segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"La religieuse", por Rosana Alcantara



A obra de Jacques Rivette, baseada no romance de mesmo nome de Denis Diderot, fala de Suzanne Simonin, bastarda, desprezada pela mãe e pelo marido desta, sofrendo com a diferenciação feita entre ela e suas outras duas irmãs. O sofrimento maior de Suzanne começa com a determinação de sua mãe de que faça os votos de castidade, pobreza e obediência e siga a vida religiosa como freira. Na primeira cerimônia dos votos é que se inicia o filme, assim também como a dura e longa trajetória da jovem, que a partir de então se vê mais vulnerável que nunca aos mandos e desmandos de suas ‘superioras’ que passarão então a atormentar sua vida.
            A moça é ainda mais mal quista quando nega confirmar seus votos nesta primeira cerimônia, o que é visto pela mãe como um desrespeito, além de ser o fracasso de sua chance de redenção, já que ela deposita na filha todas as culpas e ao mesmo tempo toda a possibilidade de tê-las absolvida pelo perdão divino. O único obstáculo seria então a resistência da filha, alegando não ter vocação e também querer casar e levar uma vida normal, assim como as irmãs fizeram.
O trabalho de Rivette tem muito a mostrar devido a seu carater crítico e contestador. Observando a postura de Suzanne vê-se que ela tem amor e temência pelas ordens divinas, tem fé, mas simplesmente sente não ter dom e não ver a vocação religiosa como uma possibilidade para sua vida. Acontece que o sentimento tirano que reinou entre os membros da Igreja passou por cima de todo e qualquer desabafo sincero que saísse da boca da jovem Simonin. A obra tem como intuito mostrar que por parte de alguns, há sentimentos e considerações pelo que é divino, mas antes disso deveria haver a chance de se escolher seguir com esses sentimentos em liberdade, sem necessariamente ter sua vida agregada à Igreja ou à alguma Instituição.
            Em ‘La religieuse’ segue-se mostrando os desgostos vividos por Suzanne, já que após a primeira negação pública dos votos, ela acaba voltando a um convento (cedendo às pressões de sua mãe), para que mais uma vez tentem fazê-la prometer seguir casta, pobre e obediente. Dessa vez, inconscientemente, ela se compromete e passa de noviça a freira, para sua infelicidade e crescente desgosto. Talvez propositalmente, a cena da aceitação dos votos não é exibida. Já que Suzanne Simonin se diz não lembrar do que se passou e do que fez, os expectadores deveriam ter também aquele momento como nulo. Até porque a importância irrevogável daquela cerimônia só tem cunho relevante para a Igreja e para os que pensam que aquilo está acima até mesmo do livre-arbítrio e da felicidade alheia.
Percebe-se na personagem principal um grande desconforto interior e uma forte carência de atenção, carinho ou algo bom que viesse para acalentar suas mais profundas agonias. Como, por exemplo, nas cenas dela com a primeira Madre vê-se a submissão e ao mesmo tempo a necessidade de acalento.
Os acontecimento mudam depois que Suzanne já é uma freira e percebendo o grande erro cometido, ela decide procurar ajuda de advogados para anular os votos e voltar a ser uma moça comum. Essa atitude de inaceitação, assumindo os riscos que correria estando fora do convento, sem amparo financeiro nem sentimental de ninguém, poderia ser visto até certo ponto como a positivação da melancolia. Ela assume o quanto a situação da vida entre as paredes do convento tem lhe feito mal e resolve fazer alguma coisa quanto a isso.
Logo depois, quando suas ‘irmãs’ de religião descobrem sua suposta desistência as coisas pioram. Com a ferrenha desaprovação e o  julgamento delas, Simonin sofre com maus tratos físicos e psicológicos. È o momento da película em que há fortes características fantasmagóricas da personagem, que segue circulando despenteada e mal vestida pelo corredores do covento, como uma simples imagem, sempre calada esperando por clemência.
            As esperanças de Suzanne se renovam somente quando é transferida para outro convento. Mas isso só dura até começarem os assédios por parte da madre superiora, uma mulher perturbada que desestabiliza a paz da jovem. Transtornada, ela acaba por conhecer ali mesmo, dentro do convento, alguém de situação parecida com a sua, um homem sem vocação e insatisfeito com a vida na clausura, Dom Morel propõe um plano de fuga à moça, que aceita. Após fugir do convento, a jovem Simonin foge logo em seguida do Padre, que tenta manter relações com ela contra sua vontade.
Perdida e desemparada, Suzanne acaba por trabalhar em uma fazenda, de onde tem que fugir ao quase ser flagrada por pessoas de confiança da Igreja e logo depois em uma lavanderia, onde passa roupas. Após comentários entre a outras empregadas do lugar, talvez por se sentir injustamente julgada, talvez por se sentir ameaçada, Suzanne parte novamente. Dessa vez fica na rua, pedindo ajuda aos que passam, até que uma jovem senhora a leva e se oferece para cuidar dela. O que ela não sabia é que essa senhora a conduziria para um cabaré. E é ali, em sua primeira noite, que ainda antes de se firmar no convívio mudano, a jovem percebe o quão grande é sua desilusão para com alguma melhora de vida e não vendo saída ou novas esperanças, se lança da janela aberta na sala de jantar. Suzanne desiste ali do que, aparentemente, não tem mais reversão: a realidade amarga e infeliz que a vida insite em lhe impôr.

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