quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

"Zines, espaços midiáticos e suas relações", por Antônio Souza


Kindle, Kobo, iPad, entre outros, são apenas alguns dos inúmeros dispositivos que se tem hoje disponíveis para a leitura de livros, revistas e jornais. Devido a isso, o mercado editorial impresso atual se utiliza constantemente de diferentes recursos interativos para manutenção de seu público fiel e obtenção de novos consumidores, que já nasceram na era touch screen.
Entretanto, em meio a tantas reformulações e visões apocalípticas sobre o futuro dos impressos, os fanzines vivem, resistem e até se expandem, contrariando as expectativas daqueles que negam a sobrevivência do artesanal frente ao digital. Zines, para os mais íntimos, são publicações independentes, sem algum rigor técnico ou formal, com a origem geralmente associada ao movimento punk dos anos 70. Nessa época, esses livretos serviam de ferramentas responsáveis por disseminar os ideais políticos, estéticos e culturais dessa contracultura subversiva.

Aliada a essa veia ideológica, a estética predominante na produção dos zines e, consequentemente, na identificação de um produto editorial como tal, é a Do It Yourself, o que tornava aquele impresso único, desligado de uma preocupação midiática de massa, uma arma de guerrilha.

Um exemplo disso pode ser visto no curta-metragem "Braxília", de Danyella Proença, que narra a história dos livretinhos do poeta Nicolas Behr, que os produzia extremamente autoral, do conteúdo à forma, com suas poesias e ilustrações sobre uma utópica Brasília (ou Braxília?).

Em Pernambuco, existe uma tradição zineira, sobretudo de zines vindos do punk, como o clássico "Recifezes". Todavia, os conteúdos encontrados nos zines foram se diversificando com críticas literárias, informativos satíricos e quadrinhos.
No filme " A febre do rato", de Cláudio Assis, o personagem Zizo, inspirado no poeta recifense de mesmo nome, encontra na linguagem do zine a maneira de veicular seus ideais. Hoje, entre tantos illustrators, photoshops e recursos digitais gráficos, Zizo continua fazendo seus tabloides manualmente, com colagens, recortes e, claro, muita xerox. Xerox essa que foi ganhando novas utilizações mundo a fora, após os experimentos com fotocópias de Paulo Bruscky, que é, sem dúvidas, expoente mundial da arte-xerox.

Desse movimento estético, vários zineiros engrenaram suas produções, como é o caso de Camilo Maia, designer e fundador da editora Livrinho de Papel Finíssimo, que tem ajudado a promover esse tipo de trabalho autoral na cidade do Recife, promovendo feiras de trocas de zines, e desmistificando essa "coisa" do livro convencional, sem depender dos mecanismos de reprodução e legitimação editorial das grandes editoras e dos esquemas convencionais e elitistas de sucesso.

Além disso, Camilo ainda é disseminador da cultura dos zines por meio de oficinas, como a “Zine Arte Xerox” que aconteceu em 2011, durante a Virada Multicultural do Recife. Na ocasião, o zineiro instruiu um grupo de estudantes e profissionais de jornalismo, fotografia, design e afins. Grupo esse que produziu o "Xerada = xerox+virada", uma publicação alternativa sobre o evento que acontecia no Recife, focando em notícias que não circulavam na grande mídia. Um ano depois, parte do grupo voltou a se reunir e criou o zine "Vanguarda Chuva", que mescla em sua produção a utilização de softwares de diagramação e manipulação de imagens, sem deixar de lado as possibilidades que uma fotocopiadora permite, com a criatividade da arte-xerox. Ou seja, os zines vão se reinventando, de acordo com o contexto o qual se insere.

As provas de que a efervescência e a vivacidade dos zines estão em alta não são encontradas apenas em Recife. Em São Paulo, por exemplo, aconteceu em 2013 a primeira Feira Plana, no Museu da Imagem e do Som, que reuniu editoras independentes, fictícias, artistas, coletivos e muitos zines de vários cantos do Brasil e da América Latina. Foram mais de 80 expositores, e o público de colecionadores e ativistas da cultura independente passou dos 3000. Além disso, a Feira Plana ainda foi a única representante brasileira de zines na NY Art Book Fair, que aconteceu no MoMA.



Por esses exemplos, nota-se que pelo espaço tomado e consolidado, os zines adquirem hoje um patamar distinto das produções editoriais tradicionais, e devido a seu fator estético do "Faça Você Mesmo", junto com a valorização do manual - mesmo em casos de utilizar fotocopiadoras e conseguir médias tiragens-, vai se encaixando em setores entre a arte e o design, superando o sentido revolucionário inicial e se tornando uma experiência gráfica, visual e tátil dentro de um mundo excessivamente touch screen.

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