terça-feira, 6 de dezembro de 2011

"O Último Truffaut", por Heitor Dutra


"Os franceses adoram histórias de amor", dispara Barbara tentando mostrar a Julien a deformação que as histórias podem sofrer nas mãos dos jornalistas. Eles direcionam a verdade para onde lhes for mais conveniente, no caso em questão o assassinato de uma mulher infiel. Quem cometeu o crime? O marido ou o amante? O homem que começou rompendo com o que lhe parecia dispensável, o que ele chamou de "cinema de qualidade", trabalha a sua maneira o cinema de gênero. Os filmes de Truffaut sempre foram focados no roteiro, bastante narrativos, mas creio que neste "De Repente num Domigo" (1983) e "O Último Metrô" (1980), isso parece ainda mais evidente, o que é lançado em fragmentos, e constantemente é reapresentado quando útil para o entedimento da trama, é o que fascina Truffaut. Cada pedaço da ação é assumido por ele como individual. (Talvez, nem seja assim tão assumido). Truffaut, que trabalhou e difundiu a idéia da autoria no cinema, parece ter chegado aqui, em seu vigésimo primeiro longa, com a mão leve de quem sabe o que quer, faz do jeito que quer e não precisa nescessariamente mostrar o tempo todo sua assinatura no supérfluo, marca de serenidade.
   
A iluminação das cenas, a escolha das locações, a música, tudo evoca os velhos filmes de suspense que o menino François assistia quando mais moço, especialmente os de Hitchcock. Não é novidade o que o pessoal da Nouvelle Vague fez com que o cineasta inglês. O elevou ao nível de autor, ele que era vista como um cineasta puramente comercial, e o jovem François logo se dedicou a trabalhar num livro de entrevistas com o velho Hitchcock.  O que ele assistia nos cinemas de bairro, ou na própria cinemateca francesa volta. E não surpreende, que logo após concluir este filme, pouco antes de morrer, Truffaut volta a trabalhar no livro, numa atualização. O filme de gênero, seja os melodramas americanos, os faroestes de Ford e Hawks, ou o próprio filme noir, ou de suspense, é toda hora lembrado neste "De Repente num Domingo", seja no uso abusivo do telefone por parte de praticamente todos os personagens, seja pela simples presença da persiana e a luz que entra  parcialmente, a femme fatale, as cenas noturnas e na chuva, e é claro o fato do  filme ser rodado em preto e branco. É um filme nostálgico. Truffaut parece sentir falta do que ele via nas telas quando tudo começou para ele, em especial o cinema americano da época de ouro. 
   
Truffaut nunca escondeu seu fascínio pela indústria norte americana. Se não deixa isso claro em "A Noite Americana",  no filme de Spielberg "Contatos Imediatos de Terceiro Grau", onde ele faz uma ponta como cientista francês, isso fica evidente. Assim como fica evidente a presença dos filmes de gênero cada dia mais raros e dilúidos em pastiches exagerados no filme em apreço. O que Pam Cook dedica a Todd Haynes em seu "Longe do Paraíso" serve para Truffaut em "Vivement Dimanche": "[...]isso resulta em um apelo emocional irresistível para o público, através de memórias daqueles filmes, que foram calculadas para produzir-se uma poderosa resposta afetiva aos espectadores." Não sei até onde isso foi calculado por Truffaut , mas fica claro que ele tentou fazer quase um pastiche dos filmes da época, sem os excessos do próprio filme de Haynes, ao evocar o universo de Sirk. Truffaut nos deixa um filme de amor, como todos os que fez.  Um filme que se pertence, ou até mesmo subverte o gênero o "complementa" com a história de amor. Não o amor comum, de um homem por uma mulher, não apenas este, mas a história de um homem que amava as mulheres, assim como Truffaut. No último momento do filme o assassino é revelado, e ao telefone dispara: "Tudo o que fiz, fiz pelas mulheres. Eu adoro olhar para elas, tocar-lhes, cheirá-las, desfrutar delas e de lhes dar prazer. As mulheres são mágicas, por isso tornei-me um mágico".

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