“Ceci est l'histoire d'un homme marqué par une image d'enfance. La scène
qui le troubla par sa violence, et dont il ne devait comprende que beaucoup
plus tard la signification, eut lieu sur la grand jetée D'Orly quelques années
avant le début de la Troisième Guerre Mondiale” - Chris Marker em La Jetée, 1’52’’.
“Nada distingue as lembranças de outros momentos. Só mais tarde eles se
fazem reconhecer” – IDEM, 2’43’’.
“Ele compreendeu que não havia como escapar do tempo. E que esse momento
que lhe haviam concedido ver e que nunca deixara de obcecá-lo era o momento de
sua própria morte” – IDEM, 27’38’’.
Representações cinematográficas têm influenciado o mundo da
vida
. “Filmes
se tornaram a arte de definição para a experiência temporal da modernidade”
(CHARNEY
apud KILBOURN, 2010, p. 2, livremente traduzido).
Ora, as transformações da
modernidade pós-1870 geraram um clima perceptivo de superestimulação, distração
e sensação tão contíguo à vida humana que escorre até os dias atuais. Esse
nosso tempo de “massa civilizada” (BENJAMIN, 2000, p. 104), como entende Georg
Simmel, é marcado pelo “rápido agrupamento de imagens em mudança, a
descontinuidade acentuada no alcance de um simples olhar e a imprevisibilidade
de impressões impetuosas” (CHARNEY apud
CHARNEY; SCHWARTZ, 2001, p. 386).
Em meio a esse ambiente, a
Filosofia procurou se apropriar da “verdadeira experiência” demonstrando que,
através da categoria do instante, o indivíduo torna-se capaz de viver por completo,
experimentando uma sensação imediata e tangível tão forte que esvaece quando é
sentida pela primeira vez.
Ora, é fato que
o conceito de instante forneceu um meio de fixar um momento
de sensação, no entanto esse esforço de estabilidade teve que confrontar o fato
inevitável de que nenhum instante podia permanecer fixo. Tal o dilema conduziu
[...] a dois conceitos interligados que definiram suas investigações do moderno
como momentâneo: o esvaziamento da presença estável pelo movimento e a
resultante separação entre a sensação, que sente o instante no instante, e a
cognição, que reconhece o instante somente depois de ele ter ocorrido (IDEM, p.
387).
Juntos,
esses dois aspectos do instante (sensação e cognição) moderno criaram uma forma
de experiência muito cara ao Cinema: a memória. Primeiramente porque, como
entende Russel Kilbourn (2010), a memória é uma espécie de procedimento através
do qual recordamos e recuperamos imagens. Em segundo lugar, Walter Benjamin
destaca que é justamente a memória o lugar no qual reside a sensação do
instante e a sua cognição: “o antagonismo existente entre a vita activa e a específica vita contemplativa se abre na memória”
(BENJAMIN, 2000, p. 105).
Mas, como
entendem esses dois teóricos, as inquietações da nossa vida interior não têm um
caráter exclusivamente subjetivo, isto é, onde há lembrança de um momento
individual (dentro de mim), há lembrança de um momento coletivo (fora de mim).
Ademais, convém considerar que
memória e imaginação são processos mentais semelhantes (CRUZ, 2011) e que não é
possível pensar sem imagens (PLATÃO apud
KILBOURN, 2010, livremente traduzido). Donde se pode entender como, ao assistir
a um filme, a mente pareça atingida por imagens mentais correspondentes à
própria memória: as imagens do presente puro nada mais são do que a atualização
das imagens do passado invisível consumindo as imagens do futuro.
Ou
seja, durante a sessão, o passado coexiste com o presente que ele foi e, mais
que isso:
o que se vê numa tela de cinema, [...], o que uma criança imagina na
exploração de seus prazeres e terrores é atual – ou dado – da mesma maneira que
uma cena “real”. [...] Pois, se
o imaginário não se opõe mais ao real, salvo no caso da metáfora ou da fantasia
arbitrária, o real por sua vez não é mais atualidade pura, mas “coalescência”,
segundo o termo de Bergson, de virtual e atual. É pelos caminhos do imaginário
que o cristal de uma obra ou de uma obsessão infantil revela o real em pessoa (ZOURABICHVILI, 2004, p. 21-22).
O
importante é, portanto, o tipo de relação que o Cinema mantém com o público.
Isto é, a relação por meio da qual as imagens cinematográficas se atualizam
através dos seus espectadores e, estes, concomitantemente, atualizam as suas
próprias imagens através do aparato tecnológico.
Por isso, mais do que perceber como o cinema nos
permite formar uma suposta compreensão da memória, a ponto de muitas vezes
sermos incapazes de pensar/lembrar “como seria o mundo antes do cinema; assim
como, antes, leitores do século XIX, também tinham dificuldade de imaginar um
mundo sem a mediação das novelas” (KILBOURN, 2010, p. 9, livremente traduzido),
devemos analisar o conceito de “memória protética”
,
procurando entender como a nossa relação com o dispositivo fílmico afeta as
instâncias individuais e coletivas da nossa vida.
Afinal, como essa “memória
protética” nos permite conhecer e construir o processo histórico e os eus
contemporâneos no curso do tempo? A partir da subversão ou da paródia, das
enunciações alternativas ou não convencionais (DIJCK, 2007)?
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge
do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. 3ª edição, 2ª reimpressão.
CHARNEY, LEO; SCHWARTZ, Vanessa
R. (org.). O cinema e a invenção da vida
moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
CRUZ, N. V.. Fotografia de família e memória: deslocamentos da arte
contemporânea. In: Discursos fotográficos, v.
7 - n. 11. Londrina: 2011.
DIJCK, José van. Mediated Memories. Stanford, California: Stanford University
Press, 2007.
KILBOURN, Russell J. A.. Cinema, memory, modernity: the representation of memory from the
art film to transnational cinema. New York: Routledge, 2010.
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de
Janeiro, 2004. Tradução de André Telles. Disponível online (http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/wp-content/uploads/2010/05/deleuze-vocabulario-francois-zourabichvili1.pdf),
acesso em 22/12/2013.