domingo, 9 de outubro de 2011

"Superstar: The Karen Carpenter Story", por Maria Cecília Shamá

Johnny Carson, The Tonight Show, 1973, em entrevista aos e ao Carpenters:

- Eu poderia fazer uma pergunta boba? Com todo o sucesso que vocês estão tendo, vocês estão mais felizes agora do que quando começaram? Entendem o que quero dizer?

Karen: Claro! Apenas tão ocupados quanto mais felizes. Mais Felizes?


Estocolmo, Suécia, 1969:

Entrevistador: - Seus pais lhe encorajavam a cantar?

- Janis Joplin: Não, não, não. Eles queriam que eu fosse uma professora, sabe como todos os pais querem para seus filhos. Mas comecei a cantar por volta dos dezessete anos, e ouvia muita música e um dia comecei a cantar e gostava de cantar.



A boneca barbie desde 1959. Os padrões de beleza desde sempre. Para cada estrela apenas uma vez, e, portanto, uma existência enquanto intensa ao mesmo tempo curta. Se a música não precisa de forma para existir, enquanto Amy nos deixa, Janis se retira, Karen lutava contra si própria, a indústria cultural ao todo, enquanto tudo e do tudo para o nada.

Tal como narra Todd Haynes em seu filme, a fama cantada, vivida, fotografada, filmada e estrelada por e para Karen Carpenter em seu caso de amor mal sucedido com a perfeição. A música no intermédio das dores e fantasmas internos de seus cantores, denúncia da sociedade, do passado e do presente cultural agridoce da cinematografia de Haynes e da voz de Karen em forma de música aos olhos do cinema.

A princípio pode parecer estranho a forma pela qual Todd Haynes resolveu captar a essência dos problemas de aparência de Karen Carpenter; construir uma narrativa em forma de Era uma vez... ambientada em uma casa de bonecas onde barbies circulam em cores e formatos diferentes a fim de captar a essência da anorexia nervosa de sua protagonista, gera um estranhamento curioso, do tipo corriqueiro em biografias, a licença de olharmos por entre o buraco da fechadura para fatos públicos com pessoas públicas, em vidas públicas. Fica a sensação da ironia que Haynes não pôde deixar de contestar num mundo ligado à aparência, aos rótulos e ao desgastes dos invólucros superficiais da matéria corpórea:

“ Arte é objetivação da vontade numa coisa ou numa representação, e a provocação ou estimulação da vontade. Do ponto de vista do artista, é a objetivação encontrada de uma volição; do ponto de vista do espectador, é a criação de um cenário imaginário para a vontade”, Susan Sontag – Contra a Interpretação.



Natural que escolha bonecas com o ideário de perfeição física dos EUA, loiras, magras e de olhos azuis, de plástico, irreais, inalcançáveis, deformadas pelo desenho simétrico das lojas de brinquedos. E tal simetria ganha um ar macabro quando passa a ser violada através de deformações no corpo e rostos das bonecas ao longo do filme. Quanto mais Karen emagrece, mais suas bonecas vão se desgastando e a cantora some em meio à sua doença.

A violência simbólica é amplificada na mente de Karen e na lente de Haynes. Os espelhos, a voz melodiosa de Karen, os vidros de laxante, a comida desejada e repudiada ao mesmo tempo, a silhueta perfeita a ser alcançada, os gritos, a dor, as barbies, as instituições familiares falidas, o casamento, as roupas, o divórcio, as apresentações públicas para a construção do perfeito produto a ser vendido para os lares. Os irmãos interioranos talentosos musicalmente, e o ideário de pureza visual e musical que Karen canta para vender discos e imagem. Uma imagem falha, que liga e desliga a todo o tempo, de plano para plano, como um número musical inacabado, uma voz que continuou a ser ouvida apesar do corpo e da ausência física. Os Carpenters viram lenda pop, pela tragédia, pela morte, pela imperfeição, pelas notas musicais, por nós. Menos por eles mesmos. E por Karen.

Longe do paraíso mais uma vez, o diretor celebra e critica a forma como construímos nossos ídolos e como os colocamos na desconfortável posição de exemplo a ser seguido. A trilha do filme, permeada pelas canções da dupla desferem a razão de ser de seu filme. Uma biografia com pinceladas de realismo fantástico e imediatismo, onde forjamos nossos ídolos e eles a si próprios, num jogo visual arbitrário, em um cenário musical feito de grandes talentos absortos em seus problemas pessoais e na intervenção midiática necessitada de grandes estrelas por minuto. Cabe aos próprios ídolos forjarem a si mesmos, e a nós continuar seu legado através dos discos de canções nunca gravadas, de músicas interpretadas por outras bandas, dos especiais de televisão sobre suas vidas e das biografias cinematográficas. Do corpo humano que cede a pressão ter de ser representativo, diante do ser humano, com suas segundas-feiras e dias chuvosos.

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