quarta-feira, 29 de agosto de 2007

"Cultura pop e prom queens" por Paulo Azevedo


A relação entre a cultura midiática, a construção da identidade dos jovens e sua auto-representação na mídia – o discurso da popularidade.






Elas estão presentes em quase todos os filmes pop-teen-clichê-viciantes que são produzidos nos Estados Unidos. Essa divulgação massiva já garantiu a vida financeira, social e alcoólica de Lindsay Lohan como também o pavor de muitas pessoas em relação à atriz Sissy Spacek – Carrie, a estranha. O que há de comum entre essas duas? Ambas foram prom queens em dois “clássicos” cinematográficos da cultura pop... Ou rainhas do baile, simplesmente.
Os dois filmes protagonizados pelas duas atrizes – Meninas Malvadas (2004) e Carrie, a estranha (1976) – podem, a princípio, parecer bem diferentes. Mas os seus pontos em comum, e entre tantas outras produções cinematográficas americanas, é a ambientação da história: o High School, algo parecido com o Ensino Médio brasileiro.
Parecido, apenas, porque, principalmente nos teen movies, todas as frustrações, dúvidas e desafios da adolescência são superpotencializados. São várias as produções midiáticas que deixam clara essa difícil relação do adolescente norte-americano com a vida social escolar; a necessidade de auto-afirmação, de sensação de pertencimento a um grupo, de reconhecimento social, tudo é mediado pelas relações com os outros adolescentes da escola.
Todos esses objetivos de realização pessoal são, muitas vezes, canalizados numa situação social específica, a popularidade. Na mídia, a forma mais fácil de traduzir a mensagem de popularidade, principalmente nos meios audiovisuais, é o momento de coroação do rei e da rainha do baile de formatura.
Nas histórias dos filmes anteriormente citados, percebe-se que os protagonistas começaram a história sem fazer parte do grupo seleto de pessoas populares da escola. O papel de Lindsay Lohan em Meninas Malvadas é a de uma garota recém chegada da África e que estudou a vida inteira com os pais, nunca tinha ido à escola. Já a personagem de Sissy Spacek era uma garota com poderes sobrenaturais e vítima de uma mãe fanática religiosa que queria que sua filha tivesse uma vida social nula. As duas parecem estar condenadas à marginalidade social escolar.
É isso que acontece com ambas no decorrer dos dois filmes, a situação de não-popularidade é claramente associada à postura inicialmente passiva com a qual as duas personagens enfrentam seus problemas pessoais. Ao passo que elas conseguem destruir barreiras da vida social adolescente, elas vão ficando mais populares.
A prova final que elas realmente deixaram de ser losers, excluídas e deslocadas, e agora podem ser admiradas por toda a escola é a coroação de rainha do baile, ambas se tornam prom queens. A diferença na coroação das duas se dá na justificação do acontecimento. A personagem de Lindsay Lohan, Cady, é escolhida rainha para mostrar para todos que ela é uma menina boa que conseguiu ganhar das meninas malvadas; já a personagem de Sissy, Carrie, é escolhida como exemplo do tipo de pessoa que nunca deveria ter sido escolhida rainha do baile, baseada numa trama armada pela menina realmente popular da escola para acabar com a reputação de Carrie.
As conseqüências dessas coroações também são diferentes, enquanto Cady divide a sua coroa com as outras meninas da escola, executando um discurso quase emocionante de “como todas as garotas são especiais do seu jeito particular”, Carrie, depois de tomar um banho de sangue de porco, resolve matar todos os seus colegas com seus poderes psíquicos, destruindo a quadra da escola.
Não sabendo o que é mais trágico, se é o discurso de uma ou a revolta pós-frustração social da outra, fica claro o poder simbólico que a rainha do baile possui. É a expressão máxima da legitimidade social de qualquer high school americano.
Logicamente, existe o argumento de que, na verdade, toda essa história de popularidade é inventada pela indústria cultural para incentivar a idéia de consumo na cabeça dos jovens, já que os personagens estão diretamente ligados à moda, tecnologia, música e todos os ícones consumistas a eles associados. De fato, esse argumento tem fundamento, mas não quero me prolongar nessa discussão.
O meu foco será no próprio jovem e na sua auto-representação na mídia. Independentemente da interferência ou não da idéia de consumo na produção da indústria cultural americana, vou me aprofundar na relação dialética mantida entre os adolescentes de verdade e a mídia. Um esquema linear dessa relação seria o descrito a seguir:
Cultura consumista americana de valorização da beleza e estética >
> Filmes de cultura pop com coroação de rainhas do baile >
> Afirmação da ligação entre prom queens e popularidade >
> Representação do jovem na mídia (Programa Made MTV) >
> Re-afirmação da necessidade de popularidade, agora advinda do discurso dos próprios adolescentes.

O programa Made MTV foi criado em conseqüência da interferência da cultura pop e da cybercultura no cotidiano dos adolescentes. A cultura pop influenciou os adolescentes que, com a ferramenta da internet, puderam criar avatares, personagens virtuais, do jeito que mais lhes conviesse. Se por um lado a identidade estava fragmentada, já que cada um poderia ser o que quisesse, por outro lado, foram criadas ferramentas para a afirmação dessa mesma identidade. Nas comunidades virtuais, como o orkut, por exemplo, você pode mentir sobre si mesmo, mas vai acabar criando um personagem e ele vai ser moldado por símbolos que são transmitidos pela mídia. Mais do que nunca, o conceito de identidade pós-moderna de Stuart Hall faz sentido:
A identidade plenamente identificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente (HALL, 2002)

As roupas que você usa, seu gosto musical, suas fotos editadas no Photoshop, sem espinha nenhuma. Essa é a sua nova identidade recém criada, tarefa relativamente fácil se você domina os programas de computador e assiste MTV. No programa Made, diferentemente, a nova identidade não é alcançada tão facilmente. Ela vai ser construída no mundo real, com desafios reais e pessoas reais. Totalmente diferente do mundo virtual fisicamente indolor.
O programa começa com o apelo de algum jovem norte-americano que está insatisfeito com sua identidade e quer trocá-la por uma nova. A grande maioria desses adolescentes está motivada pela necessidade de auto-afirmação, comum a todos os jovens, mas, nesse caso específico, fortemente influenciada pela indústria cultural. É um reality show que se apropria de sujeitos reais com necessidades reais e objetivos também reais. No entanto, as suas motivações são bem mais subjetivas que suas necessidades ou objetivos.
O jovem manda uma carta dizendo que quer ser moldado, no que quer ser moldado e porque quer ser moldado. Logicamente, muitos desses quase personagens querem ser transformados em reis e rainhas do baile de formatura, assim como nos filmes descritos no começo deste ensaio, como um processo de preparação para a aceitação e o reconhecimento social.
O treinamento dura semanas, os jovens aprendem a falar em público, a fazer novos amigos, a comer melhor, fazer exercícios, abrir mão de antigos hábitos e antigos amigos. No fim, eles geralmente falam sobre como ficaram felizes depois de todo esse processo, de como é bom o sentimento de superação. Sem, definitivamente, fazer julgamento de valores, o jovem do final é uma pessoa diferente do jovem do começo, com uma identidade nova.
O que será que motiva esse jovem a perder quase que integralmente sua identidade, seus gostos, costumes, amigos, etc., em função de uma popularidade e aceitação do grupo maior do seu high school? Claro que muito disso é da cultura norte-americana de competitividade, admiração, consumo.
Contudo, o que acontece, de fato, é que esses jovens estão sendo fortemente influenciados pela mídia, ao mesmo tempo que esse comportamento diferenciado influencia a indústria cultural. Esse processo não é recente. O conceito de popularidade associado à felicidade já vem sendo mostrado na mídia desde o começo dos anos 90, ao menos de forma massiva, e com referências ainda mais antigas na história do cinema.
Além dos citados no começo, outros títulos influenciam o comportamento dos adolescentes em relação à popularidade. Ela é demais (1999) é talvez o filme que retrate de forma mais óbvia a importância da rainha do baile. O filme conta a história do adolescente mais popular de algum high school americano que é desafiado por seus amigos a fazer alguma menina deslocada virar prom queen. Depois de levar um fora de sua namorada, o personagem de Freddie Prinze Jr., Zach, afirma que consegue transformar qualquer menina da escola em rainha do baile, a escolhida é a personagem de Rachael Leigh Cook, Laney, uma quase artista plástica, desengonçada e que usa rabo de cavalo.
Por trás da história de amor que se desenvolve entre os dois protagonistas, fica explícita no filme a mensagem da necessidade de afirmação social do jovem. Zach só poderia ficar com Laney se ela fosse a rainha do baile, o que a legitimaria como uma pessoa legal e que teria reconhecimento e aprovação por parte dos outros alunos da escola. Mais que isso, o casal só seria feliz se ambos fossem coroados no baile de formatura, o que traria uma conseqüente popularidade.
Essa legitimação é a mesma buscada pelos jovens que procuram o programa Made da MTV americana. Influenciadas por essas histórias do cinema, muitas adolescentes que não se encaixam no estereótipo de garota popular apelam para essa alternativa em busca de auto-afirmação.
Sejam elas tímidas, espalhafatosas, desengonçadas ou gordinhas, todas nutrem esperanças de subir no palco e receber a coroa na formatura. Não simplesmente pela coroa, muito menos pelo palco, mas pela mudança de vida que aquele momento pode trazer, pela nova oportunidade de ser aceita. Não importa por quais tipos de desconstrução de identidade elas vão ter que passar. O que mais importa é o ideal de garota popular, aquele afirmado pela mídia, seja no cinema ou na televisão.
Por mais que o programa Made MTV seja protagonizado por pessoas reais com desejos reais, essa não é uma auto-representação do adolescente na mídia. Além de ter um programa produzido por pessoas não necessariamente jovens, e que tendem a apoiar o discurso de consumismo, os jovens que aparecem são exemplos dos mais influenciados pelos produtos da indústria cultural.
Além disso, vale salientar que aquilo que tem espaço na mídia, só o tem porque existe uma demanda. Todos os episódios do Made MTV, programa teoricamente produzido para dar voz ao jovem, servem, também, assim como os filmes, como subsídio para a criação de uma espécie de imaginário sobre a popularidade e a realização pessoal.
No fim das contas, parece-me que o esquema linear da relação dialética do jovem com a mídia faz mesmo sentido. No entanto, o ponto final no último argumento nele citado não deve ser considerado, pois ninguém pode prever o fim dessa relação conturbada.
A idéia saiu do cotidiano para o cinema, foi do cinema para a internet, voltou para o cotidiano, foi para a televisão, não necessariamente nessa ordem, não necessariamente em ordem nenhuma. Por mais que sejam facilmente identificáveis quatro pilares de sustentação desse discurso (cultura do high school, televisão, cinema e internet), não se pode excluir outras influências, muito menos determinar quem tem mais poder de influência.














Referências Bibliográficas

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro - 7ª edição. Editora DP&A. São Paulo 2002.

FREIRE FILHO, João. Formas e normas da adolescência e da juventude na mídia. In: Freire Filho, João; Vaz, Paulo. (Org.). Construções do tempo e do outro: representações e discursos midiáticos sobre a alteridade. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006, v. p. 37-64.

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