quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

"A Sagração da Primavera", por Jyan Carlos


Spring break é um pequeno recesso logo no início da primavera no hemisfério norte, especificamente nos Estados Unidos e em algumas partes do Canadá. O filme de Harmony Korine, diretor de Gummo (1997) e Julien Donkey-Boy (1999), explora mais uma vez o sedutor universo adolescente em Spring Breakers (Estados Unidos, 2012, 94 min).

Num misto de filme de gangster e conto de fadas da Disney – com suas “musas infantis”: Selena Gomez e Vanessa Hudgens, além da atriz da aclamada série adolescente Pretty Little Liars Ashley Benson como protagonistas, o filme de Korine explode em sensações e biquínis mínimos, num recorte do que os puritanos e conservadores americanos desdenham e repulsam em sua própria cultura, talvez precursora de uma tendência mundial iniciada nos anos 1960: amor livre, sexo e drogas.

Korine conta a história de quatro garotas: Faith, Candy, Brit e Cotty – interpretada pela mulher do diretor, Rachel Korine – melhores amigas desde o ensino fundamental que querem um pouco de aventura. Elas decidem juntar dinheiro para ir ao spring break e terem a melhor experiência de suas vidas. Quando chegam ao local, elas encontram um mundo alucinante regado a álcool, drogas e sexo, onde conhecem também um traficante de drogas, Alien – incrivelmente interpretado por James Franco – que mudará pra sempre suas vidas.

 A câmera de Korine viaja entre corpos seminus, pontuando seu gosto por essa cultura niilista e hedonista tão cultuada pelos adolescentes: da voz over de Faith descrevendo sua experiência sensorial com aquele momento em comunhão com suas melhores amigas, a diálogos que descascam o que a sociedade americana tem de mais podre, no sentido da moral e bons costumes, o diretor costura sua história seguindo as protagonistas, fazendo com que o espectador não consiga desviar sua atenção ou tirar os olhos da volúpia incorrigível, quase felliniana daquelas garotas e do que elas são capazes de fazer para se satisfazer.

A trama também vem carregada de pastiche aos filmes de gangster na figura do personagem de James Franco: Alien, um traficante de drogas que tira as garotas da prisão e passa a se envolver com todas elas. Franco interpreta essa figura quase lendária, pautada sobre seus gostos extravagantes, como sua casa, ou mesmo sua “erudição” ao tocar no piano a música Everytime da diva pop Britney Spears, onde ele inclusive diz que Britney é a “maior artista de todos os tempos”.

É interessante a construção desses personagens, desde a escolha do elenco da intrigante obssessão pelas Princesas Disney, colocando-as em papeis altamente sexualizados, transformando-as de queridinhas do público infanto-juvenil em garotas malvadas, perigosas e sensuais, nessa transição de adolescência pra vida adulta. Deliberadamente, o diretor flerta fortemente com o gosto camp associado ao que vemos em termos de direção de arte, retomando aqui a casa de Alien onde existem objetos bizarros, uma cama com luzes brilhantes, suas armas expostas na parede, o piano branco perto da piscina, até o figurino e visagismo dos personagens: as garotas sempre em roupas curtas, biquínis, associando-as a marcas populares (Nike, Vans, Havaianas), até mesmo a imagem ou “estigma” das atrizes serem Princesas Disney, além de colocá-las em situações que a grande maioria do público acharia bizarras ou inverossímeis – a cena final onde elas partem para o “combate” vestidas apenas de biquínis e máscaras e armadas com metralhadoras.

Spring Breakers é um relato alucinante, quase viciante de um mundo partido entre a chocante realidade escapista e incompreendida dos adolescentes, e a realidade tão próxima, tão palpável dessas relações pouco exploradas, pouco explicadas, seja na ficção – incluindo aqui também a literatura com o hype relativamente recente da série Twilight por Stephanie Meyer ou a música com diversas boy bands como One Direction e os coreanos da Super Junior, ou o ídolo teen Justin Bieber – ou na realidade onde vemos pais sem saber o que fazer com seus filhos.


Em suma, o filme de Harmony Korine nos oferece uma visão verossímil mas ainda assim surreal em seus personagens com cores pulsantes procurando pelo significado de viver, ou viver intensamente, ou procurando significado nenhum, apenas fazendo o que querem, quando querem, como qualquer adolescente. 

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