terça-feira, 16 de novembro de 2010
Visualidades pré-concebidas/mitificação de imagens, por Douglas Deó Ribeiro
O primeiro contato com algumas das produções humanas consideradas mais universais e absolutas se dá ainda na escola. Imagens de pinturas clássicas e outras obras fundamentais da arte já vem estampadas nos livros de historia, literatura e artes e cria-se, desde cedo, inconscientemente, uma relação de intimidade com diversos artistas canônicos, em particular do ocidente.
Esses contatos visuais precoces, mesmo quando não valorizados, traduzem-se numa familiaridade que parece, a uma primeira análise, negar o conceito benjaminiano de aura das obras de arte, segundo o qual as obras marcadas pela reprodutibilidade técnica carecem dessa posse abstrata que reside num quadro de Portinari e na Vitória de Samotrácia, por exemplo, e que retira de qualquer cópia o valor de ‘obra de arte’. Ora, se um estudante primário brasileiro sabe identificar a ‘Monalisa’ em qualquer lugar do mundo sem nuca ter visto a que foi tocada pelas mãos de Da Vinci; se, mais ainda, consegue encontrar em algum site tal imagem ampliada e explicada em seus mínimos detalhes, que diferença haverá em encontrar-se diante da obra original?
Parece simples assim, mas um olhar mais arguto perceberá que mesmo que se tenha decoradas as nuances pigmentares de cada milímetro da ‘Abaporu’, esse conhecimento prévio da obra – visual e conceitual simultaneamente – parece reforçar ainda mais a noção de aura do objeto primeiro. Não fosse assim, porque haveria as incessantes peregrinações turísticas para os diversos museus, igrejas e outros refúgios dos tais cânones, peregrinações que anseiam, quase cem anos depois de Benjamim, sentir o aroma da tal aura que só o original tem?
Tal anseio nasce, talvez, mais de uma esfera metafísica do que propriamente visual. É claro que há certos nuances e texturas de uma pintura ou trincados de uma escultura que só serão percebidos numa contemplação presencial, mas a ideia de que tal ou tal obra foi tocada pelas mãos de um gênio ou de alguém famoso faz com que o espectador, num momento único, quando postado diante da materialidade sobre a qual tanto ouviu falar e pensou, sinta-se transportado para junto do artista, naquele momento criador hoje perdido no tempo. Isso não faz da contemplação presencial uma necessidade, não minora o conhecimento prévio e distante das obras; isso apenas existe. A imagem torna-se mito porque é o palpável que restou de um momento mítico de uma existência mítica – o momento criador. E mitos não são mais que construções histórica e culturalmente fundamentadas – portanto a aura, que parece, a uma primeira vista, o espírito residente na obra, não passa de uma imposição do espectador, porta-voz da sociedade.
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