domingo, 7 de novembro de 2010

TROPA DE ELITE E A REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA, por Nilson Braga de Almeida


Tropa de Elite (2007) tornou-se um fenômeno do cinema brasileiro por diversos motivos. As cenas de impacto; a abordagem sob o ponto de vista da polícia, rompendo com a tradição nacional de romantizar o criminoso; a identificação da população com o protagonista narrador, com ele até mesmo tendo conquistado o status de herói nacional; e a temática da violência tão comum ao brasileiro, sendo ela aqui apontada como a própria solução para o problema, são só alguns dos exemplos que o fizeram adquirir este adjetivo.

Outro aspecto não menos importante também ganhou bastante notoriedade: estimativas tímidas dizem que cinco milhões de pessoas o viram antes mesmo de sua estréia. Isso ocorreu devido ao vazamento para o mercado informal e para a internet de cópias do filme que, de acordo com o diretor José Padilha, ainda não continham a sua edição final. Inevitavelmente, todo esse episódio acabou acarretando uma maciça divulgação da obra, chamando para si uma atenção nunca vista no cinema brasileiro.

O boato de que a pirataria do filme teria sido uma jogada de marketing só foi desfeito quando as investigações levaram a encontrar os responsáveis pelas cópias em DVD distribuídas ilegalmente. Eis uma situação em que a reprodução da obra de arte ajudou, como de praxe, na sua difusão, tornando-a acessível à grande parte do público de baixa renda que não teria condições de vê-lo no cinema, ou seja, aproximando o indivíduo da obra. Porém, não da maneira desejada pelo seu autor.

O cinema enquanto meio propiciado pela reprodutibilidade técnica é voltado para as massas. Os cidadãos, não excluindo as elites nem os intelectuais, enchem as salas de cinema atrás de conhecimento, diversão, entretenimento ou culto, numa receptividade coletiva. Talvez essa característica tenha auxiliado no retardo da sua inclusão na categoria de arte, mas ela é quem sempre sustentou a produção de filmes em série. E é esse consumo um dos fatores que diferenciam a obra cinematográfica, em sua essência, dos demais produtos artísticos.

Mas essa mesma essência se viu condenada no caso de Tropa de Elite. A reprodutibilidade técnica, apesar de ter sido um fator facilitador do sucesso, foi bem além: agiu contra a própria obra de arte num sentido de descaracterizá-la enquanto tal. O grande problema foi a difusão da obra semi-pronta, inacabada, que se espalhou rapidamente e causou furor na população ávida por cultura. Mas em se te tratando de arte, não existe este meio termo: é arte ou não é. Então, o que foi vendido, apesar da aproximação com o original, tornou-se totalmente descartável.

Pior ainda foi a comercialização de outros filmes como continuações de Tropa de Elite. A primeira farsa neste quesito iniciou com o documentário Notícias de Uma Guerra Particular (1999), de João Moreira Sales e Kátia Lund, seguidos por um conjunto de imagens feitas por policiais em operações realizadas nas favelas, e do longa de Lúcia Murat, Quase Dois Irmãos (2004), que receberam o título de Tropa de Elite II, III e IV, respectivamente. É a reprodução gerando falsificações desmedidas, assombrosamente dolosas.

Desta vez a pirataria foi a grande vilã. Só que ela existe porque foram criadas condições sociais e técnicas para sua existência, e essas condições são interessantes para a disseminação e a economia da cultura. Como o conhecimento é um bem comum e deve ser compartilhado, não se pode condenar esta forma de disponibilizar para todos aquilo que apenas alguns teriam acesso. Mas só que a maneira como isso se deu acabou por transmitir uma obra não autêntica, sem alma nem valor, que ainda não tinha alcançado o status de arte, o que apenas foi conquistado após sua devida finalização, conforme desejada pelo autor. Seria como se roubassem um quadro ainda não terminado por um pintor e o tivessem afixado em praça pública, para que a população pudesse equivocadamente apreciá-lo.

O desejo ao acesso numa sociedade de abundâncias e de necessidades básicas saciadas é uma constante. Como no Brasil o acesso à internet ainda é, de certa forma, um privilégio e a banda larga praticamente ainda dá os primeiros passos, infelizmente a cópia de DVDs é uma forma distorcida de uma grande parte da população ter acesso à informação, conhecimento e cultura, sendo um atalho desleal para se conseguir chegar à obra de arte, o que acaba por refletir uma óbvia desigualdade social.

No caso específico do cinema, a comercialização dessas cópias destruiu aquele gostinho da surpresa, da expectativa pelo lançamento do filme na tela grande. Todos sabem que a sensação que se tem na projeção cinematográfica diverge de um DVD mal copiado, de um vídeo exibido em baixa definição, principalmente quando se trata de um filme de qualidade. O impacto de vê-lo pela primeira vez numa sala de cinema provavelmente seria bem maior.

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