quarta-feira, 29 de agosto de 2007

"O Calypso que aparece" por Rodrigo Luna


É fato que o nosso país possui inúmeras manifestações culturais. Muitas dessas nem sequer são conhecidas pela maioria da população. No entanto, cada Estado ou região, mesmo que não de forma permanente, recebe destaque nacional e reconhecimento de suas manifestações mais representativas. É assim com o frevo pernambucano, o axé baiano ou o samba carioca no período de Carnaval; e até mesmo o forró, o côco e o xaxado do Nordeste no São João. Ainda assim, é raro ver ou ouvir, em escala nacional, manifestações como o Calypso, Carimbó, Siriám, Retumbão, Cariri, ou seja, ritmos característicos da região Norte do país, independente de época do ano. Ainda quando são divulgados, isso acontece de forma superficial, e, muitas vezes, passando longe de representar, de fato, essa cultura.
Ausência de representação na mídia, estereótipos, pouca visibilidade. Essas são características que definem o conceito de Minorias para Sodré. O Pará tem uma cultura local com hábitos que persistem e quase não são alterados, apesar de massivas propagandas e divulgação de ritmos de outros Estados na grande mídia, como por exemplo: axé music, sertanejo, pagode etc. Por ser sucesso há bastante tempo no Pará, mas ainda ter pouco destaque nacional, o calypso também pode ser considerado uma cultura de minoria.
Há dez anos, se algum pernambucano, carioca ou gaúcho fosse perguntado sobre o que era o calypso, provavelmente, não saberia responder. Hoje, principalmente depois da “explosão” da banda que tem o mesmo nome do ritmo, o calypso não é mais um mistério para maioria. Um ritmo que, tempos atrás, era divulgado apenas em caráter regional - no norte do país -, chegou a Pernambuco, fez sucesso ao lado de bandas de brega em programas de auditórios, e agora vem ganhando, aos poucos, mais espaço na mídia nacional.
Mesmo assim, esse espaço pode ser questionado, até porque, para muitos, o calypso tornou-se sinônimo da Banda Calypso. No entanto, o ritmo e as manifestações da cultura paraense vão muito além de apenas uma banda. A intenção deste capítulo não é tirar os méritos de ninguém. Até porque fazer sucesso nacionalmente, levar milhões de pessoas para shows em diversos Estados, e tudo isso sendo uma banda de origem humilde (nascida fora do eixo Rio - São Paulo, de onde sai a maior parte dos ídolos nacionais na música) merece destaque. O fato é que, fora da publicidade que gira em torno da Banda Calypso, diversas bandas menores conseguem fazer sucesso, há anos, nas periferias de Belém do Pará e, mais recentemente, em periferias de vários Estados nordestinos.
Mas como um ritmo, ou melhor, uma cultura de massa popular excluída da grande mídia interage para conquistar e manter o seu espaço local? Inicialmente, longe do sucesso meteórico e de estratégias de publicidade de gravadoras multinacionais, produtoras, selos e a divulgação na grande mídia, o calypso se desenvolveu no Pará em caráter regional. Com letras que constantemente falam de amor, traição, encontros e desencontros, as bandas que tocam esse ritmo conseguem agregar agitação e melancolia para atingir o mais diverso público, que, na verdade, é formado majoritariamente pelas classes C, D e E.
Assim como o brega, em Pernambuco, o calypso é o ritmo mais divulgado pelas camadas populares do Estado do Pará. Quando chegou ao nosso Estado, na década passada, o calypso teve nos programas de auditório locais o grande propulsor. Programas como o Muito Mais, da TV Jornal, e o Tribuna Show, da TV Tribuna, tiveram participação essencial no sucesso das bandas regionais paraenses. A fama que chegou por meio das rádios mais populares foi passada para televisão, fazendo o ritmo se igualar, em popularidade, a bandas de brega já consagradas no Estado.
A partir daí não demorou muito para a Banda Calypso se tornar uma das mais populares e conhecidas bandas em Pernambuco. Sucesso que já se estendeu para o Sul e Sudeste do país. Hoje, não é difícil assistir, em programas veiculados em rede nacional, apresentações da Calypso. Depois desta que pode ser considerada a pioneira – pelo menos na fama -, chegaram e também se firmaram no Estado bandas como Companhia do Calypso, Swing do Pará e Lobalypso. Para esta última, inclusive, foi promovido um concurso em programa de televisão local, de grande sucesso entre as camadas mais populares, para escolher uma nova dançarina para banda. Concurso semelhante ao promovido no programa Domingão do Faustão, da Rede Globo, para selecionar dançarinas para o grupo de axé “É o tchan”.
Ao ver concursos como esse, percebe-se como uma “minoria”, por meio de uma estratégia semelhante ao que foi feito em rede nacional, consegue se mostrar e se ver na mídia, de forma que não se sinta excluída. Por serem compostas por integrantes que vêm do povão, essas bandas se apresentam bem próximas da realidade de um indivíduo de qualquer comunidade.
Em “A estética do Brega”, Fontanella comenta que “a estética brega não se dá somente através da música, mas na dança, no vestir, no humor, no lazer...”. E isso não é diferente com o Calypso. Em ritmos como o brega, ou o Calypso, há o que Fontanella chama de “democratização da condição de artista”. Ou seja, qualquer pessoa pode ser astro do brega (e por que não do Calypso?), já que não é necessário ter uma voz belíssima, uma afinação perfeita e um estudo musical aplicado para fazer sucesso com o povão. Mas, então, por que o sucesso das bandas que tocam este estilo é tão efêmero? Na verdade, é certo que boa parte das bandas de brega ou Calypso quase que se revezam no auge da fama. Mas não é esse o ponto principal, e sim o fato do ritmo ( e não de uma banda específica) permanecer em pauta local independente de modismos.
E essa pauta local existe pela necessidade inerente a cada pessoa de querer se sentir representada. Ao falar da realidade presente na vida de uma população que é constantemente excluída de ter representatividade social – e não somente na mídia -, as bandas que tocam o Calypso conseguem atrair um grupo fiel de fãs. Para Santos (1997), quanto mais os lugares se universalizam, mais se tornam singulares e específicos. Por isso, o estudo do regional torna-se importante, pois, um mesmo modo de produção se reproduz em distintas regiões do globo. Na verdade, quando se analisa o regional, é possível entender pessoas, grupos sociais, comunidades e diferentes formas de desenvolvimento da mídia local em relação ao global. Para o autor Octávio Ianni, a partir da categoria de globalismo, se configura os movimentos da realidade, em níveis local, nacional, regional e mundial. Sendo assim, na proposta desses dois autores, com o impacto da mundialização da cultura, aliada às novas formas de relação com a tecnologia da informação, o conceito de local e região deve ser visto de forma universalizada, mas com ações particulares: no local, no nacional e no global. Nesse sentido, o diferencial será a marca da singularidade de cada região que, num contexto global, consegue ser visto como diferente, próprio e original.
“Como uma virgem, tocada pela primeira vez. Como uma virgem.... como uma virgem...”. Se os primeiros teóricos do multiculturalismo fossem vivos e ouvissem a versão de “Like a virgem”, cantada pela banda Calypso, teriam certeza de que suas teorias também se aplicam ao Pará. A onda de versões de músicas internacionais, “traduzidas” ao gosto das bandas locais, reflete a necessidade de buscar o “universal”, mas não esquecendo o “local.”
Nas poucas vezes que o ritmo Calypso ganha destaque fora do seu local de origem, isso acontece de forma estereotipada e falha. Um exemplo que já se tornou clássico ao tratar sobre o assunto é o seguinte: Nas primeiras apresentações da Banda Calypso, em programas como Domigão do Faustão, da Rede Globo, ou o Domingo Legal, do Sbt, a banda foi anunciada com um: “E, com vocês, o forró da Calypso”. No show da banda, em evento nos Estados Unidos para a comunidade brasileira, não foi diferente. Isso acontece porque os que mantém a hegemonia da mídia, muitas vezes, não se importam em entender o que há por trás de um fenômeno, quando esse está no auge. As diferenças que existem dentro das regiões não é o foco e sim o fato daquele estilo, que é diferente do que estão acostumados, fazer sucesso e dar audiência. Quanto mais pessoas se sentirem identificadas com a representação daquela minoria qualitativa, melhor será para a mídia que esteja propagando essa minoria.
Fontanella afirma que o brega (e aqui mais uma vez estendo a afirmação para o calypso) não é oposto à cultura hegemônica, mas apenas quer se agregar a ela. Assim, não é vontade das bandas que fazem este ritmo excluir o que já existe, mas sim também ter o espaço para fazer o que gostam, o que sabem, e alcançar o público que se identifica com isso. O que a minoria qualitativa que compõe o Calypso e tantas outras minorias querem é ter um espaço aberto para se mostrar e ser visto. Mesmo sem fundamentação teórica, eles lutam para que, em um país com tanta diversidade, o Calypso consiga seu espaço.