segunda-feira, 4 de julho de 2011

Akira (Katsuhiro Ôtomo , Japão, 1988), por Pedro Coelho



Logo na abertura do filme temos uma imagem de Tóquio sendo destruída por uma bomba em 1988, para em seguida aparecer o texto: “31 anos após a Terceira Guerra Mundial, 2019, Neo Tokyo” a partir dai adentramos em um território distópico. Uma megacidade futurista, cuja tecnologia permite uma super integração de seu gigantesco aglomerado humano. Sua população sofre o peso do anonimato na multidão e as posturas existenciais tem uma diversidade frenética: punks, revolucionários, religiões sincréticas, gangues de motoqueiros, todo tipo de trabalhador, policiais se misturam em um cenário de luzes e informação. Esta permanente convulsão social cria um sensação de apocalipse.

A Neo Tokyo retratada no filme não se propõe a ser premonitória no sentido tecnológico ou até mesmo político. Ela é um retrato da própria Tóquio contemporânea, ela reconstrói os eventos históricos passados reais através de uma metáfora que se coloca no futuro fictício: a destruição que Akira provoca na cidade, a terceira guerra mundial, a reconstrução da cidade sob uma base tecnológica e uma sociedade completamente urbana e superpopulosa são um retrato justamente do Japão real, vitima de duas bombas nucleares e sua rápida reestruturação que o colocou como segundo pais mais rico do mundo em algumas décadas.

Duas décadas depois do lançamento do filme, beiramos o ano em que o filme se passa (2019) e é possível traçar uma linha entra a Neo Tokyo do filme com o Novo Mundo que se espalha pelo planeta. As megalópoles já são uma realidade em todos os continentes: Nova Iorque, Cidade do México, São Paulo, Lagos, Shangai , Bombaim, Karachi, Istambul, Moscou, Pequim, Tóquio, Kinshasa, Teerã, Lima, Hong Kong, Jacarta são algumas das varias outras cidades espalhadas por todos os continentes com mais de 7 milhões de habitantes.

Se no século XIX, foi espantoso a Paris do flaneur, a Londres do spleen; no século XX, a Nova Iorque dos arranha céus e das intermináveis noites de jazz, a Berlim sitiada e a Tóquio ultratecnologica. No século XXI, um novo panorama se abre, as distancias físicas perdem o sentido e com elas as noções de fronteiras, classes sociais ou dualismos como cidade versus campo. Uma grande colméia planetária se instala por todo o mundo: multietnica, pluralista, sem bases de valor comum senão o legalismo racional e com indivíduos culturamente imersos no mundo da informação, flutuantes no tempo e no espaço.

No plano individual, os homens padecem cada vez mais de uma sensação de anonimato, impotência e solidão. A mente e o espírito desfalecem diante de uma multidão incomunicável. E a imaginação e o pensamento humano é espremido contra o próprio homem que é obrigado a ceder sua alma para a coletividade. Em Akira, Tetsuo toma consciência de seus poderes e sua imaginação diante de um mundo sufocante e começa uma jornada destrutiva contra o mal do mundo que está contido dentro dele mesmo e começa a devorar-se até explodir a si próprio e a tudo a sua volta. A tragédia desse herói, sua ascensão e queda, está cada vez presente com mais força nos corpos dos habitantes dessa grande cidade-planeta, mas não tem mais valor; só nos importa agora a tragédia deste gigantesco ser planetário que fazemos parte, isto é se essa nau afundará ou não, mas se seus tripulantes já estão se afogando não é um tema importante nos tempos sombrios de Akira.

Melancolia e amizade na insone Tóquio, por Aaron Athias



Resenha do Filme “Lost in Translation” (2004) de Sofia Coppola


Seco e suave; melancólico e engraçado. Irônico e simbólico. Lost in Translation, filme de 2003 e dirigido por Sofia Coppola, é mais um exemplo daqueles pecados de conversão de títulos entre idiomas. O título Encontros e Desencontros, apesar de não fugir por completo da peculiaridade do filme, deixa passar a sua maior sutileza do sentir-se “perdido na tradução”, na vida e no outro lado do mundo.

O título original é apenas uma de várias características brilhantes da película, que tem como enredo principal o cruzamento de dois personagens, Bob Harris e Charlotte, em interpretações impecáveis de Bill Murray e Scarlett Johansson, ambos americanos e que por motivos distintos vão passar uma semana em Tóquio.

Bob Harris é um ator de meia-idade, que já teve o auge da sua fama e está no Japão para gravar um comercial de uísque. Em crise com seu casamento, num afastamento sutil da família. Perdido no fuso-horário de quase doze horas, Bob não consegue dormir e passa as noites no bar do hotel em que está hospedado. A comunicação com os japoneses é muitas vezes falha – o que proporciona alguns dos momentos mais engraçados do filme – e Bob se sente cada vez mais sozinho, mesmo em meio a produtores, seguranças e fãs.

Charlotte é uma jovem, recém-formada em Filosofia e casada há dois anos com John (Giovanni Ribsi), um fotógrafo de celebridades que foi ao Japão para fazer o ensaio de uma banda de Rock. Charlotte viajou para acompanhar o marido, que workaholic que é, abandona a esposa durante todo o dia em seu quarto de hotel, e a jovem tenta encontrar na vista de seu quarto de hotel a resposta para sua melancolia, solidão e tristeza. Do outro lado do mundo, começa a perceber falhas no casamento, nas relações e na sua projeção de futuro.

E é no ritmo desses dois personagens que o filme se desenrola, mostrando uma Tóquio flutuante entre o dia e a noite, o cinza da manhã e do período onde as pessoas estão voltadas ao trabalho ou perdidas em seus pensamentos; e da cidade notívaga, agitada nos karaokês, cosmopolita como toda grande capital e mais vivaz.

O encontro dos dois parece a resposta para todas as angústias do amargurado ator de filme de ação e da filósofa perdida no auge dos seus 25 anos. As cores do filme mudam, as roupas dos personagens parecem ficar mais alegres e a relação se constrói numa vontade mútua de sair daquele hotel e descobrir que, mesmo “perdidos na tradução”, eles ainda conseguem se achar numa cidade tão diferente, mas ao mesmo tempo tão parecida com qualquer outra grande capital do mundo.

A relação entre Bob e Charlotte se inicia com a insônia como pretexto para algumas conversas despretensiosas e se desenvolve como uma história de amor, um amor sem a gratificação sexual, ou seja, o mais puro e genuíno amor amigo. Um amor que surge espontaneamente. A força dessa atração (sem conotação erótica) é tamanha que essa amizade surgiu sem que os dois se apresentassem. Um olhar mais atento ao filme repara que em nenhum momento esse diálogo ocorreu.

A cidade de Tóquio é o perfeito contraste para as situações dos dois protagonistas e, deste modo, realça ainda mais a força da melancolia presente nos personagens e no filme. A escolha de Sofia para gravar o longa na cidade não foi ao acaso. A diretora, que sempre gostou da cidade, quis um ambiente agitado para ser palco de uma amizade atípica. Inclusive as escolhas das locações foram todas realizadas com bastante antecedência, partindo de trabalhos fotográficos da própria diretora.

Coppola mantém o silêncio e a intimidade do filme, suas grandes pérolas. Evoca a intensidade emocional de uma noite fora de casa e propõe que os encontros e amizades possam surgir naturalmente, mesmo que em uma cidade frenética num país onde os horários são invertidos.

O estranho mundo de Lynch, por Cecília Shamá


“A candy colored clown they call the sandman, Tiptoes to my room every night” – Roy Orbison


Quem assiste e gosta de Lynch pode se considerar um pervertido protegido pela espessura da película cinematográfica. Deixamos na mão do cineasta nossos maiores fetiches, os assassinatos que gostaríamos de cometer, os desvios sexuais dos quais não falamos em voz alta, a atração pela violência e a nudez dos corpos e dos vergonhosos gostos e prazeres sensoriais. Os filmes de David Lynch são como um mural no qual podemos tocar as texturas e camadas, um Pollock neo-noir, um lugar onde assinamos um contrato de permanecer com a mente aberta, deixando qualquer vergonha e tiques sociais do lado de fora da porta. Veludo Azul (1986) é puro Lynch e, portanto, puro prazer cinematográfico tântrico.

A primeira tomada do longa nos mostra as cercas brancas e os jardins perfeitos, onde casinhas iguais integram seres humanos comuns em diferentes quatro paredes. Pois são nos interiores das construções onde encontramos a verdade, sobre quem somos e como vivemos. Não nas cercas impecáveis que dividem os vizinhos espacial e emocionalmente, mas nas formigas que carregam pedaços de transgressões nossas como lhes foi resignado a fazer. Os pequeninos insetos retiram nossas sujeiras numa metáfora perfeita: quando acumulamos desvios, eis que eles surgem nos mostrando que alguém está observando, de vez em quando limpando o trabalho sujo, invariavelmente evidenciando a gente para nós mesmos e pro mundo.

Nessa mesma seqüência nos é mostrado um homem regando seu jardim e, escatologicamente sofrendo um acidente com a mangueira. Este homem é o pai de nosso protagonista, Jeffrey (Kyle MacLachlan) uma espécie de filho pródigo que retorna para a monotonia de sua cidadezinha natal para averiguar o estado do pai. Em suas andanças por outros gramados, encontra uma orelha e o fio condutor da narrativa de Veludo Azul. A sujeira que as formigas lhe entregam o levam a pessoas e vontades bizarras. Mesmo nas pequenas cidades, (que o diga a série Twin Peaks) como a esperar a pureza através da pequeneza geográfica, erroneamente configuramos monotonia, distanciamento, valores ultrapassados, à figura da cidade do interior, bucólica, casta e, portanto, segura.
Pois todo o filme poderia ser resumido em uma palavra: voyeurismo. De quando Jeffrey observa a cantora Dorothy Vallens (Isabela Rossellini) em cena quando da linda fotografia ao vermos literalmente o nome do filme se materializar na pele da atriz, em seu vestido e pele de um erótico veludo azul. Ou na cena do apartamento de Dorothy, quando assim como Jeffrey espionamos pela fresta da porta sua relação esdrúxula com Frank (Dennis Hopper) que estapeia a mulher seminua à sua frente, esta entregue numa espécie de torpor irritante, tanto para Frank quanto para nós, em um sexo projetado através da exacerbação do recalque da libido. De ambos, Dorothy e Frank, diga-se. E enquanto Jeffrey busca respostas para a dependência doentia da cantora para com aquele homem desconhecido, invadindo lugares proibidos, escutando através de portas, olhando pela ótica de alguém que está dentro de um carro para um prédio cheio de possibilidades, nos posicionamos como espectadores do desconhecido, curiosos em saber os segredos sombrios dos outros, para que justifiquemos os nossos.

É quando entra em cena, paradoxalmente à morena Rossellini, a loirinha virginal do filme e namoradinha de Jeffrey, Sandy, interpretada pela musa do diretor Laura Dern. Estabelecendo mais um jogo de fotografia física, a oposição entre o claro e o escuro, mas sem tanta oposição, uma vez que Dorothy se mostra mais vulnerável e prejudicial à si e aos outros do que a mocinha de cabelos dourados e vestidos florais, Lynch passa a perna em qualquer significado sensorial que busquemos a curto prazo. Decantar a experiência é o essencial em todos os seus trabalhos, seja em Império dos Sonhos (2006), no tocante O homem elefante (1980), no romântico Coração Selvagem (1990) ou no sonhador e desiludido Cidades dos Sonhos (2001), David Lynch existe, pois nós existimos, e vice-versa.

O epílogo do filme soa como uma expressão resignada de um artista que não se oprime pelo mundo estranho e pelas cidadezinhas que nos cercam (a frase "é um mundo estranho” fecha o filme) e sabemos que a leitura escatológica e deturpada do mundo pelos olhos de Lynch toma forma fílmica através das múltiplas personalidades que escondemos por baixo dos panos, quando o veludo enfim, é encontrado e carregado para longe pelas formigas impiedosas. Da cidade grande para as metrópoles, de David Lynch para seu cinema e para seus espectadores.

Annie Hall, por Pethrus Tibúrcio Cavalcanti da Silva



Noivo neurótico, noiva nervosa é tudo sobre o amor e tudo sobre a cidade. O relacionamento entre Alvy Singer e Annie Hall nasce, decorre e, por fim, termina entre edifícios e multidões. Suas personalidades e histórias são construídas a partir de onde eles nasceram e de onde vivem: Alvy, lunático criador de teorias da conspiração, é o típico new yorker e Annie, usuária casual de drogas relaxantes, prefere a tranquilidade do campo.

Sendo o personagem principal um comediante, o filme abre com duas piadas, uma que diz "Não quero fazer parte de nenhum clube que me aceite como membro" e outra que fala do quão efêmera e trágica é a vida. Alvy é, claramente, um pessimista e deixa isto claro quando diz que, para ele, as pessoas são dividas em horríveis e miseráveis.

Woody Allen brinca com as particularidades do romance durante o filme, quando, por exemplo, ele cria um diálogo onde o espectador ouve o que o personagem fala e, ao mesmo tempo, “lê” seus pensamentos, mostrando a falsa segurança das pessoas dentro de uma relação. Depois, quando surgem as crises conjugais, ele separa o espírito da personagem do corpo e cria um diálogo cômico acerca da alienação de Annie Hall durante o sexo.

Este é, talvez, o filme mais autobiográfico de Woody Allen. Rompendo com a ideia de um tempo cronológico e revestindo o filme de referências psicanalíticas, Woody quebra o convencional quando funde passado e presente numa dimensão só e cria uma dicotomia entre a alma e o corpo na busca de um entendimento de ações anteriores ou decorrentes.

A memória é completamente não-estática e explorada o tempo todo no filme. Os personagens revivem, tentam alterar, entender e até, recriar, momentos do passado. Alvy procura vivenciar o romance com Annie com outra mulher fazendo as mesmas coisas que eles faziam e, mesmo depois dos 40 anos de idade, eventos ainda eram explicados pela infância, como a cena do “bate-bate” na Califórnia.

O personagem é completamente vinculado à cidade e, ainda mais, à cultura dela. Durante o filme é notável como estereótipos são criados em cima de Nova Iorque e da Califórnia e fica clara a relutância de Alvy, em seus sintomas físicos, ao sair da sua zona de conforto. Mas, o momento-chave nessa relação amor-cidade se dá quando Annie, fascinada pela Califórnia, declara Nova Iorque uma “cidade morta”. Sem estar disposto a largar o Upper East Side, Alvy rompe o namoro com Annie. Mas, mesmo nos últimos segundos de filme, quando todos os personagens saem de cena, Nova Iorque continua lá.

Veludo Azul, por Ana Luiza Alencar



Existem muitas coisas sombrias neste mundo e a maioria dos filmes reflete o mundo em que vivemos. Os filmes são histórias, e histórias sempre implicam conflito. David Lynch provoca certo estranhamento pela criação não só de personagens bizarros, mas de um universo cercado pelo misterioso e pela violência. A única forma de entrar no seu universo é através da abstração. Na concepção do diretor, mais importante do que contar uma história é registrar uma atmosfera.

O verdadeiro poder do cinema, segundo o diretor, “não reside no simples fato de contar uma história, mas na maneira como ela é contada, na capacidade que se tem de criar um mundo, uma atmosfera ou uma sensação nas quais o espectador se veja imerso” (Tirard, 2006, p. 142). Em seu livro Em águas profundas, David Lynch comenta seu método de criação e o surgimento das idéias. O filme surge para ele em fragmentos, sendo o primeiro fragmento a peça central do quebra-cabeça, a que orienta todo o resto. Em Veludo Azul, o diretor comenta que isso surgiu primeiramente sob a forma de “lábios vermelhos, gramados verdes e a canção Blue Velvet interpretada por Bobby Vinton”, a idéia seguinte teria sido a visão de uma orelha sob a relva. Lynch enfatiza que ao se apaixonar por esta primeira idéia, logo mais fragmentos surgem, fazendo emergir toda a composição.

A textura é um elemento que Lynch gosta particularmente e usa em seus filmes para imprimir uma atmosfera. O diretor tem uma verdadeira fascinação por tudo o que é textura. A respeito disso, ele escreveu “não gosto necessariamente de corpos decompostos, mas existe uma textura extraordinária em um corpo decomposto, quando se filma isso em close, as texturas são maravilhosas” (2008, p.129).

Nelson Brissac Peixoto em seu livro América: imagens, observa que David Lynch foi diretamente influenciado pelo fotografo William Eggleston, identificado pelo autor como o principal mapeador dos subúrbios, dentre os fotógrafos americanos contemporâneos. Em Eggleston, assim como em Lynch, “os objetos e ambientes parecem tomados de tensão e violência, emanando a sensação de eminente tragédia. As imagens procuram fazer aflorar as fissuras que existem sob a fina camada de normalidade que recobre aquele ordeiro universo residencial. Estes subúrbios, a princípio uma reserva de tranqüilidade e paz, revelam-se ameaçadores e claustrofóbicos. O céu azul e cristalino que normalmente domina estas fotos vira indício de um terrível tormento interior”. (1989, p. 58)

Peixoto ressalta que Eggleston converte o local da domesticidade num lugar sinistro e nos conduz através dos mistérios escondidos no mais familiar (1989, p. 60). Veludo azul é de acordo com o autor, um dos mais argutos retratos cinematográficos da vitalidade e violência que se ocultam sob a aparente placidez da América interiorana. Peixoto enfatiza o uso da cor, uma vez que a subúrbia postula imediatamente a questão da cor.

Cercas brancas, gramados verdes, canteiros de flores, donas de casa... Toda a iconografia que nos remete a subúrbia. Porém são elementos da superfície, que camuflam sua verdadeira essência. É um mundo estranho, como dizem Jeffrey (Kyle MacLachlan) e Sandy (Laura Dern) repetidas vezes, se dando conta eles próprios de que a realidade que lhes cerca abriga mais mistérios do que fazia crer. A música acentua o clima de mistério, as ruas escuras e aparentemente calmas parecem ocultar algum perigo.

Como observa Frederic Jameson, o filme expressa a ideologia do “excepcionalismo americano”, da cidadezinha do interior que é muito melhor preservada em seus detalhes como um “simulacro”. Jameson ressalta que Lynch ao completar essa atmosfera, com uma high school e tudo o mais, “imita o mais autêntico dos filmes dos anos 50. Até uma psicanálise pop, bem ao estilo dos anos 50, pode ser evocada para explicar o conto de fadas, uma vez que além da perspectiva mítica e sociobiológica da violência da natureza, os acontecimentos do filme também são emuldorados pela crise da função paterna” (1997, p. 300).



REFERÊNCIAS

LYNCH, David. Em águas profundas: criatividade e meditação. Rio de Janeiro: Gryphus, 2008.
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1997.
PEIXOTO, Nelson Brissac. América: imagens. São Paulo: Companhia das Letras; Rio de Janeiro: Videofilmes, 1989.
TIRARD, Laurent. Grandes diretores de cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

domingo, 3 de julho de 2011

Meia noite em Paris, de Woody Allen, por Bruna Belo


Em Meia noite em Paris, Woody Allen volta a fazer uso do fantástico, recurso que estava longe das suas obras desde Scoop (2006). Gil (Owen Wilson) vai a Paris organizar os preparativos para o seu casamento com Inez (Rachel McAdams). Ele está desiludido com o seu trabalho como roteirista em Hollywood, por isso quer se tornar um escritor e acredita que esta é a cidade ideal para recomeçar a sua vida e lhe dar inspiração. Durante uma de suas caminhadas pela noite parisiense a fim de buscar “luz”, como num conto de fadas, ele pega carona com desconhecidos e vai parar nos anos 20.

A magia, em vez de acabar, começa à meia-noite, quando esse antigo carro para em frente a uma escadaria nas escuras ruelas parisienses e o leva ao encontro de famosos artistas dos loucos anos 20, como: F. Scott e Zelda Fitzgerald, Cole Porter, Hemingway, Gertrude Stein, Picasso, Dali, Man Ray e Buñuel.

Owen Wilson consegue interpretar o famoso personagem neurótico de Woody Allen tão bem quanto o diretor, ele absorveu todos os trejeitos e entonação, reclama de praticamente tudo, não se sente adequado ao mundo, é escritor e acha que a mudança de vida e a arte são a solução para todos os seus problemas e o seu vazio existencial.

Allen está mais leve, apesar dos seus temas continuarem densos e psicanalíticos. Todos os seus problemas habituais são tratados de forma mais simples, maleável, nesse filme, talvez pela poesia natural da cidade, pelo clima de nostalgia ou pela terna mensagem que a obra traz: não importa quão bom foi o passado, é no presente onde vivemos e onde temos nossas melhores possibilidades.

Paris é mostrada de forma poética e apaixonada, de forma semelhante à Nova York de Manhattan (1980) – os takes de diversos locais da cidade na seqüência de abertura lembram muito o filme de 1980. A cidade, junto com toda a sua história, é a protagonista do enredo, o fio condutor, sem ela nada na trama seria possível.
Woody Allen é apaixonado por Paris, assim como é por Nova York, e há muito tempo tinha o desejo de fazer um filme inteiramente rodado lá. Essa paixão é passada ao espectador, que sai da sessão renovado e cheio de esperanças. O diretor atinge o seu objetivo, pois, como ele mesmo disse: “Espero que o público, especialmente o francês, receba o filme com o espírito que eu estava quando o realizei, uma espécie de love affair com Paris”.

O Fabuloso destino de Amélie Poulain, por Thaís Lima


Amélie não tem namorado. Tentou uma ou duas vezes, mas o resultado não foi o que esperava. Em compensação, cultiva um gosto particular pelos pequenos prazeres. Enfiar a mão bem fundo no saco de cereais , quebrar a cobertura do Crème Brúlée com a colher...e jogar pedras no canal Saint Martin”

Desde o início, apegado aos pequenos detalhes e às minuciosidades da vida, o improvável filme de Jean-Pierre Jeunet, O fabuloso destino de Amélie Poulain (2001),é uma surpreendente produção francesa ,bem diferente das já trazidas por Jeunet e mais interessante ainda por se tratar de uma renovação no cinema francês, conhecido pelos seus sombrios filmes de ficção.

O destino não se mostrava tão fabuloso para Amélie Poulain no começo do filme ,já que quando criança ela não pôde conviver com pessoas de sua idade por seus pais acharem que a menina sofria de uma anomalia cardíaca e por isso não a mandaram para a escola. Na verdade, o coração dela se acelerava toda vez que o pai, médico, a examinava, já que sendo este pouco afetivo, nunca a abraçava, fazendo com que a menina se emocionasse e ficasse nervosa com o raro contato físico com o pai.

Já adulta ,Amélie( Audrey Tautou),muda-se para o bairro de Montmatre e vai trabalhar como garçonete no Deux Moulin. Nesta parte do filme, mostra-se as principais características dos personagens como, “Esta é Suzanne,a dona do café.Ela manca um pouco,mas nunca derrubou um copo.Ela gosta: De atletas que choram de decepção.Não gosta: Que um pai seja humilhado na frente de seu filho.” A grande quantidade de descrições é uma marca forte do filme,onde predominam os mínimos detalhes de cada personagem e principalmente da protagonista.

O filme tem forte relação com a cidade,mostrando uma Paris bem iluminada,aconchegante e florida,com suas estações de metrô ,seus parques, seus prédios antigos e suas belas paisagens vistas de cima.Não se percebe a cidade como vício,mas talvez apenas como virtude, onde a mesma é ponto de encontros e desencontros.Uma cidade,onde o rumor tranquilo é favorável às histórias de amor e de volta ao passado romântico.

A solidão a qual foi submetida quando criança é um dos importantes fatores no momento em que Amélie Poulain decide que vai fazer a vida das pessoas ao seu redor melhorar.Ao encontrar uma caixa contendo objetos de um antigo morador de seu apartamento,Amélie se empenha na busca pelo dono daquelas lembranças,e quando o encontra e percebe o bem que causou ao homem,decide que vai se dedicar a tarefa altruísta de tornar as pessoas mais felizes.

Tudo estava normal,Amélie de vez em quando visitava o pai,trabalhava no café e se distraía ajudando as pessoas,até que se apaixonou a primeira vista por Nino Quincampoix. Desde então,ela teve que se adaptar com a possibilidade de por um fim a toda solidão que a acompanhava desde a infância,dando chance a um inesperado sentimento,como é o amor.

“O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” é todo acompanhado pela bela trilha sonora de Yann Tiersen,que combina,acima de tudo,com o clima parisiense de paz e tranquilidade que se mostra no filme .Ao mesmo tempo, as músicas também andam em harmonia com a vida de Amélie que se divide entre momentos cheios de imaginação e de realidade,sobretudo inspirada nos pequenos prazeres da vida.

sábado, 2 de julho de 2011

L.A. Confidential, por João Vitor de Macêdo Pascoal


“A vida é boa em Los Angeles. É o paraíso na terra. Pelo menos é o que te dizem. Eles te vendem uma imagem. Eles a vendem pelo cinema, pelo rádio e pela televisão... Dá pra pensar que aqui é o jardim do Éden. Mas há problemas no paraíso e seu nome é Mayer Harris Cohen. Mickey C. para os fãs, figurinha carimbada de L.A... Mickey C. é a cabeça do crime organizado aqui. Ele domina as drogas, a extorsão, e a prostituição. Ele mata uma dúzia de pessoas todo ano. E, toda vez que sua foto sai na primeira página, é uma mancha na imagem de Los Angeles, porque como o crime organizado pode existir na cidade que possui a melhor polícia do mundo?”

Assim é narrado o início de L.A. Confidential. Filme que mostra a Los Angeles das estrelas de cinema sob outro ponto de vista. Com a prisão de Mickey C. o controle do crime organizado tem que mudar de mãos, toda história se desenrola para que se descubra à quem pertence essas mãos. A trama tem como personagens principais os detetives: Ed Exley (Guy Pearce), Bud White ( Russell Crowe) e Jack Vincennes (Kevin Spacey). Os três têm maneiras bastante distintas de trabalhar.

O detetive Exley é considerado muito “certinho” por todos os outros policiais, para ele tudo tem que estar dentro da lei. É promovido rapidamente, por denunciar outros policiais envolvidos em uma confusão ocorrida na delegacia, por isso passa ser odiado e visto como “dedo duro”. White é conhecido por sua brutalidade, não admite violência contra mulheres, por conta de sua mãe, que foi espancada até a morte quando ele era criança e enquanto ele era obrigado a assistir tudo. Por topar tudo para solucionar crimes, ele goza de prestígio entre os seus superiores, forjar provas e coagir suspeitos não são problemas para ele. Jack é um policial celebridade, ele recebe informações da revista Hush-Hush sobre celebridades que fazem algo ilícito e em troca permite que a revista fotografe as prisões. Ele também fica constantemente nos estúdios de uma série de TV policial na qual faz participações.

Respondendo a pergunta do começo do filme, para que haja crime organizado na cidade que possui a melhor polícia do mundo é preciso que a polícia faça parte do crime e é isso que esse três detetives de personalidades tão distintas vão descobrir, perceberão que tudo era um jogo de cartas marcadas, cheio de mortes e com um final surpreendente.

Guerra, subúrbio, infância e nostalgia, por Aaron Athias



Filmes que estão vinculados de alguma forma com a temática da guerra são quase sempre filmes pesados, cujos roteiros são marcados pela dor, a morte, a tristeza e o sofrimento. Esperança e glória (1987), apesar de retratar a Londres suburbana no auge da Blitz da Segunda Guerra Mundial, não segue a linha.

A verdade é que o longa de John Boorman é um filme autobiográfico. É um apanhado de reminiscências da própria infância do diretor, tempo que corresponde à Segunda Guerra. Sendo assim, a guerra se torna um elemento inusitado que é retratado de maneira nostálgica.

No filme, acompanhamos o pequeno Bill Rowan (Sebastian Rice-Edwards) enquanto desfruta da liberdade da infância em pleno período de guerra. Sua mãe, Grace Rowan (Sarah Miles), é uma dona de casa sobrecarregada com o fardo de cuidar de Bill e suas duas irmãs a partir do momento em que seu marido, Clive Rowan (David Hayman) sai de casa para trabalhar como datilógrafo para o exército.

O medo de ter a casa bombardeada é uma constante para a família Rowan. Apesar de aterrorizantes, os “fogos de artifício” são também igualmente excitantes para Bill. Após voltar de um feriado na praia, a família se depara com a casa em chamas e com isso se muda para a casa do pai de Grace no campo. A causa do incêndio não é uma bomba e sim, ironicamente, um fogo doméstico comum. “Afinal, incêndios comuns também podem ocorrer em tempos de guerra” como fala um bombeiro.

A relação de Bill com o subúrbio bombardeado é de encanto. Se as crianças já possuíam uma predileção por brincar do lado de fora, com os bombardeios, os escombros se tornavam então um mundo à parte, palco por onde passavam brincadeiras e fantasias.

De fato, muitas cenas são externas, reforçando a idéia de uma infância vivida ao ar livre. É no jardim da sua casa que ele brinca com seus bonecos, é na rua que ele anda de bicicleta, é nas ruínas que ele passa a maior parte do tempo com seus amigos.

A guerra para Bill é uma abstração, algo distante, que nunca viria acontecer, uma longa espera.. e por isso não é levada a séria. Isso é deixado claro nas primeiras cenas do filme em que o que vemos são dezenas de meninos e meninas gritando, brincando e bagunçando em uma sala de cinema que está rodando um ‘noticiário’ da guerra. Quando mudam o rolo de película para um filme de faroeste, todas param para assistir entusiasmados.

Ademais, a guerra é responsável ainda por dias sem aula, por rotinas agitadas, além das já citadas ruínas e dos “fogos de artifício” toda noite. As crianças suburbanas parecem se divertir mais em tempos de guerra. Uma outra cena que vale destacar do filme é uma em que as crianças voltam às aulas após as férias e encontram a escola destruída. Um menino exclama sem pudor: “Obrigado Adolf Hitler!”.

O nome Esperança e glória dado por Boorman é uma ironia. Deriva de uma canção nacionalista inglesa de 1903 intitulada “Land of Hope and Glory”. Ironia porque durante todo longa não vemos cenas de patriotismo. O que vemos é o exato oposto disso. Uma extrema alienação à complexidade dos eventos que se sucedem. Uma ingenuidade que é perfeitamente compreensível pela razão do personagem principal ser uma criança. O filme representa a sua visão dos fatos naquele período. Nesse aspecto, o filme me lembrou fortemente “O ano que meus pais saíram de férias” (2006) de Cao Hamburger.

O filme recebeu ótimas críticas na época, sendo indicado a cinco Oscar (incluindo ao de Best Motion Picture) e tendo ganhado dois prêmios BAFTA, além de outras nomeações. Achei interessante a maneira como Boorman retratou a sua infância em um contexto paradoxal de tensão, medo e apreensão gerados pela guerra misturados às maravilhas de uma infância bem tranqüila. Porém a trama em si parece carecer de algum conflito maior capaz de prender de vez a atenção. As atuações não são marcantes, salvo um ou outro personagem que consegue se sobressair.

Esperança e glória
é uma comédia leve, despretensiosa, do tipo que você assiste com toda sua família em um domingo chuvoso, mas que certamente não figurará entre os seus filmes preferidos.