoras e visuais (tradução minha) para identificar na música aspectos particulares do local onde é produzida. Em Joy Division, principalmente no segundo álbum, Closer, os ruídos industriais, o som acústico e reverberado, como se tocassem dentro de um galpão, entre outros sons não-musicais, são exemplos de como a música se constrói também como uma paisagem. Giacomo entende essa manifestação como paisagem sonora. O uso de nas letras de referências a lugares formariam a paisagem textual. A paisagem visual, na música, seria o uso dos elementos visuais que se referem a um lugar em particular.
Afinal, como produto que se perpetua no tempo, a música carregará essa paisagem e transformará o imaginário da cidade. Se Joy Division surgiu a partir das ruínas, do tédio, da melancolia, mas também dos clubes que promoviam shows, do movimento musical e juvenil da época etc, também podemos afirmar que Joy Division reinventou essa imagem e a fez reverberar através da História. Durante o documentário, alguém comenta sobre como a paisagem urbana e o momento histórico de Manchester estavam impregnados nas letras e no som das músicas. Os ruídos já comentados, o som muito reverberado, tudo isso por trás da melodia e das letras melancólicas de Ian Curtis promove no imaginário não só o efeito musical, mas também visual, uma experiência estética.
O documentário, então, se afunila em seu processo investigativo: ao contextualizar, falar da cidade, passa a falar do cenário musical, depois sobre a banda Joy Division para, finalmente, encontrar seu centro em Ian Curtis. Uma certa aura rodeia o já mitificado Ian Curtis, e persiste nos depoimentos dos entrevistados, de todos os que o conheceram. Nesse sentido, Grant Gee não pretende desvendar o mistério por trás do gênio, mas deixar perpetuar seu mito no nosso imaginário, talvez por acreditar que sua imagem seja um reflexo da Manchester esgotada das décadas de 1970 e 1980.
Referência:
PRYSTHON, Angela. "Cidades e música: Sensibilidades culturais urbanas." In: Angela Prysthon; Paulo Cunha Filho. (Org.). ECOS URBANOS. A cidade e suas articulações midiáticas. 1 ed. Porto Alegre: Sulina, 2008, v. 1, p. 185-199.
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"My Fair Lady", por Evan Diniz
Um misto de flores e cores, beleza e elegância, charme e poder. Essas são as impressões que podemos absorver, enquanto somos apresentados a sociedade burguesa londrina do início do século XX de Minha Bela Dama (My Fair Lady). Apesar das flores não serem protagonistas do filme, sua natureza delicada e multicor reflete na construção da Londres do filme e de toda a mise en scène, dando não só o aspecto visual, como também participa na síntese de valores, reflexões desse lugar onde a história se passa. Como pode ser observado no momento em que várias pessoas da burguesia estão no Covent Garden após uma festa. Em plano geral, vemos o ambiente acinzentado e neblinado típico da urbanização moderna contrastando com o colorido das roupas da alta sociedade e dos frutos, verduras e flores dos vendedores pobres. O lugar possui uma textura realista, desde a preocupação com a réplica de estúdio, como a ambientação que remete a todo um conjunto de imagens da atmosfera urbana pesada, viciosa, obscura e perigosa. Mas, que é invadida pelos personagens e pelos objetos de cena que se posicionam em profunda organização estilística.
No filme temos vários conceitos entrelaçados sobre a cidade retratada pelo filme. Eliza é uma pobre vendedora de flores que descobre uma chance para mudar de vida: aprender a falar bem seu idioma. Desse modo ela estaria apta a se tornar uma dama e saltar de sua classe social. A busca pelo aprendizado de Eliza nos remete ao primeiro momento da visão da cidade como um lugar do saber, de progresso e de ascensão social. Essa sabedoria se concentra na sociedade rica que se mantém intocada, suprema e que “with a little bit o’ luck”, Eliza consegue penetrar. Esse saber é como um sonho da classe pobre de Londres que mesmo retratada sem o molde realista, possui a motivação essencial de atingir a burguesia. É importante também poder diferenciar e definir o tipo de saber o qual motiva a personagem principal, e que torna Eliza uma dama.
Totalmente diferente do conhecimento circunstancial o qual é refletido pelo Sr. DooLittle (pai de Eliza) e da Sra. Pearce. Alfred P. DooLittle é um miserável que sabe como viver na cidade grande e como burlar as aflições que vivem os pobres doe Londres, ele em seu claro objetivismo possui o saber necessário de sobrevivência sem as grandes motivações. Não chega a atuar bem como um flanner daquela Londres, mas através dele emana o vício pela cidade, o reflexo do segundo momento que viveu a cidade moderna. Esses apontamentos são desenvolvidos principalmente na cena onde o Sr. Doolittle é expulso de um bar por querer beber sem pagar. Os amigos mencionam sobre trabalhar para ganhar dinheiro, mas o Sr. Doolittle recusa e demonstra cantando que prefere ter sorte para desfrutar das oportunidades sem ter que trabalhar como os outros. A performance é realizada no meio da rua que possui uma construção. Os personagens dançam e cantam em meio à obra, areia, canos e etc. Essa cena é uma das mais explicitas no sentido de promover a proposta de contextualização da modernidade.
Essa cidade que estava em constante evolução e renovação, cheia de oportunidades, mas também do desejo de consumismo para desfrutar da própria cidade, do trabalho como uma forma de ganhar dinheiro que se torna cíclica e viciosa, como por exemplo: trabalhar para beber. Isso adiciona novamente a textura realista que também é retratada no Covent Garden, porém totalmente embalada pelo artificialismo da produção.
Eliza se hospeda na casa do Professor Henry Higgins, um ambiente totalmente diferente do subúrbio londrino que ela morava. O Sr. Higgins é áspero, insensível e se preocupa muito mais sua aposta de ensinar Eliza do que com a própria Eliza, essa relação lembra um pouco a relação da sociedade e cidade. Higgins é para Eliza o que a cidade é para a classe pobre. Nele está concentrada a sabedoria, esperança e o sucesso, porém Higgins não se preocupa com Eliza do modo que a cidade, a burguesia não se preocupa com a população trabalhadora sendo eles (Eliza e seus semelhantes) objetos de uso para satisfação e progresso próprio. De qualquer modo a sociedade rica não é vilã do filme, do modo que a sociedade pobre não é vitimada, são partes integrantes que dão suporte a história principal. Os conflitos sociais aprofundados não são abordados de algum modo na narrativa e essas extrações que foram apresentadas foram pensadas de modo mais aprofundado. Mas em algumas cenas o discurso de sociedade vai ser visualizado claramente, como a cena do primeiro teste de Eliza como uma dama na corrida de cavalos. No lugar as pessoas vestem roupas monocromáticas, num ambiente de pura monotonia, mais especificamente retratada quando as pessoas observam a passagem dos cavalos. Na música entoada, aquele momento parece ser muito excitante e emocionante, porém vemos expressões e gestos apáticos, abrindo o discurso para pensarmos na burguesia como sociedade indiferente a diversos aspectos da vida ao seu redor, principalmente por estarem em um patamar onde a cidade icônica perde parte de sua majestade diante do poder individual da própria riqueza das pessoas. Eles já estão fundidos a todo iconicismo da representação da cidade, sendo eles mesmos e os
diferentes títulos entre a burguesia, pedaços do que seria a excelência principal.
O grande teste de Eliza é conseguir se passar por uma nobre no baile da embaixada, lá estarão as pessoas mais poderosas da sociedade. Seguindo os conceitos elaborados, pode-se dizer que esse baile reúne os mais poderosos ícones da alta sociedade moderna de Londres, então ao se passar por um deles Eliza está chegando ao ápice das plataformas de poder, se fundindo então com a majestosa representação de cidade.
Chegando nesse estágio ela prova que também é parte integrante dela e que ao invés de ser sucumbida, sucumbe ao seu redor, tornando-se assim indiferente ao passado miserável e todos os problemas de busca e vício enfrentados pela classe pobre. Então, quando Eliza volta a Convent Garden ninguém a reconhece, a identificam, ela sente falta e nostalgia de seu tempo de busca. Eliza escolhe, portanto, viver com Higgins que a tratava como Londres a tratava antigamente, mas dessa vez como uma dama, mas não como um nobre indiferente e sim como uma representação de força e superação, a mesma que tinha quando precisou superar a cidade. Minha Bela Dama é um maravilhoso exemplo de um musical repleto de artifícios e constantes utopias, porém sua pouca textura realística dá grande espaço para refletir sobre a vida moderna urbana.
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"Os assassinos", de Robert Siodmak, por João Vitor de Macêdo Pascoal
O filme se desenvolve principalmente em torno de Jim Reardon que trabalha em uma seguradora, e é designado para encontrar a beneficiária deixada por Pete Lund , um pugilista aposentado conhecido pelo apelido de sueco, morto por dois homens na cidade de Brentwood. Apesar de ser assassinado no início do filme, Lund é essencial para o desenvolvimento da obra já que retorna em diversas cenas que mostram as lembranças de outros personagens. Mas tudo isso por conta de Reardon que mesmo após encontrar a beneficiária deixada pelo sueco não dá seu trabalho por acabado e tenta descobrir a razão do assassinato de Lund.
Nessa busca ele se encontra com o tenente Lubinsky que é de grande ajuda para solucionar o caso, e também com a sedutora Kitty pela qual o sueco era apaixonado, ao ponto de assumir um crime cometido por ela e passar três anos na cadeia. Após a saída da cadeia, o sueco comete outro crime, um roubo a uma fábrica de chapéus, atraído novamente por Kitty, que era esposa do mentor do roubo, um homem chamado Colfax. Após o roubo houve muita discórdia entre os membros da gangue por conta da partilha do dinheiro roubado, e Colfax começa a “apagar” os seus comparsas.
O sueco então vai morar em Brentwood, na tentativa de começar uma nova vida, mas tempos depois do roubo, Lund que trabalhava no posto de gasolina, recebe um cliente indesejado: Colfax. Esse é o fato que gera o assassinato do sueco, Colfax fica com medo de que Lund o denuncie para alguém.
The Killers aborda bastante as emoções dos personagens, Lund por exemplo, demonstrava estar cansado da vida, já que tentou se matar no hotel, e esperou resignado pelos seus assassinos, ainda assim era um homem de bom coração, pois assumiu um crime cometido por Kitty, e deixou um seguro para a arrumadeira do hotel que o impediu de cometer suicídio. Já Kitty usava de sua beleza para convencer as pessoas a fazer aquilo que desejava, e demonstra sua falta de caráter na última cena do filme, quando diante do marido quase morto tem como única preocupação que este antes de falecer diga aos detetives que ela é inocente nos crimes cometidos. Também merecem destaque o tenente Lubinsky, responsável pela prisão de Lund mesmo sendo este um amigo de infância, a ganância de Colfax que tenta eliminar os comparsas para ficar com todo o dinheiro, e a coragem de Jim Reardon, principal responsável pela solução do crime.
Com características clássicas do cinema noir, como o assassinato, a mulher fatal e o uso constante de flashbacks, “The Killers “ é um filme muito bom, que prende a atenção de quem o assiste. Feito na década de 40, não possuía tecnologia para “mascarar” uma obra ruim, por essa razão ganham destaque as atuações de seus atores e o seu enredo. Com diálogos e trilha sonora cativantes é uma das principais obras do diretor Robert Siodmak.
HOLLYWOOD LEARNS HOW TO TALK, por Pethrus Tibúrcio Cavalcanti da Silva
Em 28 de dezembro de 1895, os irmãos Lumière fizeram a primeira exibição pública de uma produção a partir de um cinematógrafo. Um dos 10 filmes que eles exibiram naquele dia era o Arrivée d’um train en gare à La Ciotat (A chegada do trem à Estação Ciotat), que mostra não mais do que sugere o título. A reação das pessoas foi correr.
Assim como em 1895, quase 40 anos depois, as pessoas ainda reagem com surpresa e ceticismo às grandes revoluções, inclusive tecnológicas. E é no meio de uma revolução que Cantando na Chuva se passa: quando Hollywood aprende a falar.
Numa época em que o cinema mudo já não atendia às necessidades do público, Gene Kelly e Jean Hagen formam o casal de cinema mais famoso da época: Don Lockwood e Lina Lamont. O filme explicita em Don a vida do artista da década de 20, saltimbanqueando de teatro em teatro, fazendo os mais criativos números de screwball comedy, e ganhando pouco no meio de uma crise econômica.
“Se viu um, já viu todos!” era o pensamento de muitos e citado no filme por Kathy Selden, a personagem de Debbie Reynolds. O filme mostra, sutilmente, os erros de produção do cinema da época e, com um toque de humor, mostra como havia uma dicotomia entre a expressão corporal e a conexão mental na atuação do cinema mudo, no brilhante momento em que Don expressa seu ódio à Lina durante a gravação de uma cena romântica.
Quando a Warner Bros choca a sociedade com O Cantor de Jazz, exibindo o primeiro filme – e musical – falado da história, a Monumental Pictures percebe que estava atrasada e seus maiores astros deixam de atuar em “O cavaleiro Duelante” e passam a ser personagens de “O Cavaleiro Dançante”. Ficou óbvio, depois de um tempo, que a seleção dos atores e roteiristas precisaria ser mais refinada. A então maior estrela da Monumental não sabia dançar, cantar ou sequer possuía uma voz digna de cinema. É onde entra Kathy Selden, com sua voz digna de Broadway e seu sapateado impecável.
Produto de um projeto sem grandes ambições, o filme foi uma espécie de greatest hits dos dois maiores compositores da MGM na era dos musicais: Arthur Freed e Nacio Herb Brown. Com um incontável número de canções de sucesso, veio a ideia de juntar as mais marcantes e, então, entregaram nas mãos dos roteiristas Betty Comden e Adolph Green que não quiseram as canções em números musicais elaborados e deram um conceito mais simplista e realista ao filme.
Ocupando o 1º lugar na Lista dos Maiores Musicais Americanos (AFI/2006), a verdade é que nenhum outro filme conseguiu se estabilizar na linha tênue entre a comédia e a emoção tão bem quanto Cantando na Chuva. No mesmo tempo que o filme exalta a necessidade do “Make ‘Em Laugh” – que era o ganha-pão dos artistas, principalmente de teatro, da época – ele toca o coração com “You were meant for me” e, principalmente, “Singing in the Rain”.
My Fair Lady, por Maria Eduarda Tavares de Lyra Menezes
Inspirados na adaptação feita por George Bernard Shaw de “Pigmaleão”, mito grego no qual um escultor se apaixona pela sua obra, Alan Jay Lerner e Frederick Fritz Loewe combinaram música com diálogos espirituosos e deram origem a “ My Fair Lady”, um dos maiores musicais da história do teatro. Com estréia no Mark Hellinger Theatre em 1956, a peça despertou interesse da Warner Bros, que comprou os direitos de filmagem por 5,5 milhões de dólares.
Com figurino de Cecil Beaton, trilha de A. Previn, direção de George Cukor e contando com Audrey Hepburn, Rex Harrison e Stanley Holloway no elenco, “My Fair Lady” foi vencedor de 8 oscars e teve recorde de vendas de entradas. O filme encanta os olhos com os magníficos figurinos e as excelentes interpretações. Cukor, famoso como diretor de mulheres, ajudou Audrey a se superar em seu poder de atuação, o que fica explícito nas cenas na qual a personagem se veste como uma verdadeira dama e encanta a todos. As roupas utilizadas pelas damas da corte inglesa são de grande destaque no filme, todos os chapéus, vestidos, casacos e jóias são magníficos e foram desenhados pelo próprio Beaton, expressando toda a classe e o ar romântico da época. As músicas são de belíssima composição e adequação com os sentimentos das personagens, o que faz de “My Fair Lady” um musical tão conhecido e premiado.
A história se passa em Londres, onde a pobre jovem Eliza Doolittle (Audrey Hepburn), vendedora de flores do Covent Garden, encontra o Sr. Higgins, professor de linguística que acredita na tese de as pessoas serem julgadas pelo modo como falam. Após apostar que é capaz de transformar a pobre jovem em uma verdadeira dama e ensiná-la a pronunciar um inglês perfeito, o Professor Higgins leva Eliza para a sua casa e a passa diversos exercícios de fonética. Ao tentar fazer as pronúncias do modo correto, Eliza pratica os exercícios passados pelo professor e é aqui onde se encontram as cenas mais cômicas do filme.
Com o convívio que os dois possuem durante a história, surge uma expectativa do provável romance entre o professor e sua aluna. Porém, não se demonstra explicitamente o amor entre as personagens; este fica subentendido no comportamento do professor quando Eliza foge de casa e nas músicas cantadas por ambos durante a trama. Alan Jay Lerner afirma ter tido dificuldade em escrever uma música sobre os sentimentos do Prof Higgins por Eliza, pois teria que escrever uma música de amor que não fosse uma música de amor. O resultado obtido foi a canção “I’ve grown accustomed to her face” que explicita muito bem o amor escondido que o Professor possuía pela Senhorita Doolittle.
O filme é como um conto de fadas. A personagem principal passa por uma transformação bem ao nível do clássico “Cinderela”, entrando em contato pela primeira vez com a alta sociedade inglesa. Além da excelente trilha sonora que expressa perfeitamente os sentimentos das personagens, o filme possui uma atmosfera romântica, e, com um figurino repleto de vestidos e jóias lindíssimas, faz com que o público queira participar da sua história e é por isso que fez tanto sucesso.
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