terça-feira, 25 de setembro de 2018

"Batuk Freak", por Manuela Andrade



Batuk Freak é o nome do primeiro álbum lançado pela rapper curitibana Karoline dos Santos Oliveira, popularmente conhecida como Karol Conká. Karol começou sua carreira por volta de 2004, mas só obteve alguma notoriedade, a nível nacional, por volta de 2011 quando lançou alguns videoclipes de faixas que viriam a compor seu primeiro CD anos mais tarde. Sua presença tornou-se mais forte na cena hip-hop quando se juntou a nomes como Projota e Luiz Melodia em participações conhecidas como feat, em 2012.
Mulher, negra, vinda da periferia numa adolescência com poder aquisitivo limitado, o rap esteve presente desde muito cedo na vida de Karol. Quando ganhou seu primeiro festival aos 16 anos decidiu investir na carreira, vendo no estilo musical uma maneira de não perder sua identidade, ganhar dinheiro e lutar pelo que sempre acreditou: igualdade, seja racial ou de gênero. O álbum surge num momento complicado no rap nacional, quando o que vendia e fazia sucesso eram os MCs majoritariamente brancos, de classe média, fazendo um som que vendia em festas caras, levando letras vazias, cheias de machismo e outros preconceitos, em sua maioria reproduzindo um estilo de rap vendido pela indústria fonográfica americana, mas que, além disso, fugia completamente do rap old school brasileiro, que sempre buscava politizar, conscientizar e abrir os olhos da população para as injustiças sociais presentes nas periferias. Desse modo, a inserção do seu trabalho foi de uma cautela e estudo muito precisos, tanto que o resultado foi o sucesso nacional da artista.
Deixando de lado o contexto em que o disco foi lançado e já abordando sua produção, é inegável o preparo de toda a equipe envolvida nos trabalhos — da área técnica a de marketing — pois foram cerca de quatro anos do início da criação até seu lançamento, trazendo  no produto final um misto de rap, ritmos africanos, pop e emboladas, com apelo para públicos de diferentes nichos. O álbum foi lançado para colocar a artista no hype, em evidência na mídia, e cada elemento presente no Batuk Freak salienta isso.
Com produção de Nave, já conhecido por produzir rappers como Marcelo D2 e Emicida, os beats possuem uma ampla variação na construção dos samples, criando um mix de culturas num único som, essa característica acaba por ser evidenciado no título do álbum Batuk. A intenção do disco não é politizar, como fizera sabotage nos anos 2000 ou Emicida (sucesso contemporâneo ao Batuk Freak) — pelo menos, não a grosso modo —, o produto final acaba por se encaixar no rap feito para dançar, para festa, mesmo que tenha um pouco de sua militância — trazida de maneira branda, um tanto quanto festiva. Isso acontece para que o Batuk não deixe de atingir o público que mais consumia rap em meados de 2013, um público de certo modo elitizado, que frequentava festivais. Os beats são para dançar e mesmo que em “Gandaia” ela afirme “desbancando as piriguetes que mal sabem rebolar”, quem passou a consumir o hit, também, foram elas, as piriguetes ou, no caso, outras mulheres. Neste ponto se dá uma das contradições mais fortes do álbum, afinal, Karol se colocou na mídia como feminista e assim sendo, um dos seus “deveres” é não incitar a competição feminina, mas o faz para cair nas graças do público.
A narrativa do CD pode ser lida como metáforas, mas não possui uma ordem cronológica, não é necessariamente uma história — mesmo que a primeira faixa, “Corre, Corre Erê”, refira-se a crianças. O disco começa com um pedido, quase uma súplica de que as crianças corram, se movimentem, façam as coisas começarem a mudar em sua realidade na periferia. Ao passo de ser um pedido, é também como se a cantora pudesse se ver criança e pedir para ela mesma que continue correndo, se dedicando. Na sequência ela adentra num pensamento de luxo na favela, descaracteriza a ideia de periferia pobre e sofrida, afirmando que o luxo nasceu para o gueto, para o preto e reafirmando que é possível vencer as dificuldades encontradas na vida periférica. Mesmo cantando sobre a possibilidade de sucesso saindo de áreas pobres, Karol Conká não omite as dificuldades, salientando que o esforço para vencer tem que ser redobrado. “Vô lá” é o mais perto que ela chega de um discurso forte, característica esperada de quem tem poder e lugar de fala na cena rap nacional, e é neste ponto que, reforço, se concentra a maior parte da contradição entre seu trabalho e sua colocação na mídia.
Após as três primeiras faixas, o disco se resume a frases de efeito encaixadas com ideias e ideais que se assemelham aos de uma luta, talvez, feminista de mulheres vindas de classes econômicas favorecidas que necessitam muito mais de “Gandaia” do que de conquistas a direitos básicos. Claro que toda e qualquer mulher tem que ser livre, se divertir, rebolar, curtir o lado festivo da vida, mas restringir um espaço tão importante de representatividade a uma atividade sexual regada a orgasmos, por exemplo, é seguir omitindo o acesso do povo periférico, em especial às mulheres — a quem poderia ser direcionado seu disco — às discussões primordiais para uma verdadeira transformação intelectual ou, simplesmente, ao empoderamento que a artista tanto repete na frente das câmeras.
Com uma produção instrumental tão plural e digna de reconhecimento, o Batuk Freak é uma contradição discursiva, mas carrega consigo uma fidelidade ao título que, talvez, muitos álbuns não consigam alcançar.