domingo, 9 de outubro de 2011

"A hora dos oprimidos de Gregg Araki", por Vinícius Gouveia


Como tratar do presente e expor suas vísceras sem soar alienado ou moralista? O cinema independente e os movimentos dentro dele se tornaram uma das vozes encontradas pelos artistas para falar francamente para o grande público. Sem cair na pieguice mainstream ou na hermeticidade das ditas “vanguardas”, as rupturas temáticas e avanços técnicos recentes colaboraram para uma profusão de novos olhares e tentativas (de erros e acertos) de novos cineastas nas últimas décadas.

Foi nesse período que em 1987 Gregg Araki lançou o seu primeiro filme, Three Bewildered People in the Night. Nesse primeiro momento, o diretor já insinuava o tipo de história que queria tratar em suas obras. Não foi uma surpresa quando em 1993 ele lançou Totally Fucked Up, o primeiro filme da triologia “Teenage Apocalypse Triology”. A segunda parte, The Doom Generation, ganhou as telas em 1995. Já Nowhere, o último capítulo, estreou em 1997. A tríade é bastante coerente com o título que as une. O fim do mundo – tanto em sua conotação moral quanto física – é presenciada nas obras. No fim da exibição de qualquer uma delas, podemos ver pais de família condenando o trabalho de Araki e chamando tudo aquilo de blasfêmia e apologia a inúmeras atividades ilícitas, enquanto outros condenariam os personagens e os utilizariam como mau exemplo para reprimir seus filhos. O diretor expôs a sociedade dos anos 1990 a ela mesma, remexendo o mundo dos jovens undergorunds e seus vícios, que cada vez mais tomavam as ruas e o resto do mundo.

A triologia utiliza o presente para olhar para o futuro. Os filmes estão sempre mostrando a falência do mundo, de seus valores, e a degradação humana, sendo inevitável perguntar-se: “Onde iremos parar nesse ritmo?”. Gregg Araki monta diante de nossos olhos o prólogo de um apocalipse, o fim dos dias. Não é à toa que a morte está sempre presente nesses filmes, e normalmente ela acontece de maneira banal e com fortes doses de humor negro. Todos os personagens, sempre adolescentes, não tem escapatória. Entretanto, a triologia não é distópica. Ao mesmo tempo que o diretor fala o quanto estamos nos afundando num hedonismo descabido de sexo, drogas e individualismo, ele nos mostra como é gostosa essa vida de prazeres e o quanto ela precisa ser experimentada. Deixando de lado os pais temerosos e seus filhos que vivem em função de carreiras de pó, os filmes da triologia se configuram numa pós-utopia que acredita que este presente está construindo o futuro, seja lá qual ele for. Gregg Araki sabe que agora o mundo está vivendo um colapso e o motor de tudo isso é a juventude. Mas ele não sabe o que vai ser do amanhã. Ele nos oferece uma polaróide, um retrato instantâneo, não uma previsão do futuro. O diretor nos poupa de pessimismos ou otimismos.

Entretanto, como defenderia Walter Benjamin, a história é um encontro das gerações precedentes com a nossa. Então, se Gregg Araki nos faz refletir sobre o presente, preocupado com o iminente apocalipse, talvez sem perceber ele nos questione como esse presente foi construído. A resposta está no passado.

Os acontecimentos são inspirados e incitados pelo os que aconteceram antes. A contravenção, as drogas, a violência e a lascividade sempre estiveram presentes em diversas sociedades. Tentar reprimir estas e outras transgressões não adiantou em nada para extingui-las. Elas sempre voltavam sob novos formatos, por este ou aquele motivo. Temos desde os ácidos dos hippies às drogas publicitárias do “sexo, drogas e rock’n’roll”. A violência incontrolável nos países subdesenvolvidos, incitada pelos ditos desenvolvidos. O sexo ainda é utilizado como catalisador de relações sociais. O que seria estado de exceção está mais para regra geral que dura até hoje.

A sociedade permanece numa constante busca pela plenitude e bem-estar idealizados. Um de seus caminhos é tentando limar seus vícios – a maioria deles presente na juventude. Por viver em função do progresso, de um amanhã melhor, a sociedade constrói um presente marcado por intolerâncias e limitações sobre grande parte da população mundial. E esse presente logo se torna passado. Os problemas aglutinam-se e são paulatinamente aprofundados em nome de um sonho, uma utopia que tanto restringe e dificulta a vida de muitos. O progresso olha fixamente para frente e não enxerga os problemas deixados para trás que acabam sufocando a própria sociedade.

A triologia do apocalipse adolescente, nesse panorama, nos faz olhar também para o passado. Os adolescentes dos filmes de Gregg Araki são os próximos personagens da história que teriam as vidas limitadas, os desejos negados. Mas desta vez é diferente. Esses jovens vão atrás do que querem com todas as forças e saem das casas da classe média que colaborou no processo de sufocar o pathos de outras gerações. E esses adolescentes querem sexo, drogas, violência e uma vida sem amarras - vida que foi negada a outras minorias (étnicas, religiosas, sexuais, etc), seus verdadeiros antepassados. Essa condição de oprimidos aproximam gays, judeus, jovens e outras figuras que em algum momento foram proibidos de fazer algo ou sofreram preconceito porque a sociedade não julgava correta suas condutas. Esse julgamento era imbuído de preceitos morais que condenavam (e ainda condenam) tais tipos por “atrapalharem” o alcance do objetivo principal: o progresso.

No final das contas, o progresso é uma desculpa que funciona como arma de controle social em função de uma minoria que faz prevalecer seus próprios valores e a intolerância. Contra essa utopia que fez inúmeras vítimas durante a história, os adolescentes de Gregg Araki são a vigança dos oprimidos que vieram antes. Esses adolescentes não baixam a cabeça e irão explodir essa sociedade que os criou e tentou sufocá-los.

É através da cultura pop dos anos 90, construindo o que poderia ser chamado de “Malhação underground numa viagem de ácido”, que Gregg Araki alardeia o tal apocalipse em sua triologia. Antes do fim do mundo, ele procura expor o presente numa verdade nua e crua para a sociedade. Felizmente, o diretor acaba criando uma discussão muito maior, do tipo “onde estamos, o que nos trouxe aqui, para onde iremos?”. Colocando os oprimidos em evidência, ele constroi seus filmes de maneira bastante visual - e assim as drogas alucinógenas chegam ao espectador. Nos levando por esse sonho, ou lombra, o diretor abre novas camadas de dimensão da imagem, ele cria conexões com a história dos oprimidos. Com Gregg Araki, a juventude é levada a sério e representada de maneira fiel. Ele mostra que uma hora a sujeira não pode mais ser escondida debaixo do tapete e tudo o que estava no passado volta reconfigurado e prestes a explodir. É o fim de um mundo, mas o início de outro.

Walter Benjamin

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