O Picolino (Top Hat, 1935) pode ser
enquadrado como uma das melhores imersões que se pode fazer, em se tratando de
musicais. O filme, dirigido por Mark Sandrich, apresenta com leveza e humor o
desenrolar de uma trama amorosa que se dá entre um dos casais que mais se
destacam no gênero musical, seja pela sensibilidade com que dançam ou pela
intimidade que adquiriram ao largo das parcerias que fizeram, Fred Astaire e
Ginger Rogers são um dos elementos chave que fazem com que o Picolino seja tão
memorável.
Seus personagens, Jerry Travers (Astaire) e
Dale Tremont (Rogers), estão hospedados num mesmo hotel, em Londres, e iniciam
seu flerte de maneira não muito amigável. Ao passo que Dale fica aborrecida,
porém encantada, com Jerry, ele passa a ter olhos apenas para a moça e não
resiste em conquistá-la.
Com um roteiro frágil de comédia, ainda que
arquitetado e planejado em cima de conflitos que dão agilidade à trama e ao
desencadeiam a confusão amorosa que é o grande plote da narrativa: Dale
acredita que Jerry Travers é na verdade Horace Hardwick (Edward Everett Horton),
marido de sua amiga Madge Hardwick (Helen Broderick).
E se o engano é a chave para toda boa
comédia, ‘O Picolino’ não faz por menos. A resolução para esse desarranjo de
identidades é amarrado até quase o desfecho do filme e fica a cargo do mordomo
Bates (Eric Blore), a personificação nesse enredo do criado bobo e trapalhão da
nova comédia grega.
O romance é o elemento que acompanhará todo o
ritmo e o desenrolar de toda a intriga presente no filme. À medida que as
personagens vão se apaixonando, aumenta também a intensidade e a intimidade com
que dançam, a primeira cena em que se detecta o flerte mútuo “Isn’t this a
lovely day”, dá a impressão de que o diálogo falado e até mesmo a música se
tornam secundários, para em determinado momento serem substituídos apenas pela
coreografia, na qual os corpos da dupla Asteire e Rogers desenvolvem no
espectador um sentimento de pura contemplação ao amor que transborda a cada passo
e sapateado.
Todavia, ao se avaliar a obra como um todo,
percebe-se que a coreografia não é a única responsável pelo encantamento. Junto
às composições de Irving Berlin adquirem outro significado, se posicionam como
um arranjo harmonioso e decisivo para a construção da narrativa, atingindo
talvez seu ápice com a composição que, possivelmente, pode ser considerada a
mais marcante de todo o musical: “Cheek to cheek”. A música, além de ter sido
posteriormente interpretada por Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, foi
incorporada a outros filmes de destaque na história do cinema, tais como ‘À
espera de um milagre’ e ‘A rosa Púrpura do Cairo’.
Por fim, é possível enquadrar “O Picolino”,
na categoria de filmes em que não se toma uma parte pelo todo, onde não se
elege como determinante a coreografia, ou o figurino, o cenário ou as canções
isoladamente. Todos esses elementos se arquitetam e constroem um musical
encantador, que realmente te atrai e te faz torcer para que dê tudo certo no
final, porque, como bem diz Jerry Travers, “all is fair in love and war and
this is a revolution”.
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