quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

"A face de Cristo", por Diôgo Tálisson da Silva



Jesus Cristo é sem dúvida alguma um dos personagens mais intrigantes de toda a história literária. Isso não se deve apenas pelo seu caráter bondoso e compassivo ou por suas façanhas, seus diversos milagres. A agitação entorno da vida de Jesus é dada no momento em que este é apresentado pela bíblia não como um personagem fictício, e sim, algo concreto, que de fato existiu.

Se pensarmos bem, a própria bíblia traz como “marketing pessoal”, a ideia de que tudo o que relata é, de alguma maneira, verdadeiro, que em algum momento aquelas situações realmente aconteceram. E, mais do que tudo, lhe dar com o passado, que é entendido como algo real que já não existe, como a bíblia faz, é lhe dar com um tempo que por si só é estopim de muitos questionamentos e inquietações da mente humana. Saber que uma história realmente aconteceu faz com que haja uma maior aproximação das pessoas, já que há uma maior curiosidade com coisas que de alguma forma são mais táteis. Assim, pode-se dizer que personagens fictícios são respeitados por seu valor criativo, personagens reais são respeitados por seu valor histórico.

Jesus é um ser do passado, porém seu passado é isento de ferramentas que pudessem registrar a sua existência. Se ele tivesse nascido em 1895, talvez tivesse sido capturado pelas lentes da primeira câmera cinematográfica do mundo, ou mesmo um pouco mais atrás, a sua voz poderia ter sido gravada pelo o primeiro gravador de som, inventado por Thomas Edison, em 1860. Porém sabemos que ele nasceu, segundo a bíblia, há, no mínimo, dois mil anos atrás, bem distante de todo este aparatos modernos. Dessa forma, pela falta de equipamentos adequados, a figura de Cristo é criada, ou seja, uma imagem visual é criada pela nostalgia, um sentimento que busca reviver através da lembrança do passado coisas esquecidas ou adormecidas.

Contudo, o tipo de nostalgia que se emprega na criação imagética de Jesus é diferente. A nostalgia que
falamos geralmente o individuo precisa viver alguma coisa no passado para depois, no presente revivê-la. Então, como é possível a criação de um Jesus se, ao não ser pelas as pessoas do tempo em que viveu, nunca conhecemos ele de fato? Na  verdade, contrariando o parágrafo a cima, houve um registro da imagem de cristo, mais precisamente do seu rosto, o santo sudário (uma peça de linho que traz a imagem de um rosto de um homem). Porém, não podemos afirmar que o santo sudário realmente tenha a imagem de Jesus, poderia ter sido de qualquer outro homem. O que importa é que a partir desse objeto foram criadas muitas versões em pintura do rosto dele, todas elas criadas a partir de uma conformidade entre uma nostalgia necessária não vivida e de conceitos e convenções do povo europeu na época medieval e no renascimento, que eram ministrados, em sua grande maioria, pela igreja Católica.

Desde os primeiros trechos da bíblia em gênesis até os últimos em apocalipse, se fala entre bem e o mal, sobre uma diferença nítida entre eles. O bem, em suma, é tudo aquilo que traz coisas boas, que provoca bem estar e conforto, já o mal é o tudo que é contrário a isso. Assim, o bem e o mal se tornaram sinônimo de trevas e de luzes, o que paralelamente se simplificou ainda mais nas cores: a cor preta se tornou símbolo do mal e a cor branca símbolo do bem.

Com o tempo, esses conceitos foram se desfazendo, porém muitos sofreram com as definições simples, porém de grande impacto. Sabemos que muitas pessoas foram escravizadas simplesmente por possuírem a cor da pele escura, negra, sem direito algum de resposta, já que eram considerados inferiores a raça branca. Dessa forma, Jesus por ser o filho de Deus, um ser totalmente bondoso e justo, não poderia de forma alguma ter a cor da pele negra. O que se sabe é que, se realmente tivesse existido, ao menos que vivesse totalmente dentro de casa, o que é contrariado pela bíblia, Jesus no mínimo teria a pele bronzeada já que ele vivia em uma região muito seca e com muita incidência de raios solares.

Digamos que, mesmo que não tão evidentes, outros elementos do rosto de Jesus são influenciados pela cultura europeia. Por exemplo, a barba e os olhos de Jesus, para nós, pequenos detalhes, são obras de uma busca de afirmação daquilo que a igreja pregava e que a sociedade europeia cegamente seguia.
A barba, em diversas culturas, por existir apenas no homem, assim como também o pêlo no corpo, é associada a figura masculina. Jesus, por ser filho e não “filha de Deus” deveria ter alguma característica que assim o identificasse. A barba, para Jesus se torna então uma característica masculina que o deixa separado das mulheres, dando a ele um gênero. E como ele, segundo a bíblia é o Deus vivo, significa dizer que o próprio Deus é um homem. Se Deus é um homem e ele é tudo que é bom, por consequência, ainda que não interpretado dessa forma direta, a figura feminina, de certo modo, se torna uma representação digamos que mais voltada para o lado maligno. Na bíblia, isso é criado desde o início, com a criação de EVA. Em suma, uma simples barba rapidamente se torna um símbolo evidente de um machismo secular.

Os olhos verdes/azuis de Jesus seguem uma outra linha de pensamento, porém ainda ligados a uma ideia de santidade suprema de Jesus. Essas duas cores são ligadas a elementos naturais, como as plantas, os mares, o céu, etc. Assim,  por Deus está inteiramente ligado a natureza, Jesus possui os olhos coloridos com essas cores para que se note uma ligação direta entre pai e filho, ao mesmo tempo para que se produza uma ideia de que Jesus até, nos olhos possuí, conexão com Deus. Como dito em um expressão bastante conhecida “os olhos são a janela da alma”, certamente a alma de Jesus não poderia ter cores consideradas “impuras” como a cor negra por exemplo, ou amarelo, que ostenta a riqueza. O que de fato, evidencia a preocupação de tornar Jesus, em todos os aspectos, um ser isento de características consideradas ruins.

Essa ligação feita entre Jesus e a Europa pode parecer um pouco extremista, porém ao fazer uma análise mais cuidadosa do que ele era e de como sua imagem foi construída, se percebe que algumas coincidências não são simplesmente por acaso: Por a igreja católica ter sido estruturada e disseminada por toda a Europa e por ela ter possuído, em épocas decisivas para criação de diversos elementos visuais, grande influência na vida das pessoas, consequentemente na vida de muitos artistas, muitas estruturas de valores preconceituosos foram empregadas na figura de Jesus, um ser, que supostamente deveria ser desprovido de qualquer significação negativa. A sua imagem atual o traz, de certa forma, como um ser a parte de muitas culturas, o que provoca um certo sentimento de afastamento. Se ao invés da Europa, por exemplo, a África tivesse a missão de produzir imagens de Jesus e disseminá-las, muito provavelmente Jesus teria outras característica físicas, assim como aconteceria em outras regiões do planeta. A imagem de Jesus, na verdade é produto de uma sociedade muito bem organizada e estruturada economicamente e politicamente, porém cheia de preconceitos. A face de Jesus é a face Europeia. A face de Jesus é a face da igreja. A face de Jesus não é a face do mundo.

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