sábado, 25 de junho de 2011

"Crepúsculo dos Deuses", por Ricardo Duarte



Se Norma Desmond visse Crepúsculo dos Deuses, detestaria, pois ele é recheado de diálogos, e é neles que o filme encontra grande parte de sua força. Delicioso retrato irônico e ácido da indústria cinematográfica, o filme transforma as grandes estrelas do passado em seres patéticos e dignos de pena.

A premissa da história é bastante simples: protagonista reconta seu passado, sendo o diferencial a questão do seu narrador estar morto enquanto narra. O filme tem momentos de humor sutil, não dependente dos diálogos, como podemos perceber na cena em que o diretor DeMilles fala para Norma que as coisas mudaram, a câmera recua, e nós vemos que ele está usando botas de equitação, coisa bastante antiquada. Tudo se encaixa perfeitamente no filme: figurino, locações e atores (fator de destaque, pois eles são todos espetaculares).

Tendo como enredo a recontagem da história do protagonista, a questão das memórias é bastante importante. Porém, ao contrário de filmes como Amarcord (Federico Fellini) ou Eu me Lembro (Edgar Navarro), a memória aqui não é o elemento principal da narrativa, sendo apenas o meio de contar e dar prosseguimento a narrativa, não tendo a verdadeira força caótica e inexplicável das lembranças humanas (característica que os dois filmes citados tentam mostrar), mas apenas apresentado-a como um encadeamento lógico de fatos.

Vem-se até agora falando apenas da memória como forma estrutural do filme, entretanto, tão importante (e talvez mais fecunda) é a memória como elemento presente na própria história. Não apenas a memória, mas, especialmente, a nostalgia.

Temos em Norma Desmond uma personagem extremamente nostálgica, e completamente assombrada pelo fantasma do passado. Tendo suas memórias dos tempos de grandeza como força e maldição, a atriz vive num mundo de recordações e saudades. Na sua busca por seu tempo perdido, isolada em sua mansão, apenas com um mordomo (quer coisa mais anacrônica?) e seus velhos filmes como companhia, aliena-se dos tempos modernos, mantendo-se presa em formas de pensamentos de sua época, desprezando as atuais. Desprezo que fica claro no roteiro escrito por ela, que prioriza as expressões faciais em detrimento dos diálogos (que, para ela, é a ruína do “verdadeiro cinema”). Norma é a própria representação da grande estrela de outrora que, ao ver que seu tempo passou, entra em desespero, culpando o “novo cinema” (“Eu sou grande, os filmes é que ficaram pequenos”) e o desaparecimento da época dos grandes atores (“Eles pegaram os ídolos e os destruíram, os Fairbankses, os Gilberts, os Valentinos! E quem eles têm agora? Uns ninguéns!”). Importante também lembrar a última cena, uma das coisas mais perturbadoras da história do cinema: numa mistura de horror-drama, vemos uma Norma completamente louca achar que está atuando, enquanto, na verdade está sendo presa. O diretor ainda nega-lhe o seu último pedido (um close-up), pois quando ela se aproxima da câmera, perde-se o foco e o filme acaba.

Mas não apenas Norma é louca no universo do filme. Ela apenas externaliza algo que é presente em quase todos os personagens. Billy Wilder deixa transparecer que só há duas possibilidades de futuro para as pessoas que trabalham naquela indústria de fantasias: a loucura ou a total perda de moralidade. A Hollywood demonstrada no filme cumpre um papel determinista no comportamento das pessoas, moldando-as e quase sempre mostrando o que elas têm de pior. A cidade aqui cumpre seu papel na decadência humana.

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