sexta-feira, 24 de junho de 2011

De volta para o sessenta, por Cecília Shamá




Em seu livro “Pós-Modernismo: A lógica Cultural do Capitalismo Tardio”, Jameson dedica um capítulo para o papel da nostalgia no mundo pós-moderno intitulado, A nostalgia pelo presente. Debatendo sobre arte, representatividade, capitalismo e anos 1950 e 1960, o autor configura um alcance direto ao tom nostálgico com que o homem costuma pincelar suas manifestações artísticas, tentando encontrar o porquê da necessidade de reconstruirmos épocas passadas.

Nesse contexto, o seriado Mad Men pode ser visto como uma volta aos anos 1960, sendo literalmente construído à base de diálogos embebidos em uísque e cigarro, numa época em que a sexualidade é implícita nos escritórios, as voluptuosas secretárias circulam a todo o momento pelo hall da empresa e a venda do american way of life é parte da folha de pagamento dos publicitários que ocupam os lares e os outdoors da Madson Avenue. E que agora ocupam o mais do que nobre horário da televisão norte-americana e do canal AMC, principal concorrente da HBO nos Estados Unidos.

O universo publicitário construído por Mad Men mostra a semeadura das revoluções na década de 1960, o papel feminino nos cargos e no espaço público (com citações a ícones como Marilyn Monroe e Jacqueline Kennedy), e a reformulação das artes plásticas em volta com a Pop Art e o Minimalismo. Mas sempre como manifestações epidérmicas, afastadas do pequeno universo da agência de publicidade Sterling Cooper, onde as intrigas por campanhas, o ego de seus publicitários, o sexo, a bebida, a fumaça do cigarro e as conversas machistas de seus associados imperam o tempo todo.


O seriado retrata o boom da publicidade numa sociedade que descobria a si mesma nos anos turbulentos de 1960, mas sempre, sempre de forma apurada e distanciada dos movimentos populares que explodiam para além das pequenas grandes paredes dos arranha-céus publicitários da Madson Avenue. Como se fosse um tipo de “neo-sessenta”, com doses do escritório de Se meu apartamento Falasse (EUA, 1960) em conjunto com imagens de alta definição das séries e outros programas de televisão de agora.

Quando Jon Hamm (intérprete de Donald Draper, o personagem central do programa) subiu ao palco em uma das premiações que Mad Men abocanhou (o seriado já leva na bagagem três emmys, assim como três globos de ouro de melhor série, categoria drama) o ator agradeceu ao seleto grupo de espectadores do show, entre eles os familiares dos produtores e elenco. Brincadeiras à parte, a dicotômica relação entre sucesso de crítica e público familiariza a visitação do passado como um ato prolixo, de tempos mortos, tal qual o cita Jameson no capítulo referido:

“É correto, ainda, observar que aqui está em jogo essencialmente um processo de reificação através do qual nos afastamos de nossa imersão no aqui e no agora (ainda não identificados como o “presente”, mas um presente que pode ser datado e rotulado como os anos 80 ou 50. Nosso pressuposto foi o de que hoje isso é mais difícil de alcançar do que nos tempos de sir Walter Scott, quando a contemplação do passado parecia capaz de renovar o sentido de nossa própria leitura do presente como uma seqüência, se não especificamente uma culminância, dessa série genética.”

Desde 1950 que o conforto ideológico provado pelos norte-americanos e suas cercas brancas e perfeitas ganha contestação, com a corrida presidencial ganha por Kennedy anos depois, os movimentos de esquerda criticando a ilusória noção de felicidade asséptica que os EUA construíram e exigiram para seus cidadãos e para o mundo, os Beatles acontecendo para o cenário musical e sexual e Kerouac em meio às drogas e falta de lógica literária servindo de inspiração para a literatura beat. A cidade invadindo o escritório, mesmo que a força, e por ele repelido em encartes publicitários de venda de produtos e modos de ser.

Melodramas cinematográficos retratam bem a pequena esfera dos lares, invadida pelos avanços sociais, mesmo que sufocados como em Vidas Amargas (1955), Clamor do Sexo (1961) ou os dramas dos subúrbios floridos e sem individualidade respeitada de Douglas Sirk.



Como se a verdadeira contestação viesse em formato de hiper-realidade. Dos melodramas, do Uivo de Allen Ginsberg, em interiores antes sagrados e agora profanados, por sua fragilidade, numa espécie de felicidade contida nos minutos fora de casa em qualquer lugar que já é nosso por direito e de mais ninguém. Da referência à Thomas Mann quando da fidelidade que concebemos à infelicidade de não sermos correspondidos por quem amamos, ou achamos que amamos por não ser fácil. Da ilusão de proximidade, da intimidade dos segredos ouvidos, dos rompimentos, desejos sexuais reprimidos, sexo ilícito, fingindo sermos completos através dos relacionamentos dos outros, para não nos sentirmos vazios, sem nada para oferecer. Ofertando-nos e ofertando ao outro como mercadorias, cuspidas para a marginalidade dos cinemas, dos programas de televisão, do álcool, da repressão social e familiar, dos desvios de saúde. Numa espécie de compensação sem equilíbrio, estáticos, como pesos de um lado só da balança, perdendo a guerra sócio-cultural e despedaçando os lares e as cidades, grandes ou pequenas, do mundo que nos cerca.

Ironicamente, o passado parece se revelar uma estética visual e não uma lembrança ativa de épocas passadas da existência humana. O sucesso do seriado em sua rica direção de arte inspira passarelas de Nova York a Vogue inglesa, retomando para o agora as saias rodadas, a cintura alta e as as famosas garotas do calendário de antigamente, as pin ups. Até mesmo a Universidade Northwestern, de Chicago, criou um curso intitulado: Consumismo e mudanças sociais da América de 'Mad Men' - 1960-1965", em que assistir às duas primeiras temporadas da série faz parte da ementa do curso.

Como se retomando ao passado, construindo um presente futurista de cidades e países conectados pelos avanços tecnológicos, e pela necessidade de aproximação do modo de contar do cinema dito como “clássico”, onde podemos exagerar, romper os preceitos sociais, e com o mais apurado fetiche cinematográfico, onde permanecermos em nossas cadeiras e posições de espectadores. A periferia do cosmopolitismo, do passado, do presente imperfeito e de um futuro a ser estudado.

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