quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

"Jogos Vorazes: A Capital", por Cesar Castanha


Em uma espécie de América pós-apocalíptica, treze distritos subservientes — cada um com uma função industrial específica — se rebelam contra a autoritária Capital. Com a revolução esmagada, a punição exige que cada um dos doze distritos restantes sacrifique anualmente um casal de adolescentes para um duelo sádico que permite apenas um sobrevivente. Até que uma ameaça de suicídio romântico em um desses ditos jogos desencadeia um fervor social que aparentemente carregará a saga Jogos Vorazes até seu climax.
Indiscutivelmente, é mais uma adaptação de série literária juvenil feita para encher sem dificuldades os bolsos de Hollywood. Alguns já torcem o nariz a partir daí, outros esperam até descobrir que a premissa é esmagadoramente semelhante à cultuada produção japonesa Battle Royale (Kinji Fukasaku, 2000). É possível, no entanto, e com o cinismo de lado, que apesar das evidências Jogos Vorazes seja, imagine só, bem original.

É difícil se livrar da impressão de ingenuidade política. O Estado autoritário pós-apocalíptico tem presença forte na literatura mainstream desde George Orwell ou antes. Ele sempre faz um bocado de coisas grotescas, seja encher o mundo de câmeras de segurança, queimar todos os livros ou impedir a concepção humana natural. Recentemente, o péssimo Elysium (Neill Blomkamp, 2013) deixou a Terra para os pobres e mandou os ricos para um satélite onde eles poderiam falar francês e ser curados do câncer sem ninguém para lhes pertubar pedindo esmola. A indignação humana com essa desigualdade óbvia é comum, batida, ingênua e hipócrita, assim como o tom revolucionário que parte de protagonistas carismáticos.
Jogos Vorazes vai um pouco além desses seus tantos antecessores. Em determinado aspecto, talvez até involuntariamente, o filme se denuncia um fruto claro do momento estético em que surge. A crítica não é voltada apenas para um hipotético Estado autoritário, mas também para um não tão hipotético assim Estado afetado.

A Capital é um monstro colorido em glitter e perucas assustadoras. Seus habitantes parecem saídos de um livro do Dr. Seuss. Eles berram em excitação, riem histericamente de absolutamente tudo e aplaudem com ânimo todos os pupilos que entusiasmadamente mandam para a morte. Os Jogos Vorazes pelos quais torcem são uma consequência óbvia dessa afetação, dessa sociedade de cores espetaculares. Sangue! Amor! Traição! Os exageros são parte essencial do espetáculo.

E em que tempo mais isso poderia ter sido baseado que não neste? A referência não é ao nazi-fascismo ou ao socialismo stalinista, mas às sandálias infantis que brilham no escuro, à primeira-dama que entrega um Oscar, ao programa de entrevistas levado aos pulos e gritos, às manchetes superlativas que levam a uma lista de .gifs.

Não se trata também de criar um maniqueísmo em torno desse universo de brilho intenso. Nem este texto nem, imagino, Jogos Vorazes são um ataque à afetação midiática que toma o mundo. Ainda assim, a sátira é divertida e cumpre sua função nesse imaginário específico. Além do que nos permite ver Elizabeth Banks neste modelito.

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