domingo, 10 de agosto de 2014

"Vamos dançar?", por Joana Claude Migeon


O interesse pelo musical Vamos Dançar?, de Mark Sandrich (1937), surgiu através do número dos protagonistas Fred Astaire e Ginger Rogers na música “Let’s Call The Whole Thing Off”. Conhecia a versão de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, e acabei encontrando a versão realizada no musical. Hoje, acredito que essa música é a que melhor expressa a mudança que ocorre com o casal – seja ela emocional, como na
relação deles - e evidenciam as diferenças que existem entre eles de modo poético. Essa canção, assim como “They All Laughed” e “(I've Got) Beginner's Luck” sintetizam a superação das diferenças entre seus personagens e anunciam a mudança no enredo do filme.

O musical traz a história de Peter P. Peters (Mr. Petrov) e Linda Thompson (Mrs. Keene). Ele é um astro do ballet que se apaixona e sonha em dividir o palco com ela. Ambos acabam se aproximando durante uma viagem para New York, mas a relação dos dois fica confusa no momento em que se espalha o rumor que eles se casaram. A ideia para o musical surgiu para testar uma “formula de sucesso” idealizada por Richard Rodgers e Lorenz Hart, na obra On Your Toes on Broadway (1936). O enredo dos dois trabalhos é bem semelhante. O conflito é o elemento que mais aproxima entre os dois. A problemática é iniciada pelo dono da companhia de ballet na qual Petrov trabalha, Jeffrey Baird, que critica o distanciamento do astro e seu interesse por transformar essa dança num elemento híbrido com elementos do sapateado. É também esse problema que irá unir novamente os protagonistas para ascender ao “grand final”com a canção que dá o nome do filme “Shall We Dance?”.

Além do diretor Mark Sandrich que é considerado melhor sucedido no filme Picolino (1935) - considerado o 15° melhor musical da história na lista do American Film Institute – a obra também conta com a colaboração do compositor George Gershwin, famoso maestro pianista na Broadway. Ele apreciava o jazz, blues e gostava de música francesa, como Debussy. Boa parte de seu trabalho ficou conhecido não somente por  causa do cinema, mas graças a cantores como Ella Fitzgerald e Louis Armstrong. Em Vamos Dançar?, todas as músicas foram concebidas pelo compositor.

Essa é a sétima vez que Fred Astaire e Ginger Rogers trabalham juntos. A parceria entre  dos dois iniciou em Voando para o Rio, de Thornton Freeland (1933), e manteve por  mais nove filme que ocorreram durante o período de 1933 à 1949. Todos os filmes foram produzidos pela RKO Pictures com exceção do último, Os Barkleys da  Broadway, de Charles Walters, que foi realizado pela MGM. Esse também foi o únco com cor (technicolor). Depois, ambos atores seguem por caminhos distintos. Astaire continua no estilo musical, com obras como Nasci para Bailar, de Norman Z. McLeoad(1950), até optar pelo drama no fim da carreira. Já Rogers toma essa decisão antes e abandona o gênero para seguir o drama. Sua participação no filme Kitty Foyle, de Sam Wood, rendeu o Oscar de melhor atriz em 1941.A RKO foi a produtora que investiu na série de filmes com o Astaire e Rogers e teve um grande retorno durante os anos de 1930. É após o lançamento de Vamos Dançar?, em 1937, que não obtém o retorno esperado que surgem os primeiros indícios da decadência da empresa, agregada a outros fatores como a segunda guerra mundial. O
contexto histórico também colaborou para uma retenção dos recursos, principalmente para o gênero musical, e o maior investimento para outras narrativas fílmicas, como o drama. A produtora é responsável pela realização do filme Cidadão Kane, de Orson Welles (1941), por exemplo.

Se antes, os filmes do gênero eram mais teatrais e tinham uma estética mais próxima do espetáculo, após a segunda guerra mundial, as demandas são outras e novas tendências surgem. Se em Vamos Dançar? existe uma história entre algumas pessoas, que não representam necessariamente um grupo maior, depois da década 1960, existe um aspecto social mais latente. West Side Story, de Jerome Robbins e Robert Wise (1961), é um exemplo desse “recurso” usado para atrair a maior atenção do público.

Outra diferença óbvia, mas perceptível é a movimentação da câmera. Até Cidadão Kane, mais ou menos, notamos uma menor ousadia no uso da fotografia. No musical de Mark Sandrich, notamos poucas variações nos planos. Normalmente a câmera é usada apenas como um olho que observa e que por vezes se aproxima e outras se afasta, mas quase sempre no mesmo eixo, no máximo dois. Não observamos plongée, por exemplo, ou cenas que priorizam a profundidade do plano. Isso muda significativamente depois.
A Noviça Rebelde, de Robert Wise (1965), já ousa mais nesses aspectos. A abertura do musical, com “The Sound of Music”, já traz elementos que não eram vistos antes. Além  dos recursos técnicos, há também a saída do estúdio para a locação. Claro, temos que considerar que o aparato técnico do musical de 1960 é maior, consequência de um investimento mais significativo.

Em contrapartida, filmes como Vamos Dançar? possuem uma maior valorização e tempo para os números musicais, favorecendo momentos que talvez não funcionassem tão bem na contemporaneidade. A abertura do filme com as sombras das bailarinas na tela preta e branca, por exemplo, é uma forma de introduzir o assunto de modo subjetivo e indireto. Outra brincadeira realizada por Astaire, que lembra a interação de Chaplin com o cenário, é quando ele joga com a sombra das maquinas do navio para New York.
Ele aproveita o som e a partir de uma postura formal, mas cômica, ele aproveita esse elemento para florear sua coreografia.

Outro aspecto interessante é a introdução dos negros no musical. Mesmo que por um intervalo pequeno de tempo, eles estão presentes em número de Astaire durante a viagem para América. Isso já mostra a mudança no cenário fílmico, no qual antes o espaço era apenas ocupado por brancos. Aqui, mesmo que em segundo plano, eles estão presentes e colaboram no ritmo e ambientação da música “Slap That Bass”.
O musical possui momentos diegéticos, como em “Shall We Dance?”, no qual os protagonistas trabalham realmente cantando e dançando e na cena contracena o númerofinal do filme. Já em outras sequências, há instantes não dietético, como em “They Can't Take That Away from Me”, quando eles estão atravessando de balsa e descem do carro para cantar em meio a neblina e com o plano de fundo New York.

O filme pode não ser a melhor obra do cineasta Mark Sandrich, mas é um trabalho significativo pela apropriação dos elementos e as referências utilizadas, citadas acima.A parceria Astaire-Rogers é o principal aspecto qualitativo desse musical.

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