segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

“Clube Da Lua”, por Victor Laet


''O progresso pode, talvez, ser percebido pelos historiadores; nunca, porém, sentido pelos reais participantes do suposto avanço. Os moços já encontram, ao nascerem, as condições de progresso e os velhos têm-nas por naturais dentro de alguns meses ou anos. O progresso não é sentido como tal. Nenhum sentimento de gratidão. O que se nota é somente irritação, quando, por uma razão qualquer, falham os recém-introduzidos elementos de conforto e bem-estar. Os homens não passam o tempo a dar graças a Deus pelos seus automóveis. Praguejavam, isso sim, quando o carburador se obstruiu."
“Sem Olhos em Gaza”, Huxley, A.

Como a violência apresentada junto à cultura pop em “Cães de Aluguel” (1992 – Q. Tarantino), ao, hoje, produto de culto em “Laranja Mecânica” (1971 – S. Kubrick), à feitura em gênero em “Scarface” (1932 – H. Hawks & R. Rosson) ou na releitura (1981 – F. F. Coppola), a escolha de mostrar a violência como larva num universo tomado por melancolias vindas da quebra de romantismo educador em várias décadas do século XX unida por paliativos slogans de “felicidade agora” e “futuro agora” foi igualmente criticada.
O Mote:
Edward Norton é um inspetor de seguros numa empresa de moral duvidosa pois faz com que os empregados sejam coniventes em estratégias as quais não dão direito a indenizações em casos de acidentes automobilísticos ocasionados por erros do fabricante do veículo. De fuso-horário em fuso-horário, aumenta sua confusão mental, já que passa a maior parte do tempo viajando por conta de seu trabalho, comendo comida de avião e colecionando "amigos descartáveis".
Insone, o personagem busca apoio em grupos de apoio, todavia, seu carinho dá-se àqueles com cancro testicular. E somente lá, chorando com os enfermos, este personagem parece encontrar a paz, a serenidade e catarse. "Toda noite eu morria. Toda noite nascia de novo. Ressuscitava."
O personagem, após alguns turning-points comuns ao cinema hollywoodiano, volta a viajar e a ter insônias. E, em uma das viagens de serviço, ele topa com um vendedor de sabonetes que possui uma aguaça de discursos contra a sociedade de consumo, afirmando ser esta a razão da falta de desafios que compõe as perspectivas do homem moderno.
Numa conversa com frases como "Somos consumidores. Não nos importamos com fome, violência, pobreza. Mas, sim, com marcas de cueca", eles começam a brigar e depois de exaustos, e repletos de hematomas, eles descobrem que aquilo, sim, conferia algum significante às suas existências. E ambos partem para a fábrica de sabonetes de Tyler, uma construção em ruínas em um bairro desabitado de uma grande cidade. E já com alguns simpatizantes para o Clube da luta. Ao encarar a dor e a morte, eles agora conseguiam realmente a liberdade. Aos sábados, a partir da fundação do Clube da Luta, não estariam mais sós. Além disso, no Clube, eles possuíam opiniões.
A violência daqui é posta em cheque com a da produção de Kubrick quase trinta anos antes. O filme de 71 precipita a produção da hiper-violência em imagens em movimento para construir um estudo da sociedade contemporânea, através da violência vinda do instinto, da categoria do homem estudado por Hobbes e sem uma translúcida configuração social e/ou psicológica, onde a sociedade é posta em grupos e por uma violência inesperada e trágica. O tom futurista de Kubrick é destroncado em Fincher, pois, “o futuro é agora”. Talvez, o mais interessante desta comparação é ver que se em “Laranja” o protagonista se manifesta a partir da centésima vigésima quinta obra de (seu estimado) Ludovico (http://www.youtube.com/watch?v=pv8GQIGpons), trabalho este conhecido como ode à paz, para desenvolver violência e caos, em “Clube” o protagonista instiga o uso da violência e decorrente caos como meio a fim de chegar à paz.

 -----------------------------

Para Jacques Rancière, tanto a política quanto as formas de expressões (cênicas, visuais, plásticas) têm uma origem correspondente. Arrolando uma teoria em volta da “partilha do sensível”, – pensamento o qual esboça a concepção da sociedade política fincada no encontro desarmônico das percepções individuais – Rancière propõe enxergar a política como algo estético, em essência; ou seja, sua base está sobre, em termos platônicos, o mundo sensível, assim como a expressão individual. Desta mão, pode-se concordar com a observação da política ser detentora d’uma dimensão estética, logo vale aceder o mesmo às formas dos exercícios do poder.
De modo predicado, o jeito como o discurso midiático era apresentado contra os trabalhadores do século XXI (capitulação de que os operários contrários carneavam os trabalhadores) não difere do tratamento dos veículos de comunicação para com o terrorismo. A ilustração das formas de poder vigente era pensada através do medo. Revistar o medo como agente numa sociedade cuja inércia surge a cada desdobramento do capitalismo (isto é, a partir da década de 80) e somá-lo a uma melancolia não-utópica é emblemático dentro da estética dessa política.
O meio ainda não é o fim, mas sua ação como meio tem caráter mais esquizofrênico: Bauman escreve Capitalismo Parasitário e mostra as pressões do fim de uma felicidade fixada no futuro utópico e o quão nocivo foi querer a todo custo inseri-la hodiernamente (basta lembrar o monólogo inicial da obra de Irvine Welsh, adaptada por Danny Boyle ou até mesmo a mania do personagem de Edward Norton em harmonizar sua casa como um catálogo).
O perfilhamento de Rancière em se interessar na semelhança entre os dispositivos e as técnicas de poder, assim como onde serão vingados, (e não somente a adoção do viés de poder como união destes dispositivos e destas técnicas) tem um encaixe na estrutura do próprio filme. Para o pensador, política e polícia são modos opostos dessa estrutura. A polícia é a base da comunidade como um todo, cuja definição, exaustivamente, vem das funções, lugares e identidades pertencentes a esta comunidade e não é, exclusivamente, o domínio físico. A política, ao contrário, é algo além do corpo social. É o que abre o todo desta comunidade. Esta está reduzida à manifestação do poder constituinte, havendo impares momentos de sua aparição, quase milagrosos, de política, entre véus de polícia e de petrificação estatal. Com isso, ratifica-se a imagem do filme ao apresentar a ilustração de uma sociedade melancólica, a qual para não sucumbir ao tédio, vira para a violência – pois aceita, de maneira derrotista, o presente e o vandaliza em busca de represália pontual ou pateticamente acredita na feitura de distinção para com aquilo que convive.
O trabalho de Fincher sintoniza na mostra da sociedade desiludida com o banalizado american way of life, divulgando a perversão que dali surge: o estado imperceptível de como se ancora numa situação. Entretanto essa mesma sociedade sem crença utópica é retratada num filme no qual podem ser feitos ambientes para questionar ambigüidades dessa geração. Isto, pois, há naturalização do cenário tratado com otimismo assaz ou o perfilhamento deste cenário como sendo muito melancólico a partir d’um mundo que tudo garante, mas tudo denega, desaguando, assim em seres como o de Edward Norton-Tyler, onde o explícito possui um implícito, este, antagônico e contraditório. 

Nenhum comentário: