sábado, 2 de julho de 2011

Guerra, subúrbio, infância e nostalgia, por Aaron Athias



Filmes que estão vinculados de alguma forma com a temática da guerra são quase sempre filmes pesados, cujos roteiros são marcados pela dor, a morte, a tristeza e o sofrimento. Esperança e glória (1987), apesar de retratar a Londres suburbana no auge da Blitz da Segunda Guerra Mundial, não segue a linha.

A verdade é que o longa de John Boorman é um filme autobiográfico. É um apanhado de reminiscências da própria infância do diretor, tempo que corresponde à Segunda Guerra. Sendo assim, a guerra se torna um elemento inusitado que é retratado de maneira nostálgica.

No filme, acompanhamos o pequeno Bill Rowan (Sebastian Rice-Edwards) enquanto desfruta da liberdade da infância em pleno período de guerra. Sua mãe, Grace Rowan (Sarah Miles), é uma dona de casa sobrecarregada com o fardo de cuidar de Bill e suas duas irmãs a partir do momento em que seu marido, Clive Rowan (David Hayman) sai de casa para trabalhar como datilógrafo para o exército.

O medo de ter a casa bombardeada é uma constante para a família Rowan. Apesar de aterrorizantes, os “fogos de artifício” são também igualmente excitantes para Bill. Após voltar de um feriado na praia, a família se depara com a casa em chamas e com isso se muda para a casa do pai de Grace no campo. A causa do incêndio não é uma bomba e sim, ironicamente, um fogo doméstico comum. “Afinal, incêndios comuns também podem ocorrer em tempos de guerra” como fala um bombeiro.

A relação de Bill com o subúrbio bombardeado é de encanto. Se as crianças já possuíam uma predileção por brincar do lado de fora, com os bombardeios, os escombros se tornavam então um mundo à parte, palco por onde passavam brincadeiras e fantasias.

De fato, muitas cenas são externas, reforçando a idéia de uma infância vivida ao ar livre. É no jardim da sua casa que ele brinca com seus bonecos, é na rua que ele anda de bicicleta, é nas ruínas que ele passa a maior parte do tempo com seus amigos.

A guerra para Bill é uma abstração, algo distante, que nunca viria acontecer, uma longa espera.. e por isso não é levada a séria. Isso é deixado claro nas primeiras cenas do filme em que o que vemos são dezenas de meninos e meninas gritando, brincando e bagunçando em uma sala de cinema que está rodando um ‘noticiário’ da guerra. Quando mudam o rolo de película para um filme de faroeste, todas param para assistir entusiasmados.

Ademais, a guerra é responsável ainda por dias sem aula, por rotinas agitadas, além das já citadas ruínas e dos “fogos de artifício” toda noite. As crianças suburbanas parecem se divertir mais em tempos de guerra. Uma outra cena que vale destacar do filme é uma em que as crianças voltam às aulas após as férias e encontram a escola destruída. Um menino exclama sem pudor: “Obrigado Adolf Hitler!”.

O nome Esperança e glória dado por Boorman é uma ironia. Deriva de uma canção nacionalista inglesa de 1903 intitulada “Land of Hope and Glory”. Ironia porque durante todo longa não vemos cenas de patriotismo. O que vemos é o exato oposto disso. Uma extrema alienação à complexidade dos eventos que se sucedem. Uma ingenuidade que é perfeitamente compreensível pela razão do personagem principal ser uma criança. O filme representa a sua visão dos fatos naquele período. Nesse aspecto, o filme me lembrou fortemente “O ano que meus pais saíram de férias” (2006) de Cao Hamburger.

O filme recebeu ótimas críticas na época, sendo indicado a cinco Oscar (incluindo ao de Best Motion Picture) e tendo ganhado dois prêmios BAFTA, além de outras nomeações. Achei interessante a maneira como Boorman retratou a sua infância em um contexto paradoxal de tensão, medo e apreensão gerados pela guerra misturados às maravilhas de uma infância bem tranqüila. Porém a trama em si parece carecer de algum conflito maior capaz de prender de vez a atenção. As atuações não são marcantes, salvo um ou outro personagem que consegue se sobressair.

Esperança e glória
é uma comédia leve, despretensiosa, do tipo que você assiste com toda sua família em um domingo chuvoso, mas que certamente não figurará entre os seus filmes preferidos.

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