domingo, 9 de outubro de 2011
"Uma viagem com Martin Scorsese pelo cinema americano", por Thaizy Isabelly
Após uma pequena cena de “Assim estava escrito”, vemos um Scorsese sentado com um livro no colo. O livro é “Uma historia do cinema em imagens” de Deems Taylor. O primeiro livro que ele teve acesso sobre cinema, logo nos anos 40 e 50. Na época, ele lembra, não existiam muitos escritos sobre cinema, então pegava-o repetidamente na biblioteca pública, o único lugar onde ele pôde achar o livro, já que não tinha dinheiro para comprar. E ele confessa que duas ou três vezes, cedeu à tentação de rasgar fotos para ele. Esse livro é tão importante para Scorsese, assim como o chá para Proust. Ao prová-lo, Scorsese relembra e conta memórias de sua infância, relacionadas ao cinema.
“Uma viagem com Martin Scorsese pelo cinema americano” poderia ser só mais um documentário sobre cinema, mas ele não o é. Ou uma tentativa de reproduzir a historia cinematográfica americana com todos os seus pormenores. O filme é na verdade, uma maneira de recontar uma parte do passado desse menino. A parte que o fez escolher sua profissão e provavelmente a parte que gastou mais tempo da sua vida. Como ele diz, esse filme é como um “museu imaginário”, e nesse museu ele só fala do que o comoveu e o influenciou de alguma maneira. O filme é seu relato como espectador, como ele mesmo o diz: “Vou falar-vos de alguns dos filmes que coloriram os meus sonhos, que alteraram minhas percepção e nalguns casos até minha vida.”. Uma observação interessante seria que o documentário seria quase como uma porta para algo maior – a historia do cinema mundial “na íntrega”. Nós vemos o que ele nos conta, mas existe todo um cinema por trás disso. Mas vale ressaltar que Scorsese não fica só no “cinemão” de Hollywood, já que de acordo com ele, os filmes que ele via não eram apenas os culturalmente corretos, ele cita alguns americanos desconhecidos como “Beijo amargo” ou “Pânico na cidade”, que como ele diz, são filmes que talvez alguns nunca ouviram falar.
O documentário utiliza filmes de um período histórico relativamente pequeno, principalmente se considerar o fato que o cinema surgiu no final do século dezenove. Ele fala apenas dos filmes dos anos quarenta e cinquenta, chegando até os anos sessenta, quando ele começou a fazer filmes. Ele não cita filmes nesse período, já que seria injusto com os outros cineastas. Mesmo faltando, alguns diretores que ele admira. E claro, ele sempre acaba citando filmes anteriores a esse e até europeus, como “Cabiria”, um filme italiano que influenciou Griffith. Mas ele sempre ressalta que claro, não viu esse filme no cinema quando ele era criança.
O filme é divido em três partes, que dá no total 225 minutos. Ele conta tudo nisso, mas não de forma inteiramente cronológica. Já que às vezes, ele volta e lembra de uma coisa aqui outra acolá. Mesmo as três partes, não são completamente cronológicas. Ele usa a figura do diretor, o que não impede de um diretor que está em um episodio estar em outro. Na primeira ele fala sobre o diretor como contador de historias. E fala um pouco sobre os filmes de gêneros. Ele fala dos filmes de gangue, e é notável como os olhos deles brilham. Ele também fala de maneira quase que melancólica sobre o dilema do diretor, especialmente o de Hollywood. “Fazer um filme para eles e outro para nós?”. Scorsese também faz uma analise um pouco mais histórica, especialmente nos musicais. “Até o musical mais convencional se referia ao mal-estar do pós-guerra’’ Para ele, o cinema é algo mais refinado, e não só mais um entretenimento de massa. Para ele, filmes de westerns e gangsters são também meio de arte ou de política. No capitulo posterior, Scorsese analisa um pouco sobre o diretor como ilusionista. E analisa, um pouco sobre a linguagem cinematográfica e alguns truques que alguns diretores usavam. O capitulo vai até o advento do som, das cores e dos efeitos especiais no cinema. No terceiro e ultimo capitulo, Scorsese fala sobre o cineasta como contrabandista e iconoclasta. E fala um pouco sobre temáticas sociais.
Scorsese é por vezes considerado hollywoodiano demais. Ou talvez não ganhe muito destaque como diretor. Mas é possível ver nele uma coerência. Para ele, o cinema deve ser feito por pessoas que o conheçam. Para ele, dessa forma só assim, é possível verdadeiramente aprender, vendo os filmes, tendo contato com eles. E ele mostra isso na maneira que ele fala. Mesmo que para alguns radicais alguns tipos de cinema sejam considerados inferiores, provavelmente eles crie um tipo de dissenso, já que seu documentário é mais sobre o tipo de efeito que os filmes causaram nele do que verdadeiramente uma analise sobre política ou historia. Vale lembrar que Scorsese aparece em vários documentários sobre cinema, inclusive um sobre Rossellini, que é uma verdadeira influencia para ele. Ele conhece quase todos os tipos de cinema, se não todos. Diz a lenda que ele viu mais de doze mil filmes. Ele não é um tipo de conhecedor apenas do cinema americano. A razão desse documentário é mais uma viagem pessoal pelo cinema, para relembrar os filmes que viu na infância e até adolescência. Para compartilhar suas lembranças. Para que nós, de alguma forma, também achemos que vimos “Assim estava escrito” na adolescência, dentro de uma telona no cinema. Até porque não tem como saber o ele viu realmente na infância, ou o que ele viu depois e apenas na sua memória ele viu. Como a citação de Frank Capra, “O cinema é uma doença, quando nos infecta o sangue passa a ser o hormônio dominante representa o lago da nossa psique, como para a heroína, o antídoto para o cinema é mais cinema”. O filme é sobre um menino infectado sobre cinema, falando sobre cinema, já que esse é o único antídoto.
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