sábado, 4 de janeiro de 2014

"Adeus, Primeiro Amor", por Isabel Meira Constant


A vida pode ser pensada como se fosse um rio. Ele é instável, sua correnteza por vezes imprevisível e está em constante mudança. Em poemas como os de João Cabral de Melo Neto, "Cão Sem Plumas" ou "O Rio", podemos observar essa semelhança do rio com a vida.

O rio segue sozinho, e nossa vida, por mais que tenhamos a ilusão de estarmos compartilhando, segue só; segue sempre por algum caminho até chegar num ponto onde acaba, desagua em outro rio maior ou mar, o desconhecido: não é mais rio, não está mais só nem segue para lugar algum.

Como para Heráclito, filósofo grego, que afirmava que tudo flui e nada permanece estável. Como exemplo do pensamento, ele dizia que uma pessoa nunca poderia entrar duas vezes no mesmo rio: nas duas vezes a pessoa tanto como o rio estariam mudadas, as águas seriam outras, e águas sempre fluem.

Em "A Terceira Margem do Rio", conto de Guimarães Rosa, um homem manda fazer para si uma canoa e não volta nunca mais, se perde no "rio grande, fundo, largo, calado que sempre". Se perde no desconhecido, que pode ser a morte como também a vida, e os outros personagens têm medo do desconhecido e de si mesmo, por vezes uma coisa só.

Em "Un Amour de Jeunesse" ("Adeus, Primeiro Amor"), o filme tem como mote a descoberta do amor quando se é jovem e como ele parece ser importante naquele momento. Camille tem 15 anos e namora com Sullivan; o amor é a única coisa que importa para ela.

É perceptível a dependência de Camille para com Sullivan, não há sentido em ficarem separados quando podem estar juntos. Mas a cabeça dos dois tem suas diferenças e Sullivan acha importante cada um ter sua própria vida. Mia Hansen-Love expõe um universo no filme, a França e o amor na juventude. É fácil se identificar com a situação pela maneira intimista com a qual é retratada.

O ponto de virada na história é quando Sullivan parte para um mochilão pela América do Sul e os dois precisam dar adeus e se separar, sem saber quando irão se encontrar novamente. Existe a ilusão de que aquele amor ficará intacto e em espera, então os dois se comunicam através de cartas e por vezes ao telefone; Camille faz um mapa da América do Sul e vai marcando os lugares por onde Sullivan passa, desse modo se sente mais próxima.

Depois de um tempo, fica cada vez mais difícil aguentar a saudade e a comunicação entre os dois, já escassa, se torna nula. O tempo muda tudo e faz a ilusão desparecer. Camille cresce, entra na faculdade de arquitetura, mas se torna uma pessoa fechada e triste. O filme expõe as marcas de um amor que acabou mal ou que não foi curado, mudanças na vida de alguém e as marcas que elas trazem.

Acabamos por nos afeiçoar a Camille como quando sentimos saudade de um personagem quando o livro acaba. É um filme simples e sensível, com emoções que ao passar do tempo viram lembranças. A contraposição da razão e sentimento é a forma intimista que as imagens revelam, sendo capaz de se identificarem com o espectador. As situações apresentas na tela nos permitem reviver lembranças.

No fim, somos deixados pela imagem de Camille entrando num rio, rio este onde já estivera presente outrora na história, num passeio com Sullivan. A música começa: "Tudo o que eu tenho é um rio / O rio é sempre a minha casa / Me leve embora porque eu não posso mais ficar / Ou afundarei". O futuro de Camille acaba incerto como aquele rio em que ela parte para o desconhecido, talvez finalmente conseguindo estar sozinha.


Nenhum comentário: