segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"Nostalgia e melancolia em alguns videoclipes", por Vinícius Gouveia


A nostalgia não está no objeto, está no sujeito que a enxerga através de ligações e sobreposições subjetivas. Temos a nostalgia como uma atribuição ativa, é de nós que ela parte, como defende Linda Hutcheon, “nostalgia is not something you “perceive” in a object; it is what you “feel” when two different temporal moments, past and present, come together for you and, often, carry considerable emotional weight”. Assim sendo, a nostalgia e melancolia interpretadas aqui são frutos de uma pesquisa guiada não apenas por leituras, mas também por fruições. Os videoclipes listados abaixo foram selecionados por fazerem parte de uma cultura de massa, a que comumente é vista na MTV e lojas que vendem desde roupas e instrumentos musicais a cadernos e chicletes. Não há por que basear este trabalho nas letras das músicas se utilizamos videoclipes, elas praticamente nem são levadas em consideração. Caso assim não fosse, dispensaríamos a parcela imagética e trataríamos apenas do som. O que interessa é a construção visual que, por acaso ou deliberadamente, dialogam com reflexões de caráter nostálgico ou melancólico.
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Helena, My Chemical Romance. Hit internacional, o videoclipe acompanha o protagonista enquanto ele vela sua amada, Helena, na igreja até o momento que o caixão dela é posto no carro funerário. Com um certo apelo à melancolia de mercado, sucesso durante a onda emocore, o protagonista chora pela morte de sua amada, o que tornou a união dos dois impossível. Ele acredita que aquele amor seria pleno se ela estivesse viva, mas a reciprocidade de Helena é desconhecida. Como aponta Agamben, utilizando as palavras de Freud, “...o sujeito se esquiva da realidade e se apega ao objeto perdido graças a uma psicose alucinatória do desejo”. O interminável lamento do protagonista é de fato melancólico, ele desenvolveu um fetiche, talvez mais na ideia do amor do que na garota, mas a algo ele se apegou. O caminho do desejo dele é cortado... E mesmo assim ele deseja ainda mais. O protagonista sente falta de algo que não existiu necessariamente – o amor correspondido de Helena... Mesmo assim, deseja tê-lo de volta. Deve ser por isso que tanto chora. Ele quer abraçar esse amor representado em Helena, mas não é possível. E o desejo do melancólico é guiado pela premissa de “só pode ser possuído se estiver perdido para sempre”. No clipe, embora óbvio, a morte seria o ponto final desse desejo, que, para o soturno rapaz, não cessou. O videoclipe se torna uma hipérbole do sentimento melancólico, que ainda hoje é vendido como algo cool. Coloquemos os excessos da representação de lado. No final das contas, o videoclipe Helena ainda é melancólico.
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Material Girl, Madonna. Numa referência clara ao número de Marilyn Monroe, Diamons Are A Girl’s Best Friend, Madonna construiu uma das músicas mais icônicas de sua carreira. Cada uma em seu momento, as duas platinadas saúdam o interesse feminino sobre os homens, de quem só querem dinheiro, jóias e futilidades. Há uma nostalgia graças ao resgate por parte do videoclipe.  Mas é uma nostalgia preocupada em acrescentar algo. Aquele momento histórico-social era outro, embora ainda inserido na cultura de massa, e Madonna utilizou o número feito por Marilyn para fortalecer a figura feminina. Essa foi uma forma de refletir o presente à luz do passado, sem cair numa Nostalgia Restauradora. (Até porque que nostalgia grupos minoritários podem ter em seus históricos marcados por opressões?) Pelo contrário, Madonna é responsável por uma Nostalgia Reflexiva por trazer lapsos e traços do passado à tona, mas não todo ele. Ela utiliza esse passado para engendrar o futuro. Ela saúda a independência feminina e torna os homens objetos, assim como as mulheres foram antes, em um projeto muito maior, que marcou seu início de carreira. O pastiche está presente à medida que Madonna recicla, num misto de crítica e afeto, Marilyn. O “démodé” e “ultrapassado” ganha ares contemporâneos novamente. E, ainda hoje, o estilo e as músicas das duas são reutilizados em filmes e em outros materiais audiovisuais.
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Time to Pretend, MGMT. Uma viagem psicodélica, com menções ao cristianismo e às comunidades tribais que primeiro habitaram o planeta. Com forte apelo visual, MGMT também lançou uma modinha, calcada numa retomada à psicodelia e hedonismo hippies ladeados por uma afinidade com a tecnologia – em músicas, em videoclipes, no nosso dia-a-dia. Mais um caso de Nostalgia Reflexiva, Time to Pretend se preocupa em retomar o que acha interessante do passado para tentar criar algo novo (visualmente e através do discurso). Dessa forma, ele alia uma aparência nostálgica (mas não um simulacro) ao passo que mantém uma criticidade contemporânea. Um antídoto para a teleologia, o videoclipe tem críticas explícitas ao culto do progresso capitalista, os personagens queimam dinheiro e se inserem numa espécie de comunidade tribal, renegando a sociedade contemporânea. A nostalgia é utilizada para criticar o presente a partir do passado – aqui idealizado como algo “libertador”. Este passado é convocado graças à insatisfação com o presente. Evoca-se o que já passou a fim de trazer o que ele tem de bom – no caso, uma ideologia hippie para construir uma melhor sociedade. Entretanto, diferente de outros casos, não vemos neste videoclipe uma idealização cega, seja na utopia do futuro ou na nostalgia do passado. Nota-se a articulação de temporalidades para gerar um melhor status quo, numa crítica jovem, porém ainda ingênua.
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Not Fair, Lily Allen. Num programa de auditório perdido no tempo, Lily Allen aparece para cantar com sua banda. Com uma estética retrô, o videoclipe gerou comentários positivos para a cantora, elogiada por trazer de volta um estilo cada vez mais esquecido. Ponto. Deixemos de lado o discurso da letra da música, que aqui pouco interessa. O videoclipe não passa de um simulacro de programas antigos e tem seu mérito de revival, como quem traz de volta aquela “velha modinha”. Sua estética tenta emular a matriz e a narrativa não avança um passo. Talvez Linda Hutcheon comentasse uma ironia entre o dito (letra da música) com o não dito (momento histórico-social onde o clipe parece se passar), mas se nos restringirmos à imagem, essa ironia também não existe. E, se falamos de Nostalgia, o videoclipe não passa de uma Nostalgia Restauradora que nada traz além de uma tentativa de lançar uma nova onda e torná-la outra mercadoria. Não que outros videoclipes aqui apontados não o façam, pelo contrário, videoclipes são mais uma forma de vender o cantor e suas músicas. Todos acabam por idealizar algo e fazer o espectador achar que viveu alguma coisa, ou tentar criar afinidade com o tema proposto. Mas, convenhamos, os outros trabalhos aqui listados mostraram propor algo mais que este. Não temos uma sobreposição de presente e passado de maneira crítica sem o auxílio da letra da música, tornando o videoclipe um mero retorno à determinada estética. Enquanto discurso visual, o videoclipe se mostra tão relevante quanto um almanaque de 1900 e alguma coisa.
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Remedy, Little Boots. O vocalista canta e dança enquanto toca teclado. Este é o clipe de I Just Can’t Get Enough, de Depeche Mode. Remedy, de Little Boots, segue o mesmo escopo. Também sem uma narrativa, este clipe traz uma nostalgia sínica, oferecendo ao espectador algum frescor do passado, mas sem nenhum mergulho. A estética e a ordem dos planos são muito parecidos, mas Little Boots prefere ter uma semelhança superficial com seus referenciais imagéticos e sonoros para manter sua aura contemporânea e “moderninha”. Afinal, usar uma caneta tinteiro pode ser cool, mas ainda é necessário mostrar que você tem um computador para escrever. Assim, Remedy é construído visualmente ostentando uma referência marcante, Depeche Mode, mas não larga seus utensílios e maneirismos tecnológicos próprios do século XXI. Ora, o que vemos é uma Nostalgia forçada, com pouco envolvimento emocional e nenhuma tentativa de esconder isso.
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Cool, Gwen Stefani.  Relembrar até o esgotamento é um exercício para exorcizar o passado e seguir adiante.  Mas o processo de tentar esquecer pode tornar-se uma triste atividade de rememoração. Assim, em Cool, Gwen Stefani recebe seu ex-namorado, acompanhado de sua noiva, e o ex-casal sofre do mesmo mal: a Nostalgia de relembrar o tempo que viveu junto, mas sem explicitar isso ao outro. A Nostalgia é forte nos cenários, objetos e figurinos, todos com ares retrô. Indo além, ela grita no ir e vir das temporalidades. Passado e presente são confrontados e o espectador fica na dúvida: há um sentimento restaurador ou reflexivo? A protagonista e seu ex-namorado lembram de bons momentos e trocam olhares, como se quisessem esconder algum carinho pelo outro que ainda resta e é proibido ser alimentado ou revivido. Ao mesmo tempo, eles mantém um sentimento por aquele passado, mas sabem que o tempo deles estarem juntos já acabou. É comum ao Nostálgico repensar as diversas opções e potencialidades de ações que teve na vida. Pensar, pensar de novo, repensar. Os protagonistas parecem estar dentro dessa atividade, se perguntando por que não deram certo, como teriam funcionado juntos por mais tempo e diversas perguntas começando por “e se...”. A tensão entre passado e presente deve ser a linha que guia a interpretação da Nostalgia. E, neste clipe, a resposta permanece uma incógnita. Poderíamos apontar uma essência na Nostalgia dos personagens, mas seria tal qual dizer se Capitu traiu Bentinho, ou não... Não passaria de especulações. Mas talvez outra pessoa ache clara a relação entre os personagens. O que vale em Cool é essa incerteza, ratificando a Nostalgia como sentimento, sensação, não como algo concreto.
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“Perhaps nostalgia is given surplus meaning and value at certain moments – milenial moments, like our own. Nostalgia, the media tell us, has become an obsession of both mass culture and high art. And they may be right, though some people feel the obsession is really the media’s obsession.”, defende Linda Hutcheon. A Nostalgia está presente no pastiche, na rememoração e vontade de voltar ao passado, na crítica aos dias de hoje.  Não há faixa etária que esteja livre dela, tendo vivido ou não aquele determinado passado. Se antes era interessante viver o presente em função do futuro, o período pós-utópico que vivemos hoje prefere a ambivalência da Nostalgia – o poder de ir e vir entre as temporalidades – do que a simples acusação de que algo é datado, em sua acepção negativa, a de que o passado é ruim. A saudade e a vontade de (re)viver o que não se alcança mais, afinal o tempo é irrecuperável, às vezes nos cegam e acabamos por idealizar determinadas épocas e momentos da história de nossas vidas ou da humanidade em detrimento a um presente que consideramos inadequado. A imaginação nostálgica na cultura contemporânea é muito forte, criando um “anseio por “dias melhores” que vai paralisando o presente”, aponta Angela Prysthon. Logo esse confronto entre presente e passado se torna produto de mercado e chega às fábricas. Os videoclipes se configuram dentre esses produtos feitos para alimentarem a Nostalgia e Melancolia dos consumidores, compostos principalmente pela camada jovem da sociedade. “Os artefatos dessa cultura e a sociabilidade sugerida pelo seu consumo revelam não necessariamente uma memória direta dos acontecimentos referidos ou a familiaridade com repertório citado; o que importa é, sobretudo, o afeto – seja por algo que foi efetivamente vivido ou por algo que esses jovens gostariam de ter vivido.”, esclarece Prysthon. Não entra aqui se a construção foi feita a fim de obter um respaldo financeiro, afinal clipes são produtos destinados ao consumo e promoção. O que refletimos é se a construção dessas Nostalgias e Melancolias nos videoclipes são a contento ou foram realizadas sem competência, tornando-se um produto com pseudo-conceito e uma profundidade nula. Sentimentos engolidos pela cultura de massa, tentou-se aqui levar tais conceitos a uma camada popular da arte, despindo-se de preconceitos e aceitando que o produto audiovisual tal qual ele se propõe.

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