Do
físico ao psicológico
Quando
se fala em grotesco logo nos vem à cabeça imagens de verdadeiro terror ou
figuras que causam asco e repúdio. De fato, dentre seus diferentes conceitos,
grotesco pode ser definido como uma deformação da beleza, uma irregularidade da
natureza, um corpo estranho em um mundo num qual para tudo existem padrões. Sendo
assim, ótimos exemplos do que seria um ser grotesco são os vampiros,
lobisomens, bestas feras, em outras palavras, os monstros que habitam o mais
fantasioso do imaginário humano. O Nosferatu (Nosferatu de F.W. Murnau, 1922), com suas unhas imensas, seu grande
e pontudo nariz, suas grossas sobrancelhas sobre seus olhos arregalados, é um
perfeito exemplo de personagem grotesco dentro de tais termos. Percebe-se que o
grotesco está associado à aparência do ser, aos seus traços que fogem do padrão
estabelecido como “belo” ou mesmo como “natural”; o termo grotesco acaba sempre
sendo envolvido com o aspecto físico. Quando se pensa em arte grotesca as
referências, de literárias a cinematográficas, são sempre aquelas que
apresentam a deformação do corpo ou da forma. Mas e se pensássemos em um
grotesco psicológico? E se deixássemos a forma física de lado? Onde estariam
nossas referências artísticas?
Entendendo
o grotesco como aquilo que foge dos moldes compreendidos e aceitos pela
sociedade, podemos encontrar algo de grotesco psicológico nos contos de Edgar
Allan Poe, por exemplo. Os personagens de Poe não são propriamente deformados,
mas seus atos, suas vontades e seus pensamentos são tão perturbadores e
desagradáveis quanto o assustador Conde Drácula criado por Bram Stoker. Porém,
é nas telas, tanto a da televisão quanto a do cinema, que a identificação do
“grotesco psicológico” se torna ainda mais interessante; como meios de
comunicação de massa, a televisão e o cinema funcionam como indicadores
sociais; a partir deles é possível identificar características e valores
sociais vigentes. São personagens como Dexter Morgan, da série Dexter, e Gru, do filme Meu Malvado Favorito, que representam o
grotesco pelo seu caráter de ser malvado. São eles os vilões, mais precisamente
anti-heróis, capazes de cometer verdadeiros crimes, e assassinatos como no caso
de Dexter Morgan, e que, ainda assim, também conseguem cativar o público.
Empatia
pelo monstro
Não
é que a sociedade pós-moderna esteja repleta de psicopatas e criminosos, os
personagens citados não são espelhos sociais, mas são sim forma de
identificação. O que acontece na pós-modernidade é que há uma tendência ao
grotesco psicológico. Os personagens pós-modernos não são puramente grotescos,
se classificarmos o grotesco como uma deformação tão distante que é incapaz de
ser humanizada. Mas quando aqui se coloca o personagem pós-moderno grotesco,
trata-se daquele que sofre mudanças dentro da própria trama, trata-se do
“monstro” que busca a humanização de forma consciente ou inconsciente. Ou seja,
esse personagem grotesco é um ser ambíguo, sendo, então, mais real do que
aqueles personagens que são puramente “belos”, bonzinhos, esse grotesco está em
constante mudança, ele nunca é totalmente mal ou totalmente bom.
Mas
também é importante pensar as identidades como um fluxo em constante mudança e
não como elementos fixos e inertes, ou seja, essencialmente sagradas ou
profanas. Assim como Heráclito pensou a pluralidade e mutabilidade do mundo e
no devir a partir de choques de realidades contrárias que causavam harmonia,
não há possibilidade de pensar em algo especificamente sagrado ou naturalmente
profano, pois as realidades são contraditórias e fluidas. A essência de uma
identidade não existe, o que há é o simbólico e a representação sobre esta.
(BRASILIENSE, 2009, p. 12)
Esses
monstros pós-modernos, por serem mais realistas, representam o ser humano de
uma forma mais complexa e, assim, mais completa. Sendo assim, é mais fácil que
o espectador se identifique com o personagem Dexter Morgan ou o Gru, que tem
sentimentos bons e ruins e vivem incertezas humanas entre o bem e o mal do que
se identifique com algum dos príncipes encantados da Disney.
[...]
despertam a ideia de proximidade de uma maldade que não só pode aparecer em
qualquer ser humano, dentro da sua própria casa, mas também pode ser reconhecida dentro de cada um
de nós. Todos nós temos, em tese, um Dexter
que pode ser despertado para causar o horror, embora geralmente só se
reconheça esse monstro no outro, naquilo que está fora de nós mesmos [...]
(BRASILIENSE, 2009, p. 4)
Por
mais perturbadores e desagradáveis que esses personagens, aqui classificados
como grotescos, sejam, são eles que chamam a atenção e os olhares de nós, os
seres pós-modernos, que já cansamos do maniqueísmo e do extremo fantasioso. O
grotesco acaba se aproximando mais da realidade do que aquilo que se
convencionou chamar de clássico.
REFERÊNCIAS
BRASILIENSE, Danielle R. Os sentidos
midiáticos da ordem e da monstruosidade em Dexter. In Revista da Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós,
Brasília, v.12, n.3, set./dez. 2009.
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