quarta-feira, 29 de agosto de 2007

"Amores Expressos e as relações de um mundo fast-food" por Júlia de Castro



Amores Expressos de Wong Kar-Wai é contemporâneo a tal ponto que, se não fosse pelo figurino, não se saberia tão fácil que se passa na década de noventa. Ouso dizer que se trata de um filme fast-food que a todo momento faz referência a esse tipo de cultura. É rápido, o tempo e o espaço das cenas correm. Seja essa corrida sob os efeitos de fotografia, seja pelo dinamismo do próprio enredo.
Artifícios de velocidade na câmera foram usados para cadenciar o ritmo frenético e a noção de rapidez e de consumo rápido que são reafirmadas durante toda a produção. Essa reafirmação também vem através o abuso das cores vermelho e azul nas cenas. Coincidência ou não, essas são as cores preferidas dos fast-foods justamente por suscitar, praticamente induzindo, a rapidez na rotatividade.
De fato, Califórnia Dreaming não é uma das músicas mais frenéticas do mundo, mas marcou uma época e se configura, pela própria letra - que fala do ideal e do sonho americano-, como um retrato de um modelo estadunidense. Tanto é que a personagem da segunda história nutre a vontade de ir para lá e escuta essa música incessantemente, como uma espécie de consolo por não viver no paraíso em dias ensolarados.
Além da música, é comum na película a presença de símbolos da globalização. Essas marcas já estão tão enraizadas no inconsciente coletivo. Não é de se estranhar que nos quatro cantos de Hong Kong apareçam as marca da Coca-cola e da Mc’Donalds, por exemplo. Isso é tão explicito no filme que, na lanchonete onde se passa a história, sempre está no plano o símbolo da Coca.
A primeira parte da película, praticamente um conto, é o dia-a-dia de uma traficante de drogas. Ela se mostra a caricatura de uma oriental que busca o modelo ocidental: usa até óculos escuros e peruca para parecer uma americana da década de 90. A relação com o ocidente é tanta, que ela chega se envolver com um loiro de olhos claros.
O conceito de uma raça fixa é completamente corrompido. A única certeza é a etnia dos que estão ali. Não se sabe onde começa o oriente e o ocidente num contexto de globalização. É fato, se puderem ser definidas as raças de cada personagem, elas vão se perder em tendências ditadas pelo ocidente. De oriental, só os olhos puxados e uma cena de uma feira livre, na qual se vêem muito de longe traços da cultura asiática.
De fato, a globalização estreitou as relações de tempo e espaço. O filme também faz referência a esse conceito quando trata da efemeridade da presença de uma aeromoça. A figura do avião representa o encurtar das distancias e a vontade de estar em outro lugar de uma maneira fácil e rápida. As menções a esse tipo de transporte não foram poucas. Além da presença crucial de duas aeromoças (uma que fugiu e outra que anos depois voltou) e de cenas com aviões de brinquedo, foram gravadas passagens em aeroportos. Além disso, fez-se alusão à velocidade dos deslocamentos, também, em cenas gravadas em estações de metrô.
Ambos os contos da película acabam no susto, com a mesma velocidade que começaram. Deixa a cargo do espectador imaginar e deduzir o que vai acontecer a partir dali. Fica o sentimento de que aquilo está incompleto. Talvez, causar essa sensação tenha sido proposital, já que se trata de um filme que mostra as complicadas relações inter-pessoais pós-modernas. Fica a reflexão sobre em que mundo estamos vivendo e que cultura estamos constantemente cultivando.

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