segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"A single man", por Rosana Alcantara


A single man, filme de 2009, baseado no romance homonimo de 1964, é uma história cruamente de amor e nostalgia. Durante apenas um dia temos acesso ao momento presente assim como a importantes recortes do passado de George Falconer, o personagem principal, um professor ainda fortemente abalado pelo trágico falecimento de Jim, seu companheiro durante 16 anos, morto em um acidente de carro.

No Brasil, o título perdeu um tanto de sua identidade além de ter deixado a desejar no que concerne à mensagem inicial e imediata que acaba por ser passada por meio deste, que em português virou ‘Direito de amar’, empobrecendo um tanto a idéia apresentada com a palavra ‘single’ que abre a possibilidade de diferentes interpretações. Servindo para descrever o personagem central, sofrido pela morte do amado (Um homem só). E por que não ser utilizado também nos momentos de redescoberta e renovação de esperanças quanto à vida sentimental (Um homem solteiro)?

Desde o despertar, depois de um sonho mórbido – em que aparece deitando-se no chão e beijando os lábios de Jim, morto e tão estático quanto toda a paisagem congelada pelo frio e pela neve - até o fim da jornada do professor, nos deparamos com inúmeras sensações e sentimentos que algumas vezes se confundem, outras vezes se opõem. Logo no início ele deixa claro o quanto mesmo depois de 8 meses, continua sendo difícil acordar e encarar a perda. O que pode-se perceber também por sua feição, quase sempre apática. Outro ponto notório do filme, que reflete o modo como o professor tem visto o mundo após a lastimável separação que viveu, são os tons de cinza que, literalmente, encobrem a maior parte dos seus dias. As lembranças são claramente mais coloridas, dividindo os tons mais fortes com presente somente em momentos em que o protagonista tem contato com alguém que de algum modo o cativa, como acontece no encontro com a pequena filha de sua vizinha Susan; com Carlos, o espanhol desconhecido com quem se depara acidentalmente na loja de bebidas; com Charley, sua antiga amiga e affair; e por último, com Kenny, o aluno por quem se encanta e com quem vive uma aproximação adulta e ao mesmo tempo pura. Kenny consegue, com sua persistência e interesse em conhecer melhor o professor, despertar o mesmo interesse, o que se passa breve mas profundamente por meio de conversas abertas e francas sobre drogas e medo, ou até pelo pouco contato físico que tem quando Kenny ajuda George e faz um curativo em sua testa. Há outros momentos do seu dia em que o colorido preenche novamente sua visão. O contato com pequenas coisas que o comovem trazem isso. Por exemplo, quando vê, em um estacionamento, um cachorro parecido com um dos seus, que faleceram no mesmo acidente de carro que levou seu Jim. E novamente as cores se fortificam com um toque na flor plantada na entrada da casa de Charley. Sutilezas que ainda resgatam o sopro de vida que George acredita ter se perdido no momento em que Jim morreu.

Em toda a obra sabemos das emoções e da situação do protagonista mas ao mesmo tempo há algo que mantem o distanciamento entre os espectadores e os personagens. Inexiste a ocasião no filme em que vejamos uma cena de sexo, ou uma briga séria, e até o choro de desespero de Falconer, ao saber que não poderá ir nem ao enterro de seu parceiro, não pode ser escutado, encoberto pelo som da chuva, impedindo que se crie uma completa intimidade da parte de quem assiste. Quando há algum impulso instintivo, como quando ele briga com sua emprega pelo pão congelado, isso se segue de algo que apazigue, neste caso, o beijo que ele dá na mulher logo em seguida. Ou também como na ocasião da discussão entre ele e Charley falando sobre o passado, logo na sequencia os dois se reconciliam. Há quase sempre uma calma incomum, pairando no ar, junto com os sentimentos por viver. Pode-se deduzir que essa calma advem principalmente da postura tomada por George, que depois de meses encarando a vida com dificuldade percebe que é inutil tentar voltar a enfrenta-la sem seu companheiro, já que não era possível resgatar o que um dia foi vivido por eles e lhes deu felicidade.

A morte foi o determinante que o impedira de recuperar o que antes lhe satisfazia e, por isso mesmo, ele a escolheu como saída ou simplesmente como resolução para o sofrimento que vinha lhe angustiando. Só o que não esperava é que seus planos fossem ser interrompidos definitivamente por seu aluno, que o fez repensar e perceber que talvez mesmo tanta nostalgia e amargura não fossem o suficiente para desistir de tentar mais uma vez. Era o que Falconer pretendia fazer quando guardou a arma e com seu mundo – novamente – colorido refletiu sobre estar exatamente onde deveria estar. Só que, ironicamente, mais uma vez a vida mudou seus planos. Aliviado das dores da alma, foi traído por uma dor fatal no coração que, sem que ele precisasse sujar suas próprias mãos, o levou ao encontro de Jim.

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