quarta-feira, 29 de agosto de 2007

"Um mergulho no brega" por Simone Medeiros


Um mergulho no brega

Carros, malas abertas, sons ligados (bem alto), rapazes e garotas bebendo e tentando improvisar uma coreografia qualquer. No som, algum sucesso que toca há algumas semanas nas principais rádios de Recife: “...quem vai querer a minha periquita, a minha periquita, a minha periquita...” Essa cena é bastante comum nos ditos “points” de badalação da cidade em todos os fins de semana, geralmente em postos de gasolina, em entradas de casas noturnas e shows, e na saída deles também, freqüentados, geralmente pela classe média alta e baixa.
Palco, luzes fortes, muitas pessoas, som alto, vendedores ambulantes, e no isopor: “3 cerveja é 5”. Música alta, acelerada, por vezes lenta e melosa. Bailarinos, dança ensaiada, pulos, giros, suor, pouca roupa, adereços com glitter, cabelos soltos. Essa descrição faz referência a algumas casas de shows de brega em bairros considerados populares, como Água Fria, Arruda, Beberibe, Alto José do Pinho, Alto Santa Isabel, Várzea e Iputinga.
O que se conclui, inicialmente, é que os sons produzidos e identificados como sendo da “minoria” acabam tendo um espaço de maior projeção, no que diz respeito à manifestação popular. A música brega vem se apresentando como mistura, como uma negociação entre gosto popular e cultura do consumo.
Em uma tomada de vozes, o que por sua vez sempre foi designado como cafona, parece estar tomando fôlego em um caráter coletivo, ganhando espaço nas mídias locais e representatividade no que se refere ao modo como esses grupos querem se identificar e serem vistos pela sociedade.
A música brega, aqui na cidade, tem o rótulo de música degradante, de baixa qualidade, de mau gosto e apelativa, e é facilmente ligada pela mídia cultural como sendo a referência das classes mais baixas da população. Porém fica claro que essas próprias mídias, no que se refere ao lucro promovido por um intenso consumo cultural da música brega, incentivam e promovem qualquer evento, seja esse qual, se para elas houver algum retorno interessante.
Não há uma distinção, entre a música brega que se auto promoveu, nos subúrbios, com cds piratas vendidos por camelôs e shows realizados devido ao sucesso conseguido pelo próprio comércio de suas músicas, e a música brega promovida pelas mídias dominantes, com suas caravanas, seus programas de elevada audiência e uma forte publicidade local, a qual apóia esse mercado cultural. O que importa é o consumo.
Nas emissoras locais são muitos os programas que, principalmente no horário de almoço trazem bandas e cantores com esse estilo musical, acompanhados por seus dançarinos, os quais executam (com esmero) coreografias dignas de um artista circense, devido à quantidade de acrobacias. As letras, de fácil assimilação trazem pelos chavões e refrões repletos de duplo sentido fazem vibrar as platéias vindas de algum bairro da periferia da região metropolitana. Os apresentadores, por sua vez, conduzem bem o “espetáculo”, contando piadas relativas a cornos, gays, pessoas obesas, mulheres, além de exaltarem as partes íntimas das pessoas que estão se apresentando, em uma plena demonstração de desrespeito e simultânea degradação de valores, na medida em que força a ligação entre o intenso apelo trazido pela construção das letras dessas musicas a um ambiente hilário de descontração, em que satiriza os estereótipos criados pelo próprio ambiente midiático.
A música brega, percebida como tosca, vulgar e de mau-gosto, é considerada, no discurso elitizado da dita burguesia, como exemplo maior da degradação da cultura popular promovida pela mídia, degeneração essa imposta pela vida precária nos subúrbios ou fruto da ignorância das massas, mas que não deixa de ser consumida à medida que traz lucros às industrias culturais.

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