terça-feira, 6 de dezembro de 2011

"'A religiosa' e a vontade de conceber o incorpóreo", por Nathalia Pereira


“Preso à escandalosa contemplação de uma meta que se manifesta a ele no próprio ato em que é vedada e que é tanto mais obsessiva quanto mais se torna inatingível para ele, o acidioso encontra-se em situação paradoxal: assim como acontece no aforismo de Kafka, ‘existe um ponto de chegada, mas nenhum caminho’, e da qual não há escapatória, porque não se pode fugir daquilo que nem sequer se pode alcançar”. (AGAMBEN, 1942)

Mais do que o aprisionamento nas celas do convento católico, o que desespera Simonne Simonin - personagem representada por Anna Karina em A Religiosa (Rivette, 1966) – é o desejo por algo indefinido. Depois de ser trancafiada entre os religiosos, a necessidade de escapar do claustro é a única coisa da qual a protagonista parece ter certeza e o desejo pela fuga é objeto que vira obsessão ao longo do filme, a cada indício de que a saciedade é inatingível.
O mal que toma conta da personalidade da adolescente, com o passar dos dias no convento, piora na medida em que a moça percebe que aquele não é o seu lugar. Por acreditar não ter o “dom” que a tornaria uma boa freira (e, assim, pertencente àquele lugar), Simonin adota a introspecção como remédio para a ausência que sente e as fantasias que sua imaginação permite serem construídas impulsionam a garota a sonhar com as possibilidades de atingir a felicidade do lado de fora das paredes do convento.
Mesmo com os conselhos da primeira madre superiora que a acolhe e pede que esvazie a mente de qualquer pensamento que não seja voltado à “carreira” religiosa, Simonin não consegue escapar do desvio de atenção das leituras para o outro lado da janela. Não foca em nada real, mas em projeções. Imagina como seria se largasse o convento e casasse com alguém, mas em nenhum momento demonstra desejo sexual ou interesse em alguma outra pessoa. Até quando declara amor a alguém próximo é incapaz de deixar de pensar em si, imersa em uma realidade inatingível.
O ápice da agonia da personagem se dá quando a privação dos direitos torna-se mais violenta e desperta na mulher um, ainda mais profundo, desejo por mudança. A esperança de conquistar a liberdade salva Simonin da loucura, move sua luta para conquistar sua vontade e a ajuda a mudar sua rotina. A nova realidade adquirida, no entanto, continua insuficiente para deixá-la tranquila.
Em Estâncias, Giorgio Agamben aborda a luta desesperada contra aquilo que não pode ser evitado como transformadora da melancolia em um mal mortal.
“A melancolia, ou bílis negra, é aquela cuja desordem pode provocar as conseqüências mais nefastas. Na cosmologia humoral medieval, aparece associada tradicionalmente à terra, ao outono (ou ao inverno), ao elemento seco, ao frio, à tramontana, à cor preta, á velhice (ou á maturidade), e o seu planeta é Saturno, entre cujos filhos o melancólico encontra lugar ao lado do enforcado, do coxo, do camponês, do jogador de azar, do religioso e do porqueiro”. (AGAMBEN, 1942)
Em comum com Simonin, todos apresentam na impossibilidade de mudar a realidade a essência da acídia. A protagonista entra em relação profunda com o objeto de desejo (que a personagem busca com agonia descobrir o que é) apenas pela afirmação de sua perda.
Ao escapar do segundo convento na companhia de um padre que também nunca se contentou com as restrições da vida religiosa, Simonin se depara com a visão do mundo “do lado de fora” sobre sua fuga. Quando percebe que as outras mulheres resumem seu cotidiano de freira a atribuições simples como comer e rezar, a protagonista não se adapta à nova realidade e vai embora, outra vez, ainda perdida em fantasias.
Numa casa de prostituição entre homens e prostitutas mascarados, a protagonista continua sem reconhecer-se em um mundo estranho e, depois de olhar-se, mascarada, em um espelho, atravessa a janela do edifício e morre, em mais uma tentativa de fuga. Simone, desesperadamente, não queria ser ela mesma, ou, desesperadamente, queria ser ela mesma.
Em algumas cenas antes do fim, o padre também preso sob o signo de Saturno alerta a mulher. O religioso sem o dom (que pode ser interpretado como o melancólico) pode aceitar sua realidade para conseguir viver bem, pode tentar uma fuga por meio do suicídio ou pode manter a esperança em abraçar o alvo de sua contemplação.                                                     

"O Último Truffaut", por Heitor Dutra


"Os franceses adoram histórias de amor", dispara Barbara tentando mostrar a Julien a deformação que as histórias podem sofrer nas mãos dos jornalistas. Eles direcionam a verdade para onde lhes for mais conveniente, no caso em questão o assassinato de uma mulher infiel. Quem cometeu o crime? O marido ou o amante? O homem que começou rompendo com o que lhe parecia dispensável, o que ele chamou de "cinema de qualidade", trabalha a sua maneira o cinema de gênero. Os filmes de Truffaut sempre foram focados no roteiro, bastante narrativos, mas creio que neste "De Repente num Domigo" (1983) e "O Último Metrô" (1980), isso parece ainda mais evidente, o que é lançado em fragmentos, e constantemente é reapresentado quando útil para o entedimento da trama, é o que fascina Truffaut. Cada pedaço da ação é assumido por ele como individual. (Talvez, nem seja assim tão assumido). Truffaut, que trabalhou e difundiu a idéia da autoria no cinema, parece ter chegado aqui, em seu vigésimo primeiro longa, com a mão leve de quem sabe o que quer, faz do jeito que quer e não precisa nescessariamente mostrar o tempo todo sua assinatura no supérfluo, marca de serenidade.
   
A iluminação das cenas, a escolha das locações, a música, tudo evoca os velhos filmes de suspense que o menino François assistia quando mais moço, especialmente os de Hitchcock. Não é novidade o que o pessoal da Nouvelle Vague fez com que o cineasta inglês. O elevou ao nível de autor, ele que era vista como um cineasta puramente comercial, e o jovem François logo se dedicou a trabalhar num livro de entrevistas com o velho Hitchcock.  O que ele assistia nos cinemas de bairro, ou na própria cinemateca francesa volta. E não surpreende, que logo após concluir este filme, pouco antes de morrer, Truffaut volta a trabalhar no livro, numa atualização. O filme de gênero, seja os melodramas americanos, os faroestes de Ford e Hawks, ou o próprio filme noir, ou de suspense, é toda hora lembrado neste "De Repente num Domingo", seja no uso abusivo do telefone por parte de praticamente todos os personagens, seja pela simples presença da persiana e a luz que entra  parcialmente, a femme fatale, as cenas noturnas e na chuva, e é claro o fato do  filme ser rodado em preto e branco. É um filme nostálgico. Truffaut parece sentir falta do que ele via nas telas quando tudo começou para ele, em especial o cinema americano da época de ouro. 
   
Truffaut nunca escondeu seu fascínio pela indústria norte americana. Se não deixa isso claro em "A Noite Americana",  no filme de Spielberg "Contatos Imediatos de Terceiro Grau", onde ele faz uma ponta como cientista francês, isso fica evidente. Assim como fica evidente a presença dos filmes de gênero cada dia mais raros e dilúidos em pastiches exagerados no filme em apreço. O que Pam Cook dedica a Todd Haynes em seu "Longe do Paraíso" serve para Truffaut em "Vivement Dimanche": "[...]isso resulta em um apelo emocional irresistível para o público, através de memórias daqueles filmes, que foram calculadas para produzir-se uma poderosa resposta afetiva aos espectadores." Não sei até onde isso foi calculado por Truffaut , mas fica claro que ele tentou fazer quase um pastiche dos filmes da época, sem os excessos do próprio filme de Haynes, ao evocar o universo de Sirk. Truffaut nos deixa um filme de amor, como todos os que fez.  Um filme que se pertence, ou até mesmo subverte o gênero o "complementa" com a história de amor. Não o amor comum, de um homem por uma mulher, não apenas este, mas a história de um homem que amava as mulheres, assim como Truffaut. No último momento do filme o assassino é revelado, e ao telefone dispara: "Tudo o que fiz, fiz pelas mulheres. Eu adoro olhar para elas, tocar-lhes, cheirá-las, desfrutar delas e de lhes dar prazer. As mulheres são mágicas, por isso tornei-me um mágico".

"Febre do rato", por Amanda Beça



As cidades são vivas, respiram, e quem determina seus ritmos são as pessoas que nelas vivem. Neste filme, a cidade é Recife, e seu morador mais frenético é o poeta Zizo, que traz consigo a essência necessária para dar um “chute no ovo da ordem” da capital pernambucana. Recife, cidade bela, cidade maltratada e destruída. O diretor Cláudio Assis sente que é preciso ensinar seus espectadores a terem respeito pela cidade, e é através deste personagem alter-ego que ele encontra as palavras.
               Envolvido pelo vício no trabalho, o protagonista produz incansavelmente num ateliê do quintal de sua casa, o Febre do Rato, pequeno jornal onde escreve suas poesias, pensamentos e inquietações socio-políticas.  O nome é uma alusão a expressão popular pernambucana para a leptospirose. Além de dar título ao filme, hoje em dia significa alguém que está inquieto, agoniado. Este alguém é Zizo, e sua “doença” é na verdade melancolia. Na periferia onde vive, rodeado por amigos suburbanos, as pessoas não conseguem ver que por trás de cada sorriso seu ao recitar uma poesia, há uma sabedoria obscura de quem está angustiado com a situação da realidade ao redor.  Lhe causa desgosto que uma cidade linda, cercada de rios e de história seja tão esquecida,  que  uma população humilde seja deixada ao descaso do egoísmo governamental.
                 Mas Zizo não é um flâneur qualquer. Não é a toa que sai com seu carro quase todos os dias para distribuir a edição do Febre do Rato gritando suas ironias e sarcasmos, se ele o faz não é porque crê no Progresso, mas porque sabe que em cada pessoa existe um sensível adormecido capaz de entender. Talvez um dia seus discursos vão deixar de ser ruído para se transformar em dissenso, a fim de que, em algum momento, a suspensão de verdades, a anarquia, será maior que o Estado.
              No fundo ele não acredita, pois não tem esperança. Mas as outras pessoas têm. E Isso basta. Existe um otimismo na sua melancolia que não o deixa ficar parado. Só a quem já não tem esperança foi dada a esperança, e só a quem, de qualquer maneira, não poderá alcançá-las foram dadas as metas a alcançar (AGAMBEN, 2007, p32). Ele gera nos espectadores a inquietação que sente. Sob sua ótica reveladora, as pontes, o rio, os prédios, as palafitas, alvos das efervescências políticas do poeta, são representados como agentes lúdicos, potencializados pela fotografia. A estética preto e branca dá força ao discurso político do personagem, que por entre travellings encaminhados pelo curso do rio Capibaribe, extirpa Recife de sua aparência trivial, transformando-a em onírica, para assim poder denunciar suas contradições entre crueldade e beleza.
                    É  possível dizer que Zizo une duas ideias diferentes de subjetividade política: a de uma inteligência política que concentra as condições essenciais da transformação, e a ideia da virtualidade nos modos de experiência sensíveis inovadores de antecipação da comunidade por vir (RANCIÈRE, 2005, p44).
                Mesmo com um engajamento frenético, não só de dores vive o personagem. Para se libertar da própria maldição psicológica e acalmar a alma, refugia-se na apreciação do amor e no enaltecimento do belo. Afinal “o placar pode não ser justo, mas a partida é boa pra caralho”. Inspira-se nos outros para criar. Seu casal preferido é o do melhor amigo e a travesti Vanessa, pois os considera, de todos os relacionamentos, o mais verdadeiro. O curioso é que Pazinho é seu antagonista: coveiro em constante contato com a morte, ele é o que menos enxerga profundidade nos poemas do amigo, é rabugento e insiste em brigar e trair Vanessa por motivos pequenos. Já seus outros amigos Oncinha, Rosângela, Boca Mole e Bira põem em prática a filosofia do poeta ao gozarem dos prazeres do amor anárquico.
                   Quando conhece Eneida, o universo expandido do poeta leva um choque. Ao recusar seus convites libidinosos, Zizo é envolvido pela paixão não consumada. Cabe a ele contemplar sua musa à distância, pois, apesar de provocativa, ela não cede às vontades do poeta. Confessa até, que por isso se interessa tanto pela menina. Ela estar fora de alcance mantém sua alma alimentada, assim ele tem mais vigor pra compor e pra protestar contra as injustiças.
                 No dia da independência brasileira, em cima de um palanque improvisado e junto a uma caravana de seguidores, Zizo causa Política: faz o seu discurso mais fervoroso e frenético ao desmascarar a farsa do sete de setembro. Sem roupas e visando uma febre anárquica, ele reivindica todos os tipos de liberdade e igualdade. Mas as minorias vão ser sempre minorias, e Cláudio Assis sabe disso. Por isso condena seu personagem ao sombrio destino de ser capturado pela Polícia e afogado no rio que tanto venera.
                   Ainda assim, o filme permanece fiél ao seu otimismo melancólico e mostra que o amor sempre será maior do que tudo e enobrecerá qualquer destino. Em meio a críticas e paradoxos, o amor então se revela o grande homenageado da mais nova obra de cinema pernambucano.
                   

"Estância: cinema", por Igor A. Calado


Em sua arqueologia da melancolia realizada na primeira parte de Estâncias, que vai de Aristóteles à Freud, detendo-se em escolas filosóficas medievais, Giorgio Agamben conclui que, em resumo, essa “síndrome atrabiliária” é caracterizada pelo desejo obsessivo por um objeto inapreensível, que o melancólico sente ter perdido sem nunca ter possuído, e sua consequência imediata é a introspecção e a potencialização da imaginação, diminuindo o interesse na realidade física.
            Não é difícil, partindo dessa definição, chegar à arte: “A associação tradicional da melancolia com a atividade artística encontra a sua justificação precisamente na exarcebada prática fantasmática, que constituiu a sua característica comum” (p. 52). E mais adiante:

o objeto irreal da introjeção melancólica abre um espaço que não é nem a alucinada cena onírica dos fantasmas, nem sequer o mundo indiferente dos objetos naturais. Mas é nesse lugar epifânico intermediário, situado na terra de ninguém, entre o amor narcisista de si e a escolha objetual externa, que um dia poderão ser colocadas as criações da cultura humana, o entrebescar das formas simbólicas e das práticas textuais, através das quais o ser humano entra em conato com um mundo que lhe é mais próximo do que qualquer outro e do qual dependem mais diretamente do que da natureza física, a sua felicidade e a sua infelicidade. [p. 53-4, grifo do original]

            O melancólico acessa então “uma dimensão nova e fundamental” (p. 53), característica da capacidade imaginativa, o que nos remete diretamente ao título do livro, aberto com a seguinte citação de Dante:

A respeito disso é preciso saber que este vocábulo foi criado somente em consideração da arte, isto é, de modo tal que aquilo em que estivesse contida toda a arte da canção fosse chamado stantia – o que significa residência capaz ou também receptáculo – de toda a arte. Pois, do mesmo modo que a canção é o regaço de toda a sentença, assim a stantia recolhe no seu regaço toda a arte. [p.1]

            A estância é a residência da arte, como é no “lugar epifânico intermediário” que se encontrariam as “formas simbólicas” e “práticas textuais”. A arte povoa este universo paralelo e é através dela que podemos acessá-lo.
*  *  *
             Em A Ponte das Artes (Eugène Green, 2004), o jovem Pascal (Adrian Michaux) se apaixona pela cantora lírica Sarah (Natacha Régnier) através de um disco presenteado por sua ex-namorada. A paixão pela música e pela intérprete o leva a desistir de uma tentativa de suicídio e partir em busca de sua enamorada.
            Ela, no entanto, se suicidou antes de conhecer Pascal, sucumbindo às pressões de seu malvado professor de música. Contra as expectativas, Pascal acaba por encontrar sua amada: escutando sua música, ele se vê na Ponte das Artes parisiense, deserta, exceto pelos dois. Ele lhe diz que quer se unir a ela, ao que ela responde: “nós estamos unidos, na luz”. Os dois se abraçam e suas sombras se fundem.
            O filme termina em nota otimista: Sarah não pode voltar à vida, mas Pascal pode lidar com sua ausência através de sua música, onde ela sobrevive. A arte possibilita lidar intelectualmente com a incompletude material, vislumbrar (ou mesmo sentir) o estado das coisas onde a completude é possível. Pascal deverá continuar a louvar o objeto inapreensível, cuja perda pôde ser organizada através da arte. Ela lhe permite contemplar o objeto sem nunca acessá-lo, promovendo, no entanto, uma satisfação parcial da lacuna que lhe servirá para levar a vida adiante, apesar (ou superando) sua desilusão com o significado do mundo.

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            No célebre ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin falava da condição da aura na obra de arte ao longo do tempo, entre outros assuntos. Quando da incapacidade de reprodução técnica da obra, como nas esculturas dos gregos antigos, sua beleza residia em um determinado material palpável. Na dita era da reprodutibilidade técnica da arte, onde, por exemplo, toda cópia de um filme é a princípio autêntica, a aura retira-se do objeto material.
            O cinema promoveria uma destruição brutal da “aura” através de sua dessacralizante reprodução: “Retirar o objeto de seu invólucro, destruir sua aura, é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de captar “o semelhante no mundo” é tão aguda, que graças à reprodução ela consegue captá-lo até no fenômeno único. (p. 170, grifo no original). Assim, o cinema consegue remeter à experiência única com tal força que a aura, experiência única, deixa de ser única e, por conseguinte, desaparece.
            Benjamin nota ainda um interessante fenômeno:

Fazer as coisas “ficarem mais próximas” é uma preocupação tão apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade. Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução. Cada dia fica mais nítida a diferença entre a reprodução, como ela nos é oferecida pelas revistas ilustradas e pelas atualidades cinematográficas, e a imagem. (p. 170)

            O trecho estabelece uma diferença entre a “reprodução”, mera reprodução, e a imagem, que remete à aura destruída por sua retirada de contexto. A cópia, entretanto, parece ter substituído o desejo do original: procura-se “possuir o objeto na imagem”, onde ele obviamente não reside.

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            O cinema, como a música, não parece existir enquanto experiência fora da esfera de sua execução. Assim, uma escultura, ou mesmo uma instalação, possui uma dimensão material totalmente conectada com seu conteúdo e a sua absorção sensorial, o que diminui numa fotografia, apesar de sua palpabilidade, e torna-se radical no cinema e na música, cujas unidades – respectivamente notas e imagens, dispostas em série – não conseguem remeter isoladamente à experiência pretendida de seu meio.
            Essa questão sensorial foi estudada pela Gestalt. É chamada qualidade da forma[1] a capacidade de um conjunto de ser percebido apenas na observação coerente do todo. A ilusão do movimento, princípio básico do audiovisual, é criada a partir da disposição rápida de fotos em sequência, que o cérebro só interpreta como movimento enquanto está sendo executado (a uma velocidade mínima). Assim, fora dessa disposição sequencial e rápida, o movimento não é criado e o cinema não se nos apresenta como tal.
            O cinema promove então uma desmaterialização profunda, visto que nem em seu suporte material, o filme, pode ser apreendido. Essa desmaterialização parece uma tendência que se acentua em tempos de digitalização avançada, mas as diferentes formas de apreensão artística continuarão as mesmas, independente do meio digital ou não, enquanto os canais sensoriais que cada dispositivo artístico solicita continuarem os mesmo, mantendo a hierarquia de materialidade das artes de agora.

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Martine Joly identifica diversos usos da palavra “imagem” e conclui, através de seu enfoque semiótico, que o que há de comum entre todos esses significados é a ideia de “imagem” como aquilo que se assemelha a outra coisa sem sê-la, uma representação e, portanto, um signo, capaz inclusive de confundir-se com seu referente (p. 43-4).
Henri Bergson estabeleceu uma definição de imagem enquanto representação que servisse à sua análise da percepção humana e da estrutura do universo. A princípio, a formulação é simples: “por ‘imagem’ entendemos [...] uma existência situada a meio caminho entre a ‘coisa’ e a representação’” (p. 11). Mais adiante no texto, a noção é desenvolvida (p. 33):

Bastaria que as imagens presentes fossem forçadas a abandonar algo delas mesmas para que sua simples presença as convertesse em representações. [...] Eu a converteria [a imagem presente] em representação se pudesse isolá-la, se pudesse sobretudo isolar seu invólucro. [...] O que é preciso para obter essa conversão não é iluminar o objeto, mas ao contrário obscurecer certos lados dele, diminuí-lo da maior parte de si mesmo...

No esquema holístico de Bergson, não existe separação real entre nenhum elemento, havendo ao contrário solidariedade entre eles. Uma imagem presente contém em si todas as outras e a operação de torná-la em imagem representável baseia-se em seu destacamento, criando cisão e esvaziamento arbitrários do elemento e seu contexto.
Tomando-se a ideia de imagem como representação e partindo do processo de subtração sugerido por Bergson, me pergunto o que foi perdido para que surgisse a imagem cinematográfica. Uma pergunta não muito difícil. Entretanto, uma passagem de André Bazin (p. 127) nos oferece uma resposta intrigante: “Só a objetiva nos dá do objeto uma imagem capaz de ‘desrecalcar’, no fundo do nosso inconsciente, esta necessidade de substituir o objeto por algo melhor que um decalque aproximado: o próprio objeto, porém liberado das contingências temporais.”
Na concepção de Bazin, a interferência humana é mínina no processo da fotografia; há uma crença na autonomia da “objetiva”. O objeto fotografado é “lacrado no instante”, “embalsamado”, já o objeto filmado atinge um novo patamar: a própria duração é embalsamada, “uma múmia da mutação” (p. 126). E, ainda, o papel da fotografia é a “revelação do real” (p. 127).
Na concepção baziniana, onde a imagem fotográfica possui uma ligação ontológica com o modelo, a apreensão do objeto em sua duração alça-o a uma nova dimensão. Apesar de identificar a necessidade humana da mimese como origem do realismo e um dos guias da arte ocidental, atingindo seu ápice com o cinema, Bazin faz crer que a essa necessidade cria um novo universo onde os objetos são liberados, vivendo sob um novo regime paradoxalmente mais autêntico.

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Fica claro em Agamben, Benjamin, Bazin e mesmo Bergson a identificação de um movimento humano em busca do mundo das representações que seria em si uma dimensão autônoma, mas ao mesmo tempo estranhamente similar ao dito mundo real. Agamben o diz da forma mais explícita, Benjamin na identificação da preferência da representação que imitaria a aura, Bazin na busca ocidental pelo realismo e pela captura libertadora do real e Bergson em sua identificação do corpo como objeto que cria representações através de sua subtração.
Arrisco dizer, portanto, que o movimento de fuga do real em direção à sua mimese – e, através dela, a uma nova dimensão – também tem o cinema como apogeu, a forma atualmente mais próxima no mundo ocidental da mítica estância. Acredito que isto se dá pela forte desmaterialização do cinema, por um lado, aliado a seu potencial mimético até agora inigualável, por outro. Este movimento duplo de desconstrução e reconstrução é baseado essencialmente na fuga para uma realidade incorpórea. Indo mais além, poderia afirmar se tratar de uma busca pelo inefável.
Deve-se a essa ampla competência do audiovisual para realizar ambos os movimentos a sua tão alardeada primazia no mundo contemporâneo. Como já muito se disse, o regime da palavra no universo ocidental foi substituído pelo da imagem, agora onipresente. Não é a toa que a publicidade valha-se principalmente da imagem estática e do audiovisual para promover a estetização dos produtos (agregação de valor simbólico) com bastante eficiência.
Isso também explica o lugar ocupado pelo cinema na arte e na história do século XX. Primeiro, sua parceria frutífera com as vanguardas do início do século, todas ou quase todas interessadas numa certa ação mental que fugia, ao menos minimamente, da materialidade como a conhecemos (do onirismo surrealista ao impressionismo sensorial francês, passando pelo futurismo e sua primazia da energia do movimento).
E, como discutiu Jacques Aumont em longo ensaio, o cinema foi a arte que melhor sobreviveu ao século XX no mundo ocidental, talvez disputando o primeiro lugar da lista com a música (com quem, aliás, teve frutífera relação em determinados momentos de sua história), mas certamente tirando parte do espaço antes destinado às artes plásticas, à pintura e ao teatro. Bastante popular no Ocidente e fora dele, é, segundo o autor, “a mais moderna das artes” (p. 121). Hoje em dia, o cinema enquanto dispositivo perde espaço apenas para o “cinema em casa” e a televisão, todos audiovisuais.

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            Dada a similaridade entre os mecanismos da melancolia e do cinema, nos resta indagar como se relacionam. Acredito que o cinema, pelos atributos que já discutimos, tem alto potencial de estimular um efeito melancólico nos indivíduos. Pode-se dizer, é verdade, que é o caso de toda a arte – talvez, em particular, da literatura. Mas nenhuma outra me parece povoar tão bem este limbo intangível como o cinema.
            Suponho que o cinema facilita nos espectadores o duplo movimento da melancolia, estimulando um nível imaginário, mimético e incorpóreo ao mesmo tempo em que dessignifica o mundo material. O que não necessariamente produz a melancolia, mas os efeitos de um de outro me parece diferenciar-se não em natureza, mas em grau.
Acredito que não cabe aqui discutir os efeitos da criação desse mundo imaginário como têm ocorrido, que envolve discussões sobre alienação, o papel da arte na sociedade e na formação moral, os efeitos da publicidade, entre outros assuntos.
Agamben relembra algo pouco comentado acerca da melancolia: sua dupla polaridade, podendo ser tanto positivo quanto negativo (p. 31-2), e assim acredito que possa ser o cinema: um refúgio para os que duvidam do sentido do mundo, mas também uma forma de perturbação para os que se sentem bem situados. E, em ambos os casos, os efeitos podem ser construtivos, como o foi para Pascal, ou nefastos.

Giorgio Agamben

Bibliografia:
Agamben, Giorgio: Estâncias - A palavra e o fantasma na cultura ocidental. Editora UFMG, 2007.
Aumont, Jacques: Moderne? – Comment le cinéma est devenu le plus singulier des arts. Cahiers do Cinémas, 2007.
Benjamin, Walter: Obras Escolhidas, vol.1 : Magia e técnica, arte e política. Editora Brasiliense, 3ª edição, 1987.
Bazin, André, no livro A Experiência do Cinema - Ismail Xavier (org.) Edições Graal, 2008.
Davidoff, Linda: Introdução à Psicologia. Pearson Education do Brasil, 3ª edição, 2006.
Bergson, Henri: Matéria e Memória. WMF Martins Fontes, 4ª edição, 2010.
Joly, Martine: Introducción al Análisis de la Imagem. La Marca Editora, 2ª edição, 2009.




[1] Davidoff, 164.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"Nostalgia e melancolia em alguns videoclipes", por Vinícius Gouveia


A nostalgia não está no objeto, está no sujeito que a enxerga através de ligações e sobreposições subjetivas. Temos a nostalgia como uma atribuição ativa, é de nós que ela parte, como defende Linda Hutcheon, “nostalgia is not something you “perceive” in a object; it is what you “feel” when two different temporal moments, past and present, come together for you and, often, carry considerable emotional weight”. Assim sendo, a nostalgia e melancolia interpretadas aqui são frutos de uma pesquisa guiada não apenas por leituras, mas também por fruições. Os videoclipes listados abaixo foram selecionados por fazerem parte de uma cultura de massa, a que comumente é vista na MTV e lojas que vendem desde roupas e instrumentos musicais a cadernos e chicletes. Não há por que basear este trabalho nas letras das músicas se utilizamos videoclipes, elas praticamente nem são levadas em consideração. Caso assim não fosse, dispensaríamos a parcela imagética e trataríamos apenas do som. O que interessa é a construção visual que, por acaso ou deliberadamente, dialogam com reflexões de caráter nostálgico ou melancólico.
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Helena, My Chemical Romance. Hit internacional, o videoclipe acompanha o protagonista enquanto ele vela sua amada, Helena, na igreja até o momento que o caixão dela é posto no carro funerário. Com um certo apelo à melancolia de mercado, sucesso durante a onda emocore, o protagonista chora pela morte de sua amada, o que tornou a união dos dois impossível. Ele acredita que aquele amor seria pleno se ela estivesse viva, mas a reciprocidade de Helena é desconhecida. Como aponta Agamben, utilizando as palavras de Freud, “...o sujeito se esquiva da realidade e se apega ao objeto perdido graças a uma psicose alucinatória do desejo”. O interminável lamento do protagonista é de fato melancólico, ele desenvolveu um fetiche, talvez mais na ideia do amor do que na garota, mas a algo ele se apegou. O caminho do desejo dele é cortado... E mesmo assim ele deseja ainda mais. O protagonista sente falta de algo que não existiu necessariamente – o amor correspondido de Helena... Mesmo assim, deseja tê-lo de volta. Deve ser por isso que tanto chora. Ele quer abraçar esse amor representado em Helena, mas não é possível. E o desejo do melancólico é guiado pela premissa de “só pode ser possuído se estiver perdido para sempre”. No clipe, embora óbvio, a morte seria o ponto final desse desejo, que, para o soturno rapaz, não cessou. O videoclipe se torna uma hipérbole do sentimento melancólico, que ainda hoje é vendido como algo cool. Coloquemos os excessos da representação de lado. No final das contas, o videoclipe Helena ainda é melancólico.
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Material Girl, Madonna. Numa referência clara ao número de Marilyn Monroe, Diamons Are A Girl’s Best Friend, Madonna construiu uma das músicas mais icônicas de sua carreira. Cada uma em seu momento, as duas platinadas saúdam o interesse feminino sobre os homens, de quem só querem dinheiro, jóias e futilidades. Há uma nostalgia graças ao resgate por parte do videoclipe.  Mas é uma nostalgia preocupada em acrescentar algo. Aquele momento histórico-social era outro, embora ainda inserido na cultura de massa, e Madonna utilizou o número feito por Marilyn para fortalecer a figura feminina. Essa foi uma forma de refletir o presente à luz do passado, sem cair numa Nostalgia Restauradora. (Até porque que nostalgia grupos minoritários podem ter em seus históricos marcados por opressões?) Pelo contrário, Madonna é responsável por uma Nostalgia Reflexiva por trazer lapsos e traços do passado à tona, mas não todo ele. Ela utiliza esse passado para engendrar o futuro. Ela saúda a independência feminina e torna os homens objetos, assim como as mulheres foram antes, em um projeto muito maior, que marcou seu início de carreira. O pastiche está presente à medida que Madonna recicla, num misto de crítica e afeto, Marilyn. O “démodé” e “ultrapassado” ganha ares contemporâneos novamente. E, ainda hoje, o estilo e as músicas das duas são reutilizados em filmes e em outros materiais audiovisuais.
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Time to Pretend, MGMT. Uma viagem psicodélica, com menções ao cristianismo e às comunidades tribais que primeiro habitaram o planeta. Com forte apelo visual, MGMT também lançou uma modinha, calcada numa retomada à psicodelia e hedonismo hippies ladeados por uma afinidade com a tecnologia – em músicas, em videoclipes, no nosso dia-a-dia. Mais um caso de Nostalgia Reflexiva, Time to Pretend se preocupa em retomar o que acha interessante do passado para tentar criar algo novo (visualmente e através do discurso). Dessa forma, ele alia uma aparência nostálgica (mas não um simulacro) ao passo que mantém uma criticidade contemporânea. Um antídoto para a teleologia, o videoclipe tem críticas explícitas ao culto do progresso capitalista, os personagens queimam dinheiro e se inserem numa espécie de comunidade tribal, renegando a sociedade contemporânea. A nostalgia é utilizada para criticar o presente a partir do passado – aqui idealizado como algo “libertador”. Este passado é convocado graças à insatisfação com o presente. Evoca-se o que já passou a fim de trazer o que ele tem de bom – no caso, uma ideologia hippie para construir uma melhor sociedade. Entretanto, diferente de outros casos, não vemos neste videoclipe uma idealização cega, seja na utopia do futuro ou na nostalgia do passado. Nota-se a articulação de temporalidades para gerar um melhor status quo, numa crítica jovem, porém ainda ingênua.
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Not Fair, Lily Allen. Num programa de auditório perdido no tempo, Lily Allen aparece para cantar com sua banda. Com uma estética retrô, o videoclipe gerou comentários positivos para a cantora, elogiada por trazer de volta um estilo cada vez mais esquecido. Ponto. Deixemos de lado o discurso da letra da música, que aqui pouco interessa. O videoclipe não passa de um simulacro de programas antigos e tem seu mérito de revival, como quem traz de volta aquela “velha modinha”. Sua estética tenta emular a matriz e a narrativa não avança um passo. Talvez Linda Hutcheon comentasse uma ironia entre o dito (letra da música) com o não dito (momento histórico-social onde o clipe parece se passar), mas se nos restringirmos à imagem, essa ironia também não existe. E, se falamos de Nostalgia, o videoclipe não passa de uma Nostalgia Restauradora que nada traz além de uma tentativa de lançar uma nova onda e torná-la outra mercadoria. Não que outros videoclipes aqui apontados não o façam, pelo contrário, videoclipes são mais uma forma de vender o cantor e suas músicas. Todos acabam por idealizar algo e fazer o espectador achar que viveu alguma coisa, ou tentar criar afinidade com o tema proposto. Mas, convenhamos, os outros trabalhos aqui listados mostraram propor algo mais que este. Não temos uma sobreposição de presente e passado de maneira crítica sem o auxílio da letra da música, tornando o videoclipe um mero retorno à determinada estética. Enquanto discurso visual, o videoclipe se mostra tão relevante quanto um almanaque de 1900 e alguma coisa.
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Remedy, Little Boots. O vocalista canta e dança enquanto toca teclado. Este é o clipe de I Just Can’t Get Enough, de Depeche Mode. Remedy, de Little Boots, segue o mesmo escopo. Também sem uma narrativa, este clipe traz uma nostalgia sínica, oferecendo ao espectador algum frescor do passado, mas sem nenhum mergulho. A estética e a ordem dos planos são muito parecidos, mas Little Boots prefere ter uma semelhança superficial com seus referenciais imagéticos e sonoros para manter sua aura contemporânea e “moderninha”. Afinal, usar uma caneta tinteiro pode ser cool, mas ainda é necessário mostrar que você tem um computador para escrever. Assim, Remedy é construído visualmente ostentando uma referência marcante, Depeche Mode, mas não larga seus utensílios e maneirismos tecnológicos próprios do século XXI. Ora, o que vemos é uma Nostalgia forçada, com pouco envolvimento emocional e nenhuma tentativa de esconder isso.
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Cool, Gwen Stefani.  Relembrar até o esgotamento é um exercício para exorcizar o passado e seguir adiante.  Mas o processo de tentar esquecer pode tornar-se uma triste atividade de rememoração. Assim, em Cool, Gwen Stefani recebe seu ex-namorado, acompanhado de sua noiva, e o ex-casal sofre do mesmo mal: a Nostalgia de relembrar o tempo que viveu junto, mas sem explicitar isso ao outro. A Nostalgia é forte nos cenários, objetos e figurinos, todos com ares retrô. Indo além, ela grita no ir e vir das temporalidades. Passado e presente são confrontados e o espectador fica na dúvida: há um sentimento restaurador ou reflexivo? A protagonista e seu ex-namorado lembram de bons momentos e trocam olhares, como se quisessem esconder algum carinho pelo outro que ainda resta e é proibido ser alimentado ou revivido. Ao mesmo tempo, eles mantém um sentimento por aquele passado, mas sabem que o tempo deles estarem juntos já acabou. É comum ao Nostálgico repensar as diversas opções e potencialidades de ações que teve na vida. Pensar, pensar de novo, repensar. Os protagonistas parecem estar dentro dessa atividade, se perguntando por que não deram certo, como teriam funcionado juntos por mais tempo e diversas perguntas começando por “e se...”. A tensão entre passado e presente deve ser a linha que guia a interpretação da Nostalgia. E, neste clipe, a resposta permanece uma incógnita. Poderíamos apontar uma essência na Nostalgia dos personagens, mas seria tal qual dizer se Capitu traiu Bentinho, ou não... Não passaria de especulações. Mas talvez outra pessoa ache clara a relação entre os personagens. O que vale em Cool é essa incerteza, ratificando a Nostalgia como sentimento, sensação, não como algo concreto.
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“Perhaps nostalgia is given surplus meaning and value at certain moments – milenial moments, like our own. Nostalgia, the media tell us, has become an obsession of both mass culture and high art. And they may be right, though some people feel the obsession is really the media’s obsession.”, defende Linda Hutcheon. A Nostalgia está presente no pastiche, na rememoração e vontade de voltar ao passado, na crítica aos dias de hoje.  Não há faixa etária que esteja livre dela, tendo vivido ou não aquele determinado passado. Se antes era interessante viver o presente em função do futuro, o período pós-utópico que vivemos hoje prefere a ambivalência da Nostalgia – o poder de ir e vir entre as temporalidades – do que a simples acusação de que algo é datado, em sua acepção negativa, a de que o passado é ruim. A saudade e a vontade de (re)viver o que não se alcança mais, afinal o tempo é irrecuperável, às vezes nos cegam e acabamos por idealizar determinadas épocas e momentos da história de nossas vidas ou da humanidade em detrimento a um presente que consideramos inadequado. A imaginação nostálgica na cultura contemporânea é muito forte, criando um “anseio por “dias melhores” que vai paralisando o presente”, aponta Angela Prysthon. Logo esse confronto entre presente e passado se torna produto de mercado e chega às fábricas. Os videoclipes se configuram dentre esses produtos feitos para alimentarem a Nostalgia e Melancolia dos consumidores, compostos principalmente pela camada jovem da sociedade. “Os artefatos dessa cultura e a sociabilidade sugerida pelo seu consumo revelam não necessariamente uma memória direta dos acontecimentos referidos ou a familiaridade com repertório citado; o que importa é, sobretudo, o afeto – seja por algo que foi efetivamente vivido ou por algo que esses jovens gostariam de ter vivido.”, esclarece Prysthon. Não entra aqui se a construção foi feita a fim de obter um respaldo financeiro, afinal clipes são produtos destinados ao consumo e promoção. O que refletimos é se a construção dessas Nostalgias e Melancolias nos videoclipes são a contento ou foram realizadas sem competência, tornando-se um produto com pseudo-conceito e uma profundidade nula. Sentimentos engolidos pela cultura de massa, tentou-se aqui levar tais conceitos a uma camada popular da arte, despindo-se de preconceitos e aceitando que o produto audiovisual tal qual ele se propõe.