segunda-feira, 4 de julho de 2011

Melancolia e amizade na insone Tóquio, por Aaron Athias



Resenha do Filme “Lost in Translation” (2004) de Sofia Coppola


Seco e suave; melancólico e engraçado. Irônico e simbólico. Lost in Translation, filme de 2003 e dirigido por Sofia Coppola, é mais um exemplo daqueles pecados de conversão de títulos entre idiomas. O título Encontros e Desencontros, apesar de não fugir por completo da peculiaridade do filme, deixa passar a sua maior sutileza do sentir-se “perdido na tradução”, na vida e no outro lado do mundo.

O título original é apenas uma de várias características brilhantes da película, que tem como enredo principal o cruzamento de dois personagens, Bob Harris e Charlotte, em interpretações impecáveis de Bill Murray e Scarlett Johansson, ambos americanos e que por motivos distintos vão passar uma semana em Tóquio.

Bob Harris é um ator de meia-idade, que já teve o auge da sua fama e está no Japão para gravar um comercial de uísque. Em crise com seu casamento, num afastamento sutil da família. Perdido no fuso-horário de quase doze horas, Bob não consegue dormir e passa as noites no bar do hotel em que está hospedado. A comunicação com os japoneses é muitas vezes falha – o que proporciona alguns dos momentos mais engraçados do filme – e Bob se sente cada vez mais sozinho, mesmo em meio a produtores, seguranças e fãs.

Charlotte é uma jovem, recém-formada em Filosofia e casada há dois anos com John (Giovanni Ribsi), um fotógrafo de celebridades que foi ao Japão para fazer o ensaio de uma banda de Rock. Charlotte viajou para acompanhar o marido, que workaholic que é, abandona a esposa durante todo o dia em seu quarto de hotel, e a jovem tenta encontrar na vista de seu quarto de hotel a resposta para sua melancolia, solidão e tristeza. Do outro lado do mundo, começa a perceber falhas no casamento, nas relações e na sua projeção de futuro.

E é no ritmo desses dois personagens que o filme se desenrola, mostrando uma Tóquio flutuante entre o dia e a noite, o cinza da manhã e do período onde as pessoas estão voltadas ao trabalho ou perdidas em seus pensamentos; e da cidade notívaga, agitada nos karaokês, cosmopolita como toda grande capital e mais vivaz.

O encontro dos dois parece a resposta para todas as angústias do amargurado ator de filme de ação e da filósofa perdida no auge dos seus 25 anos. As cores do filme mudam, as roupas dos personagens parecem ficar mais alegres e a relação se constrói numa vontade mútua de sair daquele hotel e descobrir que, mesmo “perdidos na tradução”, eles ainda conseguem se achar numa cidade tão diferente, mas ao mesmo tempo tão parecida com qualquer outra grande capital do mundo.

A relação entre Bob e Charlotte se inicia com a insônia como pretexto para algumas conversas despretensiosas e se desenvolve como uma história de amor, um amor sem a gratificação sexual, ou seja, o mais puro e genuíno amor amigo. Um amor que surge espontaneamente. A força dessa atração (sem conotação erótica) é tamanha que essa amizade surgiu sem que os dois se apresentassem. Um olhar mais atento ao filme repara que em nenhum momento esse diálogo ocorreu.

A cidade de Tóquio é o perfeito contraste para as situações dos dois protagonistas e, deste modo, realça ainda mais a força da melancolia presente nos personagens e no filme. A escolha de Sofia para gravar o longa na cidade não foi ao acaso. A diretora, que sempre gostou da cidade, quis um ambiente agitado para ser palco de uma amizade atípica. Inclusive as escolhas das locações foram todas realizadas com bastante antecedência, partindo de trabalhos fotográficos da própria diretora.

Coppola mantém o silêncio e a intimidade do filme, suas grandes pérolas. Evoca a intensidade emocional de uma noite fora de casa e propõe que os encontros e amizades possam surgir naturalmente, mesmo que em uma cidade frenética num país onde os horários são invertidos.

Nenhum comentário: