segunda-feira, 4 de julho de 2011

Akira (Katsuhiro Ôtomo , Japão, 1988), por Pedro Coelho



Logo na abertura do filme temos uma imagem de Tóquio sendo destruída por uma bomba em 1988, para em seguida aparecer o texto: “31 anos após a Terceira Guerra Mundial, 2019, Neo Tokyo” a partir dai adentramos em um território distópico. Uma megacidade futurista, cuja tecnologia permite uma super integração de seu gigantesco aglomerado humano. Sua população sofre o peso do anonimato na multidão e as posturas existenciais tem uma diversidade frenética: punks, revolucionários, religiões sincréticas, gangues de motoqueiros, todo tipo de trabalhador, policiais se misturam em um cenário de luzes e informação. Esta permanente convulsão social cria um sensação de apocalipse.

A Neo Tokyo retratada no filme não se propõe a ser premonitória no sentido tecnológico ou até mesmo político. Ela é um retrato da própria Tóquio contemporânea, ela reconstrói os eventos históricos passados reais através de uma metáfora que se coloca no futuro fictício: a destruição que Akira provoca na cidade, a terceira guerra mundial, a reconstrução da cidade sob uma base tecnológica e uma sociedade completamente urbana e superpopulosa são um retrato justamente do Japão real, vitima de duas bombas nucleares e sua rápida reestruturação que o colocou como segundo pais mais rico do mundo em algumas décadas.

Duas décadas depois do lançamento do filme, beiramos o ano em que o filme se passa (2019) e é possível traçar uma linha entra a Neo Tokyo do filme com o Novo Mundo que se espalha pelo planeta. As megalópoles já são uma realidade em todos os continentes: Nova Iorque, Cidade do México, São Paulo, Lagos, Shangai , Bombaim, Karachi, Istambul, Moscou, Pequim, Tóquio, Kinshasa, Teerã, Lima, Hong Kong, Jacarta são algumas das varias outras cidades espalhadas por todos os continentes com mais de 7 milhões de habitantes.

Se no século XIX, foi espantoso a Paris do flaneur, a Londres do spleen; no século XX, a Nova Iorque dos arranha céus e das intermináveis noites de jazz, a Berlim sitiada e a Tóquio ultratecnologica. No século XXI, um novo panorama se abre, as distancias físicas perdem o sentido e com elas as noções de fronteiras, classes sociais ou dualismos como cidade versus campo. Uma grande colméia planetária se instala por todo o mundo: multietnica, pluralista, sem bases de valor comum senão o legalismo racional e com indivíduos culturamente imersos no mundo da informação, flutuantes no tempo e no espaço.

No plano individual, os homens padecem cada vez mais de uma sensação de anonimato, impotência e solidão. A mente e o espírito desfalecem diante de uma multidão incomunicável. E a imaginação e o pensamento humano é espremido contra o próprio homem que é obrigado a ceder sua alma para a coletividade. Em Akira, Tetsuo toma consciência de seus poderes e sua imaginação diante de um mundo sufocante e começa uma jornada destrutiva contra o mal do mundo que está contido dentro dele mesmo e começa a devorar-se até explodir a si próprio e a tudo a sua volta. A tragédia desse herói, sua ascensão e queda, está cada vez presente com mais força nos corpos dos habitantes dessa grande cidade-planeta, mas não tem mais valor; só nos importa agora a tragédia deste gigantesco ser planetário que fazemos parte, isto é se essa nau afundará ou não, mas se seus tripulantes já estão se afogando não é um tema importante nos tempos sombrios de Akira.

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