“E, se todos aderiam ferozmente a um grupo, a questão mais premente era saber qual seria o seu grupo.” Se uma única frase tivesse que ser escolhida para dar o espírito do Álbum Negro, segundo romance do paquistanês Hanif Kureishi, com certeza essa seria a escolhida. Definitivamente, o livro é uma narração sobre as experimentações de um jovem em busca de suas identidades – sexual, religiosa, cultural, política, nacional.
Com linguagem leve, narração envolvente e várias doses do humor ácido tipicamente britânico, Kureishi narra o processo adolescente e sempre doloroso de se colocar no mundo. A conquista da independência, a faculdade, as escolhas, as paixões e a criação de uma crença independente dos pais. Seria uma história comum, divertida, mas comum: já esteve em Caulfield, jovem que virou símbolo de uma geração a partir do livro de Salinger, nos adultos adolescentes e amantes da cultura pop de Nick Hornby, na geração transviada de Irvine Welsh.
O diferencial, no caso, é que, além de adolescente, o personagem principal, Shahid, é árabe na multicultural Inglaterra. Shahid lida com a adolescência enquanto se esquiva entre suas referências de música pop, a apimentada comida indiana, as drogas e o fundamentalismo religioso. O jovem descendente de paquistaneses se vê dividido entre o mundo de diversão que acabou de descobrir com sua professora e amante Deedee Osgood e entre o primeiro grupo onde consegue se sentir aceito, cujo mentor intelectual é o seu vizinho no prédio da faculdade, o fundamentalista Riaz.
Ao sair para estudar, ficando longe da casa dos pais pela primeira vez, Shahid sai em busca da liberdade que nunca teve. Liberdade é inseparável da autonomia e identidade, e é isso justamente isso o que mais preocupa o jovem. A sua família é ambígua e parece ter se inserido dentro da alta sociedade britânica, apropriando-se de costumes e pensamentos. Essa inserção só foi possível graças ao dinheiro, que parece ter comprado respeito, minimizando os preconceitos. A exemplificação perfeita dessa situação está na figura da mulher do seu irmão, que aparece elegantemente vestida com um tailleur Chanel e fala, do alto dos seus saltos Gucci, que a religião só serve para acalmar as massas e que Shahid devia se preocupar mais em manter a fortuna da família.
Entretanto, Shahid, por ainda estar na escola, onde o seu dinheiro não tem tanta influência, ainda sofre na pele a discriminação, por isso se sente à parte de sua família e, ao mesmo tempo, à parte da vida social que gostaria de pertencer. A sua reação acaba sendo autodestrutiva, gerando um preconceito às avessas, onde o objetivo é sentir menos discriminado através da discriminação. Ao perceber o caminho errado que tomou, Shahid entra em sofrimento, que tem apogeu com a morte de seu pai. É justamente esse sofrimento, tratado com vergonha, que o aproxima de Riaz. A compreensão que o mentor intelectual mostra em uma primeira conversa parecia antes impossível e Shahid acaba se sentindo aceito pela primeira vez na vida.
Por conta desse sentimento de aceitação, o jovem vai se envolvendo com as práticas fundamentalistas de Riaz de forma passiva e não-reflexiva. Shahid passa a participar das ações do grupo sem se dar conta exatamente do que está fazendo e acaba ficando sempre incomodado, escondendo realmente o que pensa. A falta de sentido das situações sérias é um dos pontos altos do livro. O que pensar, por exemplo, sobre as cenas em que é relatada uma adoração a uma berinjela? Uma mulher, ao cortar o vegetal para o almoço, descobre o caráter “sagrado” e a coloca para exposição, atraindo centenas de mulçumanos. O humor vai se diluindo até estar completamente dissolvido e se transformar em tensão, em conflitos políticos.
O sentimento de estranhamento, de não pertencimento, é uma constante na vida do personagem. Aonde quer que vá, ele nunca estará em casa. A sua terra natal, Inglaterra, não é sua. Ali será sempre um estrangeiro, denunciado pela cor da pele, pelo nome e por elementos ainda mais sutis. A terra natal de seus pais, o Paquistão, também nunca será sua. Ali também é um estrangeiro, que busca raízes em que nunca esteve preso.
A pós-modernidade e suas múltiplas identidades ou identidades fragmentadas parecem não existir para o jovem sem pátria. O principal erro de Shahid é pensar que pode ter os dois, que pode se dividir em dois e suprir todas as suas necessidades ao mesmo tempo, por mais contraditórias que elas sejam. No final, o adolescente tem que escolher, assumindo pela primeira vez uma postura verdadeiramente ativa, faz a sua escolha e parte para um novo começo.
Com linguagem leve, narração envolvente e várias doses do humor ácido tipicamente britânico, Kureishi narra o processo adolescente e sempre doloroso de se colocar no mundo. A conquista da independência, a faculdade, as escolhas, as paixões e a criação de uma crença independente dos pais. Seria uma história comum, divertida, mas comum: já esteve em Caulfield, jovem que virou símbolo de uma geração a partir do livro de Salinger, nos adultos adolescentes e amantes da cultura pop de Nick Hornby, na geração transviada de Irvine Welsh.
O diferencial, no caso, é que, além de adolescente, o personagem principal, Shahid, é árabe na multicultural Inglaterra. Shahid lida com a adolescência enquanto se esquiva entre suas referências de música pop, a apimentada comida indiana, as drogas e o fundamentalismo religioso. O jovem descendente de paquistaneses se vê dividido entre o mundo de diversão que acabou de descobrir com sua professora e amante Deedee Osgood e entre o primeiro grupo onde consegue se sentir aceito, cujo mentor intelectual é o seu vizinho no prédio da faculdade, o fundamentalista Riaz.
Ao sair para estudar, ficando longe da casa dos pais pela primeira vez, Shahid sai em busca da liberdade que nunca teve. Liberdade é inseparável da autonomia e identidade, e é isso justamente isso o que mais preocupa o jovem. A sua família é ambígua e parece ter se inserido dentro da alta sociedade britânica, apropriando-se de costumes e pensamentos. Essa inserção só foi possível graças ao dinheiro, que parece ter comprado respeito, minimizando os preconceitos. A exemplificação perfeita dessa situação está na figura da mulher do seu irmão, que aparece elegantemente vestida com um tailleur Chanel e fala, do alto dos seus saltos Gucci, que a religião só serve para acalmar as massas e que Shahid devia se preocupar mais em manter a fortuna da família.
Entretanto, Shahid, por ainda estar na escola, onde o seu dinheiro não tem tanta influência, ainda sofre na pele a discriminação, por isso se sente à parte de sua família e, ao mesmo tempo, à parte da vida social que gostaria de pertencer. A sua reação acaba sendo autodestrutiva, gerando um preconceito às avessas, onde o objetivo é sentir menos discriminado através da discriminação. Ao perceber o caminho errado que tomou, Shahid entra em sofrimento, que tem apogeu com a morte de seu pai. É justamente esse sofrimento, tratado com vergonha, que o aproxima de Riaz. A compreensão que o mentor intelectual mostra em uma primeira conversa parecia antes impossível e Shahid acaba se sentindo aceito pela primeira vez na vida.
Por conta desse sentimento de aceitação, o jovem vai se envolvendo com as práticas fundamentalistas de Riaz de forma passiva e não-reflexiva. Shahid passa a participar das ações do grupo sem se dar conta exatamente do que está fazendo e acaba ficando sempre incomodado, escondendo realmente o que pensa. A falta de sentido das situações sérias é um dos pontos altos do livro. O que pensar, por exemplo, sobre as cenas em que é relatada uma adoração a uma berinjela? Uma mulher, ao cortar o vegetal para o almoço, descobre o caráter “sagrado” e a coloca para exposição, atraindo centenas de mulçumanos. O humor vai se diluindo até estar completamente dissolvido e se transformar em tensão, em conflitos políticos.
O sentimento de estranhamento, de não pertencimento, é uma constante na vida do personagem. Aonde quer que vá, ele nunca estará em casa. A sua terra natal, Inglaterra, não é sua. Ali será sempre um estrangeiro, denunciado pela cor da pele, pelo nome e por elementos ainda mais sutis. A terra natal de seus pais, o Paquistão, também nunca será sua. Ali também é um estrangeiro, que busca raízes em que nunca esteve preso.
A pós-modernidade e suas múltiplas identidades ou identidades fragmentadas parecem não existir para o jovem sem pátria. O principal erro de Shahid é pensar que pode ter os dois, que pode se dividir em dois e suprir todas as suas necessidades ao mesmo tempo, por mais contraditórias que elas sejam. No final, o adolescente tem que escolher, assumindo pela primeira vez uma postura verdadeiramente ativa, faz a sua escolha e parte para um novo começo.
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