terça-feira, 16 de novembro de 2010
Percepção, cinema e pós-modernismo, por Annyela Rocha
Ir ao cinema envolve muito mais fatores do que comprar ingressos, escolher um bom lugar na sala de projeção e conferir o trabalho audiovisual. Geralmente o filme é escolhido para ser assistido por algum motivo prévio: devido a uma indicação de um amigo; porque o filme tem no elenco ou é dirigido por alguém em especial; porque o trailer despertou interesse; porque as críticas são polêmicas, etc.
O que ocorre, então, é a criação de uma expectativa diante daquela obra. No texto A psicologia e o enigma do estilo, o historiador da arte Ernst Gombrich resume que “nós nos aproximamos das (...) obras com os nossos receptores já afinados. Esperamos receber certa notação, certos símbolos, e nos preparamos para entendê-los” (GOMBRICH, 2007, p. 53). Ele afirma ainda que cultura e comunicação são sempre dependentes dessa interação entre expectativa e observação, sendo esses níveis de expectativa chamados (segundo psicólogos) de contextos mentais.
Diante do cinema é muito fácil colocar estas declarações em prática e notar o quanto são verdadeiras. Existe, ao sair da sala de projeção, um sentimento ou uma discussão sobre como aquele filme atendeu ao que se esperava ou não. Algumas expectativas são, por exemplo, reservadas a movimentos cinematográficos específicos. Do cinema autoral da Nouvelle Vague não é de se esperar um grande enredo norteado por ações como mandam os manuais de roteiro norte-americanos. Assim como nos blockbusters não será aguardada uma trama centrada em personagens profundos e diálogos introspectivos. As cargas emocionais referentes a cada tipo de ilusão vão sendo moldadas e o espectador aprende como direcionar seus desejos e pretensões.
Esses contextos mentais vão variar principalmente diante do estilo – seja o do artista ou o da época no qual ele está inserido. O artista tem sua personalidade e sua forma de ver o mundo, o que vai definir sua obra. Gombrich ressalta ainda, que esse artista também tem suas afinações em sua percepção, ele conforma o mundo visível à sua forma pessoal de vê-lo e interpretá-lo: “a pintura é uma atividade, e o artista tende, consequentemente, a ver o que pinta em vez de pintar o que vê” (GOMBRICH, 2007, p. 73). A metáfora pode facilmente ser trazida para a realidade das produções audiovisuais.
Outro aspecto importante a ser destacado quanto às grades impostas ao estilo é o contexto da técnica disponível. “O artista, é claro, pode transmitir só o que o seu instrumento e veículo são capazes de executar. Sua técnica restringe sua liberdade de escolha.” (GOMBRICH, 2007, p. 56) No campo das produções cinematográficas, outras questões além da simples escolha do artista entram em voga, como o orçamento disponível, a possibilidade de se ter certos equipamentos ou certos profissionais (pois não se pode esquecer que, diferente da solidão necessária ao poeta e ao pintor, o cinema sempre será um trabalho coletivo).
A própria tese de Gombrich, por exemplo, está fadada a ser enquadrada numa situação específica, temporal e científica. A primeira publicação de Arte e Ilusão é de 1960, uma época em que não mais se julgava a arte através de uma tendência progressista, mas também um mundo que não tinha visto ainda o desenrolar atual do pós-modernismo. Friedrich Jameson, que desenvolveu grande estudo a respeito da situação pós-moderna, chega à triste afirmação de que esse momento mundial implica o fim “do estilo, no sentido único e do pessoal, o fim da pincelada individual distinta (como simbolizado pela primazia emergente da reprodução mecânica)”. (JAMESON, 1997, p. 43) Os agravantes da reprodutibilidade mecânica, que estavam latentes desde as gravuras e a imprensa, e percebidos desde Walter Benjamin, modificaram intensamente os contextos mentais da espectatorialidade.
No pós-modernismo o interesse é sempre pelas rupturas, mas não simplesmente pelas alterações, e sim pelo momento exato em que elas ocorrem, “o instante revelador depois do qual nada mais foi o mesmo, (...) o ‘quando-tudo-mudou’ (...), os deslocamentos e mudanças irrevogáveis na representação dos objetos e do modo como eles mudam” (JAMESON, 1997, p. 13). Existe hoje, então, um sentimento exacerbado de urgência de consumo cultural. A vontade de se surpreender diante da obra é diferente da dos gregos, o “se maravilhar”, assim, mudou de contexto, mas continua como uma necessidade total diante do mistério que ainda conseguem guardar algumas amostras da produção artística atual.
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* Referências:
GOMBRICH, E. H. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
JAMESON, Friedrich. Pós-Modernismo – A lógica cultural do capitalismo tardio. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1997.
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Visualidades pré-concebidas/mitificação de imagens, por Douglas Deó Ribeiro
O primeiro contato com algumas das produções humanas consideradas mais universais e absolutas se dá ainda na escola. Imagens de pinturas clássicas e outras obras fundamentais da arte já vem estampadas nos livros de historia, literatura e artes e cria-se, desde cedo, inconscientemente, uma relação de intimidade com diversos artistas canônicos, em particular do ocidente.
Esses contatos visuais precoces, mesmo quando não valorizados, traduzem-se numa familiaridade que parece, a uma primeira análise, negar o conceito benjaminiano de aura das obras de arte, segundo o qual as obras marcadas pela reprodutibilidade técnica carecem dessa posse abstrata que reside num quadro de Portinari e na Vitória de Samotrácia, por exemplo, e que retira de qualquer cópia o valor de ‘obra de arte’. Ora, se um estudante primário brasileiro sabe identificar a ‘Monalisa’ em qualquer lugar do mundo sem nuca ter visto a que foi tocada pelas mãos de Da Vinci; se, mais ainda, consegue encontrar em algum site tal imagem ampliada e explicada em seus mínimos detalhes, que diferença haverá em encontrar-se diante da obra original?
Parece simples assim, mas um olhar mais arguto perceberá que mesmo que se tenha decoradas as nuances pigmentares de cada milímetro da ‘Abaporu’, esse conhecimento prévio da obra – visual e conceitual simultaneamente – parece reforçar ainda mais a noção de aura do objeto primeiro. Não fosse assim, porque haveria as incessantes peregrinações turísticas para os diversos museus, igrejas e outros refúgios dos tais cânones, peregrinações que anseiam, quase cem anos depois de Benjamim, sentir o aroma da tal aura que só o original tem?
Tal anseio nasce, talvez, mais de uma esfera metafísica do que propriamente visual. É claro que há certos nuances e texturas de uma pintura ou trincados de uma escultura que só serão percebidos numa contemplação presencial, mas a ideia de que tal ou tal obra foi tocada pelas mãos de um gênio ou de alguém famoso faz com que o espectador, num momento único, quando postado diante da materialidade sobre a qual tanto ouviu falar e pensou, sinta-se transportado para junto do artista, naquele momento criador hoje perdido no tempo. Isso não faz da contemplação presencial uma necessidade, não minora o conhecimento prévio e distante das obras; isso apenas existe. A imagem torna-se mito porque é o palpável que restou de um momento mítico de uma existência mítica – o momento criador. E mitos não são mais que construções histórica e culturalmente fundamentadas – portanto a aura, que parece, a uma primeira vista, o espírito residente na obra, não passa de uma imposição do espectador, porta-voz da sociedade.
domingo, 7 de novembro de 2010
Mangás e reprodutibilidade técnica, por Tiago Bacelar
Segundo Walter Benjamin, no seu texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, “a história da obra de arte, as transformações que sofreu, com a passagem do tempo, em sua estrutura física, as relações de propriedade que ingressou, reconstitui o objeto de uma tradição, partindo do lugar em que se achava o original”. Essas mudanças são importantes para analisarmos como o mangá, um produto conseguiu, se transformar num gênero influente nos quadrinhos, na publicidade e na cultura pop nipônica e mundial.
Nos tempos atuais, podemos pegar dois exemplos: A Turma da Mônica Jovem, no Brasil, e One Piece, no Japão. Ambas as obras de Mauricio de Sousa e Eiichiro Oda são mangás publicados em culturas diferentes e possuem tiragens semelhantes de três milhões de exemplares por edição. Em dois séculos de existência, o mangá se apropriou para si mesmo de maneira original de diversas vertentes como o cinema, o Kabuki, o Nô, o Teatro de Takarazuka e a arte de Walt Disney.
A arte de contar as histórias por meio de desenhos no Japão começou há muito tempo. A produção de histórias em quadrinhos japonesas, os mangás, teve um rumo muito interessante, que explica em parte seu grande sucesso. A editoração dos quadrinhos japoneses é direcionada. Então, nós temos quadrinhos para crianças, para adolescentes e para adultos.
Na parte adolescente, por exemplo, existem revistas direcionadas para o público dessa idade masculino como a Shonen Jump. Ela tem características que tornam as histórias um meio de identificação entre o leitor e quem produz o mangá. Para Benjamin, “a diferença essencial entre autor e público está a ponto de desaparecer. É um processo de trabalho cada vez mais especializado, cada indivíduo se torna bem ou mal um perito em algum setor, (...) e como tal pode ter acesso à condição de autor”.
Com a prosperidade econômica do Japão, após a Segunda Guerra Mundial e a destruição gerada pelas bombas atômicas, houve um crescimento do interesse da cultura oriental pelo visual. Esse fenômeno gerou a renovação da forma e conteúdo dos mangás, quando emergiram novos desenhistas, novas histórias, ou seja, foi o início de um novo mercado editorial cheio de novidades que revolucionariam a maneira de desenhar e publicar mangás.
A maneira de pensar da população nipônica sempre foi esculpida dentro de uma estética caricatural e sátira da realidade. Os mangás procuram fazer isso através da língua cinematográfica somada aos significantes e significados da escrita japonesa. Ou seja, um verdadeiro processo de etapas, onde se objetivava fazer várias combinações entre símbolos e ideogramas pictográficos. O intuito disso era tentar expor ideias complexas de forma que influenciasse todas as artes japonesas e que ajudasse no entendimento dessa proposta.
Há, portanto, uma relação clara disso com o traço, a narrativa e as onomatopeias, dentro das características específicas de cada desenhista. Dessa forma, fica evidente a forte ligação do leitor com as histórias, se identificando através dos personagens, ali desenhados e retratados. A origem pictográfica da língua japonesa e as propícias situações linguísticas e socioeconômicas foram decisivas para tornar os mangás partes integrantes da cultura e da sociedade japonesa moderna.
Nós vemos nos mangás, os mesmos princípios que regem a cultura, os ideais filosóficos e confucionistas e a própria religião. Quando um leitor está lendo a história de um mangá, nelas existe em todos os espaços um reflexo muito poderoso da própria cultura japonesa. Esse fenômeno acontece também nos quadrinhos brasileiros. Quando um estrangeiro olha um quadrinho nacional, ele vai ver também um tipo de cultura que nós estamos vivenciando.
Os teatros populares do Kabuki e do Bunraku trouxeram como consequência a produção de ilustrações com características bem particulares, que retratavam o modo de vida político, econômico e cultural dos japoneses. Feitas e esculpidas em madeira, essas gravuras foram chamadas de ukiyo-ê e tinham como principal característica fazer uma crítica aos lordes feudais, responsabilizando-os pelo estado que as classes mais pobres se encontravam.
Vale ressaltar, que elas não eram diretas, ou seja, os artistas usavam símbolos para fazer ataques indiretos cheios de ironia e ressentimento. As ilustrações tentavam atingir o mais profundo dos sentimentos humanos, sem se preocuparem muito com a anatomia dos personagens retratados.
Dessa forma, os ukiyo-ê não poderiam em hipótese nenhuma ser enquadrados na categoria de caricatura, pois a semelhança com a pessoa satirizada é fundamental. Elas foram utilizadas como forma de arte no período de 1600 a 1867. Entre os artistas do ukiyo-ê, estava Katsushita Hokusai (1760-1849).
Ele foi a primeira pessoa a cunhar a palavra mangá. Entre 1814 e 1849, Hokusai criou uma série de 15 volumes chamada por ele de Hokusai Manga. Eles são um espelho daquele tempo e do próprio gênio do autor, sabendo captar e ilustrar a vida como um todo. Katsushita Hokusai era uma pessoa que tinha uma filosofia muito diferente sobre a arte e os portfólios feitos em blocos de madeira, que eram típicos para a época. Ele era um homem com uma natureza um tanto rebelde.
Hokusai nasceu na província de Honjo, ao leste de Edo, em 1760, e, começou a se interessar por desenho desde os cinco anos. Sua entrada para o mundo do ukiyo-ê ocorreu quando tinha apenas 16 anos. Em 1789, Hokusai ganhou fama ao publicar trabalhos sobre os atores do Kabuki. Passado essa fase, ele começou a fazer ilustrações mais adultas, abordando temas como a pornografia, o erotismo, o drama e o romance.
Nesse período, Hokusai buscava chocar a sociedade e o próprio governo com a sua ousadia. Devido a isso, seus trabalhos acabaram sendo censurados várias vezes. Em 1934, ele produziu as 36 Visões do Monte Fuji, Fugaku Sanjurakkei. Com essa série de quadros, Hokusai tornou-se uma referência para os amantes e também iniciantes da arte do ukiyo-ê.
Hokusai fez muitos objetos diferentes, influenciados pelas artes e filosofias artísticas francesas e holandesas de grandes nomes como Degas, Van Gogh, Monet e Toulouse-Lautrec. Hokusai planejou criar um novo tipo de entretenimento ou uma parte significativa da arte de ilustrar o cotidiano. A maior parte das ilustrações feitas por Hokusai era de retratos das paisagens que ele presenciou nas suas andanças pelo país.
Para a pesquisadora brasileira Sônia Maria Bibe Luyten (1) , “Hokusai retratava através das xilogravuras a vida profana, a vida do dia a dia, as prostitutas, as pessoas da rua, o burburinho da vida. Hokusai fez uma série de esquetes, de estudos na área da xilogravura, que na época já eram feitas a cores. O termo surge nessa época com Hokusai, através de uma compilação de ilustrações chamada por ele de Hokusai Manga, que abriu caminho para a explosão do fenômeno dos mangás pelo mundo inteiro”.
Com o fim da Era Tokugawa, o Japão entra na Era Meiji (1868-1911), e, o país é reaberto novamente para os estrangeiros. Com isso, os produtos ocidentais começam a chegar ao Japão e entre eles estão os quadrinhos ingleses e franceses de Charles Wirgman (1835-1891) e George Bigot (1860-1927). Nesse período, Rakuten Kitazawa (1876-1955), influenciado pelos quadrinhos norte-americanos, criou o primeiro mangá com personagens regulares, Tagesaku to Mokube no Tokyo Kembutsu, publicada semanalmente na revista Jiji Manga.
Kitazawa entrou para o mundo dos mangás com apenas 12 anos, quando começou a estudar pintura, na província de Taikonan, sob a tutela do renomado artista Yuekichi Fukuzawa. Ele aprendeu que era importante satirizar tanto a sociedade quanto o governo para se tornar um grande desenhista. Depois de uma curta carreira como cartunista político, Rakuten tornou-se o único artista japonês a entrar para o seleto grupo da revista americana Box of Curious.
Para Gombrich(2), “a experiência da arte não constitui exceção à regra geral. Um estilo, como uma cultura ou um clima de opinião, cria um horizonte de expectativas, um conjunto de contextos mentais, que registra desvios e alterações com exagerada sensibilidade”.
Hokusai e Kitazawa firmaram o nome mangá como arte sequencial, assim como os dois ideogramas que formam a palavra mangá. Gá seria desenho e Man seria algo irreverente, desenhos irreverentes. Durante a Segunda Guerra Mundial, as criações dos desenhistas passaram a se voltar para histórias cheias de mensagens subliminares, no intuito de exercitar o espírito combativo na população. Somente os mangás de guerra tiveram vez, e, os outros estilos foram proibidos pelo governo.
Durante o período da Segunda Guerra, os mangás foram usados para incentivar o ódio ao ocidente, aumentar o nacionalismo exacerbado e fascista da população e promover uma verdadeira lavagem cerebral nos desenhistas nipônicos. Em 1945, com o fim da guerra, as editoras nipônicas, que existiam na época, estavam falidas. Praticamente não existiam mais mangás no Japão, em virtude do altíssimo grau de destruição e caos que o país se encontrava.
Para Benjamin, “Com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na história, de sua existência parasitária, destacando-se do ritual. Ela orienta a realidade em função das massas e as massas em função da realidade num processo de imenso alcance”.
Além de levantar o Japão, as pessoas queriam reconstruir suas próprias vidas, vencer a fome e a miséria, cuidar dos órfãos de guerra, dos veteranos mutilados e dos sobreviventes das duas bombas atômicas despejadas pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki. Com o poder aquisitivo baixo, a busca de entretenimento barato era uma necessidade.
Com a escolha do papel jornal para impressão, por ser mais barato, o mangá foi responsável, como produto cultural mais viável no pós-guerra, pelo surgimento da cultura pop nipônica. Consolidado, o mangá filiou-se ao anime para cinema e TV, à música e a publicidade, rompendo barreiras no mundo ocidental, dando início a um mercado bilionário, de 100 bilhões de dólares anuais hoje em dia.
O mangá conseguiu tornar-se um fenômeno cultural, ao conseguir unificar economia política com a cultura oriental, principalmente a nipônica. A obra completa de Osamu Tezuka chega a mais de 700 mangás em aproximadamente 170 mil páginas, cujo primeiro trabalho de importância foi feito quando tinha apenas 20 anos. Foi na obra A Nova Ilha do Tesouro, de 1947, que o mangá do pós-guerra teve as suas origens nas mãos desse jovem promissor.
Esse trabalho possuía todos os elementos para gerar uma nova era para os quadrinhos japoneses, onde surgiriam novos desenhistas para criar histórias nunca antes vistas pelo oriente e pelo ocidente. Era diferente ao que os leitores de mangás estavam acostumados a ler até então, sendo o início da utilização de linguagem cinematográfica nas histórias.
Tudo isso era como se fossem trechos de um filme colocados diretamente nas páginas. Na narrativa do mangá são as sucessões das imagens entre os quadros e as cenas que contam a história. Uma boa síntese na construção das cenas é de uma importância vital para o seu desenvolvimento.
Para Go Tchiei(3), no artigo “A history of manga”, “a Nova Ilha do Tesouro de Tezuka tornou isto muito evidente. O seu aparecimento foi como a usurpação da poesia pela prosa, ou, ainda a troca do romance medieval pelo romance moderno. Este novo veículo era como um filme para ser comparado com a tradução japonesa do teatro de Kabuki e do Noh”.
Osamu Tezuka foi o pai dos famosos olhos grandes, a marca registrada de qualquer mangá na atualidade. Além dos olhos, Tezuka usou e abusou, e criou as linhas rápidas, linhas que vêm do fundo do desenho, quando um personagem está em movimento. Isto e o seu estilo dinâmico de fazer desenhos foram um dos segredos do seu êxito. Quando veio a fama nos anos 50, seu estilo foi imitado, por toda uma geração de desenhistas de mangás: olhos grandes, linhas rápidas, traços simples e muita ação.
Para Benjamin, “transformações sociais muitas vezes imperceptíveis acarretam mudanças na estrutura de recepção, que serão mais tardes utilizadas pelas novas formas de arte”. Historicamente, como vimos, os quadrinhos japoneses foram moldados por diversas vertentes: o ukiyo-ê, o estilo ousado de Hokusai, o brilhantismo de Rakuten Kitazawa, os traços ocidentais de George Bigot e Charles Wirgman, os teatros de Kabuki, Noh e Takarazuka e a influência de Walt Disney.
Fotos do mundo real, agora transformado em imagens, de cujo “realismo”, a pintura fotorrealista é agora o simulacro. O que antes era uma obra de arte, agora se transformou em um texto, cuja leitura procede por diferenciação, em vez de proceder por unificação. Segundo Kant, o sublime é “uma experiência que bordeja o terror, uma visada espasmódica, cheia de assombro, estupor e espanto”.
Para Jameson, em “Pós-modernismo – A Lógica do Capitalismo Tardio”, “incluir a própria questão da representação no objeto do sublime torna-se não só uma questão de puro poder e de incomensurabilidade física do organismo humano em relação à natureza, mas também dos limites da figuração e da incapacidade da mente humana para representar forças tão enormes”. A lógica do simulacro faz muito mais do que meramente replicar a lógica do capitalismo tardio: ela a reforça e a intensifica.
Uma forma cultural de vício da imagem transforma, segundo Jameson “o passado em uma miragem visual, em estereótipos, ou textos, abole qualquer sentido prático do futuro e de um projeto coletivo”. Para Benjamin, “a recepção através da distração, que se observa crescentemente em todos os domínios da arte e constitui o s sintoma de transformações profundas nas estruturas perceptivas”.
A chegada da linguagem e da estética do cinema aos mangás, graças em parte ao surgimento da televisão no Japão, provocou uma revolução no mercado editorial de quadrinhos japoneses. Isso trouxe uma gama de produção de histórias nunca antes vistas, nem mesmo no período antes da Segunda Guerra Mundial.
A proximidade dos personagens com o leitor ficou mais forte a ponto de criar um elo de identificação. O uso de linhas rápidas, olhos grandes, personagens, ao mesmo tempo estranhamente e exageradamente desenhados e tão marcantes em sua construção, visual semelhante a um filme e narrativa com começo, meio e fim.
NOTAS:
1. Entrevista a minha pessoa, Tiago Bacelar, para a monografia de título “Osamu Tezuka & Fritz Lang - O Nascimento do Mangá Moderno sob os Olhos do Cinema Expressionista Alemão”, como conclusão da Pós-graduação em Jornalismo e Crítica Cultural, em 2006, sob orientação de Paulo Cunha.
2. Livro Arte e Ilusão, Cap. 1 – Da Luz à Tinta, pág. 53.
3. TCHIEI, Go. A history of Manga. Tezuka Osamu and the Expressive Techniques of Contemporary Manga. Artigo publicado pela Dai Nippon Printing Co. Ltd. Japão. 1998. Network Museum & Magazine Project (NMP International). Disponível em: <
http://www.dnp.co.jp/museum/nmp/nmp_i/articles/manga/manga3-1.html > Acesso em: 04. Jan.2006.
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O Modernismo Tinha Objetivos?, por Evandro Mesquita
Na história da arte, o termo “moderno” é usado para descrever o estilo e a ideologia artística no período de 1860 a 1960. A expressão é também usada quando nos referimos à arte no período moderno. Em suma, o Modernismo refere-se à filosofia da arte moderna.
A pergunta que se faz é: O Modernismo tinha algum objetivo? Qual objetivo? o Modernismo falhou? Falhou por quê? Falhou porque tinha um objetivo que não foi alcançado? Que objetivo era este?
Os estudiosos de arte tendem a falar de pintura moderna, por exemplo, como aquilo que é concebido a partir das cores, formas e linhas que são aplicadas nos objetos. Atribui-se a origem da arte moderna em 1860 com o pintor francês Manet com o Café da Manhã na Grama e Olympia.
A pergunta é: quais seus objetivos ao pintar tais quadros? Ele queria explorar novas cores, novas relações espaciais? E por que quis ele explorar estas novas matérias? Por que produziu uma pintura modernista?
Quando o Café da Manhã na Grama foi exibido muitos se escandalizaram não apenas com o tema, que mostra dois homens vestidos em roupas contemporâneas sentados na grama com uma mulher nua, mas também com a maneira não-convencional em que foi pintado. Com Olympia, mais escândalo: Olympia mostra uma mulher nua olhando para o público. Por que Manet pintou estes quadros desse jeito já sabendo que as pessoas ficariam perturbadas?
Para responder tais questões é preciso entender uma perspectiva mais ampla do modernismo. Assim, talvez se chegue à filosofia e identidade do modernismo e seus objetivos, bem como a percepção de arte que tem o artista no mundo moderno.
As raízes do modernismo jazem mais profundamente na história do que a metade do século dezenove. Para historiadores o suporte do modernismo vem desde o Renascimento através do estudo da arte, poesia, filosofia e ciência da Grécia e Roma antigas onde os humanistas colocam o homem como centro do universo, onde a consciência social e política são exaltadas. A ideia de uma sociedade perfeita surge neste período.
Ou seja, o humanismo do Renascimento pode ser visto no modernismo em forma de confiança no potencial do homem de moldar seu próprio destino. A liberdade individual defendida no Renascimento é uma das bases do modernismo onde o artista vai recriar de maneira livre uma nova maneira de ver o homem e o universo. Isto responde de certa forma, as questões feitas a respeito de Manet.
O Modernismo e a política.
Após a Segunda Guerra Mundial, a história do Modernismo começou a ser desafiada. Havia evidências que a empreitada do modernismo estava falhando. As bases do movimento, sua crença no progresso, na liberdade e na igualdade foram apoiadas por artistas e intelectuais. Entretanto, agora havia motivo para se questionar estas crenças. Após duzentos anos de eforços concentrados nós próprios nos perguntamos o que foi alcançado.
É verdade que muitos avanços foram conquistados na ciência, tecnologia, medicina, educação, etc., mas, o mundo se tornou um lugar melhor de se viver para todos? O movimento modernista ajudou na criação de uma sociedade mais humana, justa e melhor? Basta apenas olharmos ao nosso redor para responder a estas questões...
Alguns problemas do modernismo estavam visíveis já no início do século vinte. O massacre sem sentido da Primeira Guerra mostrava que a fé modernista no progresso tecnológico e científico como um caminho para um mundo melhor havia falhado.
Para os dadaístas, a guerra sinalizava a decadência de toda a arte moderna. Pode-se até dizer que Dada marca o início de uma mentalidade pós-modernista.
No período entre a Primeira e Segunda Guerra o modernismo continuou seu curso em busca de seus objetivos, porém juntamente com outras forças. Artistas como Pablo Picasso deram apoio ao comunismo, juntando-se ao partido em 1944.
A Revolução Russa parecia, na época, e por muito tempo, ser a resposta ao sonho modernista. O comunismo Marxista foi a tentativa mais firme de se criar uma sociedade melhor, adotando não uma democracia política, mas uma democracia econômica que visava a uma igualdade econômico-social. O comunismo dava uma visão de liberdade universal baseado na liberdade de idéias.
Os artistas modernistas, na sua liberdade de imaginação apresentada em seus trabalhos encorajavam esta liberdade.
Porém, em 1932, com Stalin, esta liberdade foi limitada e a arte moderna foi forçada a adotar uma forma mais conservadora conhecida como o Realismo Socialista.
O corte da arte moderna em favor da propaganda do Realismo Socialista ocorreu também na Alemanha Nazista de Hitler.
Hitler queria, também, criar uma nova e melhor sociedade, mas seus métodos para alcançar este desejo chocaram o mundo: os nazistas lançaram mão das teorias de Darwin (a raça superior sobrevive e a inferior desaparece) para dar suporte a seus objetivos.
O propósito da arte moderna começava a evaporar. O sentimento era de que já havia
cumprido o seu papel e agora estava sem direção.
Assim, outras formas de representação começaram a surgir a partir dos anos 60: a arte conceitual, o Pós-modernismo. Mas, aí é outra história...
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Trash: trajetória do lixo ao cult, por Germana Glasner
O trash no áudio visual aparece como uma estratégia utilizada pelos produtores independentes norte americanos surgidos a partir da década de 30 que, pelo baixo orçamento, não conseguiam fazer parte de uma produção mainscreen e passaram a realizar filmes com tempo e recurso limitados, figurino e locação improvisados, os chamados filmes “B”.
A principio o termo trash foi considerado literalmente como “lixo cultural”, era dotado de um grande apelo popular e direcionado “as massas”, ou grupos marginalizados, sendo veiculado nas principais mídias. A TV americana da década de 80 foi bombardeada por uma série de programas de auditório sensacionalistas, numa onda chamada de trash TV, ou TV lixo.
Com o tempo, e as facilidades trazidas pela tecnologia, muitos diretores passaram a utilizar o “tosco” não mais como a única opção, e sim como uma opção estilística. E, a partir da década de 90, o trash passou a ter lugar no que se chama cult. Ele que antes era discriminado por ser considerado “lixo”, hoje é admirado no amplo sentido da produção cultural.
Por rejeitar a idéia de produtos que se levam muito a sério o trash cria uma espécie de empatia nos jovens. Estes deixam de participar apenas de maneira passiva desse movimento e começam a criar seus próprios vídeos caseiros lançando-os às novas mídias de divulgação para que possam ser vistos e apreciados por várias outras pessoas. A internet está repleta de vídeos com essa característica “trash-cult-cômica” que acabam se tornando web hits, ou sensações da web.
No Brasil, um exemplo do trash-cult televisivo é o antigo programa de humor chamado “Hermes e Renato”, exibido na MTV, que entre sua grande variedade de quadros estavam suas duas “novelas”, mais parecidas com minisséries pela curta duração. “O Proxeneta” e “Sinhá Boca” eram uma espécie de paródia humorística das novelas tradicionais que estavam repletas de elementos do trash, como: uso de cenários absurdamente falsos, personagens ridiculamente estereotipados, merchandising ainda mais forçados que o normal, além de abortar assuntos bastante comuns na TV de forma ridicularizada. Por essas e outras esse programa fez grande sucesso entre os jovens.
Apesar de estar atrelado à cultura de consumo, o trash, ao surgir e se afirmar como algo fora do padrão, já é em sua essência uma crítica política dotada de um humor irônico. Suas tosqueiras e bizarrices trazem uma imagem carregada de significados, pois através delas o trash cria uma atmosfera tão distante do que é dito real que acaba trazendo uma reflexão tanto do produto televisivo em si quanto do próprio real.
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Arte e Ilusão, por Luiz Marcos de Carvalho
O enigma do estilo: o que vem a ser isso para Gombrich? Por que a representação do mundo visível difere tanto de época para época e de região para região? Será que os pintores do Egito antigo percebiam a natureza de modo diverso do nosso? São questões como essas, relacionadas com o conceito de estilo, que interessam à história da arte, mas cujas respostas estão fora do alcance dos métodos históricos. O historiador da arte completa seu trabalho com a descrição das mudanças ocorridas. Ele não investiga as possíveis causas dessas mudanças. Ele descreve diferenças de estilo entre as diversas escolas de arte, além de identificar e sistematizar as obras de arte desde seus primórdios até a sua respectiva época.
Houve tempo em que a análise dos métodos de representação era tarefa do crítico de arte. Ele, geralmente, partia da premissa de que a exatidão representativa presente nas obras de arte de um determinado período era fruto de uma habilidade que evoluía cada vez mais através das eras. Para os críticos, a arte egípcia revelava métodos infantis de representação porque isso era o melhor que ela podia fazer. Esse modo de enfocar o enigma do estilo, todavia, ruiu por volta da primeira metade do século XX em conseqüência da grande revolução artística que ocorreu na Europa. Chegou ao fim, então, a visão estética que identificava a excelência artística com a exatidão fotográfica, com a representação convincente.
O problema da ilusão na arte foi, então, abandonado como algo irrelevante pelos críticos, ficando dessa forma, completamente órfão, uma vez que também não fazia parte do objetivo dos historiadores da arte.
As diversas formas com que somos enganados pelos nossos sentidos, (ilusão) é um tema que me fascina.
O livro de Gombrich propõe, entre outros objetivos, o estudo dos aspectos ilusórios observados na arte pictórica, através dos tempos.
O tema da ilusão tem profundas raízes na Física e na Psicologia e é fonte de discussões em outros campos bem diversos e, esse é outro aspecto que faz aumentar ainda mais o meu interesse. O autor diz: “Eu nunca imaginei, ao embarcar nas minhas explorações, a que campos longínquos me levaria o assunto “ilusão””.
Desconfio que o tema conduz para ainda mais longe do que pensava o autor.
Tendo sido estudante de Física, embora sem concluir o bacharelado, continuei com meu interesse por ela, como um “outsider”, um autodidata, um amador. Amador,lembra amante e um amante, um apaixonado, jamais perde a atração pela amada, enquanto durar sua paixão, ainda que se encontre bem distante dela.
Penso que falta ainda uma palavra sobre o assunto a ser dada pela Física no futuro mais precisamente pelos princípios da Física quântica, quando ela tiver progredido o bastante para analisar, à luz de seus conhecimentos, os fenômenos mentais e psicológicos, como interações de partículas elementares, em outras palavras quando existir uma nova ciência que se poderia denominar “Psicologia Quântica.“
No contexto da disciplina “Estética e Cultura Visual” foi-nos dada a incumbência de ler e comentar um capítulo do livro de Gombrich, a que nos referimos acima. Há pelo menos duas maneiras de realizar a tarefa: a primeira seria apenas livrar-se do trabalho, juntando e colando idéias expostas pelo autor, modificando aqui e ali algum termo ou frase, cumprir a exigência da professora e ir levando o curso. A segunda seria refletir com maior profundidade, buscar em seu interior as implicações e reverberações daquilo que expõe o autor, associando-o com sua experiência de vida e com seus outros conhecimentos. Optei pela segunda.
O primeiro ponto do texto que me atraiu fortemente foi aquele ilustrado por uma figura que tanto pode ser vista como a cabeça de um coelho, quanto a de um pato. Interessante e muito sugestivo é o fato de que mesmo quando conseguimos identificar um e outro, não o podemos fazer simultaneamente. Existe sempre uma ínfima fração de segundo que transcorre entre uma e outra percepção. Gombrich ilustra esse ponto com a experiência feita por Kenneth Clark, historiador de arte e diretor de museu britânico, ao tentar capturar “de tocaia” uma ilusão, quando observava um quadro de Velásquez. De uma distância, ele via manchas de pigmentos e marcas de pinceladas que se transformavam numa visão de realidade à medida que ele se afastava da tela. Ele queria descobrir uma distância na qual os dois tipos de visão estivessem presentes ao mesmo tempo. Não conseguiu. Não existe essa distância que ele buscava.
Depois, associada à formação dessas imagens, há a questão do que é “ver” e qual a diferença para o que se entende por “sensação visual”. Os raios luminosos que emanam de um dado objeto convergem para os nossos olhos e formam uma imagem do objeto no fundo de nossa retina. É a “sensação visual” Essa imagem é então transmitida, através dos nervos óticos, para o cérebro, que a interpreta e reenvia a mensagem decodificada e assim “vemos” o referido objeto. Qual a “realidade concreta” do objeto? Não sabemos o que isso quer dizer. A única “realidade do objeto”, com a qual temos contato, é proveniente dessa interação entre raios luminosos, retina, nervos óticos e cérebro.
Algo similar ocorre em relação aos demais sentidos. As percepções oriundas da audição, olfato, paladar e tato, são também decorrentes de interações análogas. Mudam apenas os sentidos que promovem o contato com os objetos, as terminações
nervosas e também as regiões cerebrais ativadas.
Estariam certos os pintores impressionistas quando afirmavam que “viam o mundo como o pintavam, que reproduziam a imagem na retina?”
Gombrich examinou, em seu livro, apenas a ilusão visual, uma vez que se restringiu à arte pictórica. Mas, a análise científica sobre o que ocorre na formação de nossas percepções, já nos leva a questionar o que é realidade e a rejeitar a interpretação dos pintores impressionistas.
A Física, estudando cada vez mais profundamente a matéria, descobriu que toda ela era formada de pequenas partículas, a que chamou de átomos (do grego, indivisíveis), os quais, por sua vez, se mostraram ser constituídos por outras partículas ainda menores e, que entre elas a maior parte era espaço vazio. Os cientistas viram, por assim dizer, a matéria, ou sua “realidade concreta”, escorrer por entre seus dedos, de tal modo que passaram a questioná-la.
Isso vem ao encontro da doutrina budista exposta há mais de 2.500 anos, que afirma:”Forma é vazio e vazio é forma. Do mesmo modo, sensação, concepção, discriminação e consciência são também assim.” Para os budistas o nosso mundo “real” é ilusório, onírico e, sendo um sonho em que estamos enredados, a libertação vem apenas com o “despertar”. Buda significa “aquele que despertou”.
Após essa enorme digressão, voltemos ao texto. Uma ilusão visual muito interessante mencionada nele é aquela que pode ser demonstrada diante de um espelho. Quando vemos nossa imagem num espelho meio embaçado como o de um banheiro após um banho quente, poderemos verificar que, para nossa grande surpresa, a área da região no espelho que corresponde ao nosso rosto, não tem as mesmas dimensões deste, mas que é bem menor. Para isso basta fazer clarear no espelho a área que corresponde ao rosto. Veremos então que, a nossa impressão de que ela seria do tamanho de nosso rosto real, desaparece tão facilmente quanto os vapores de água que embaçavam o espelho. Com conhecimentos de geometria elementar, aquela que se aprende ou deveria se aprender no curso médio, pode-se demonstrar que as dimensões do rosto no espelho correspondem exatamente à metade das dimensões do rosto real. Para completar, a imagem virtual “atrás do espelho” tem as mesmas dimensões do objeto real (no caso, nosso rosto), mas a região delimitada por essa imagem no espelho é que é igual à metade, embora, ilusoriamente nos cause a impressão de que ambas têm as mesmas dimensões. Outra forma de verificar esse fato é que podemos ver nosso rosto inteiro em um espelho que tenha a metade de suas dimensões.
Os antigos gregos diziam “que se maravilhar é o primeiro passo no caminho da sabedoria”.
Segundo Gombrich o principal objetivo de seu livro é “restaurar o sentido do maravilhoso diante da capacidade do homem para conjurar graças a formas, linhas, nuances ou cores, aqueles misteriosos fantasmas da realidade visual a que chamamos pinturas”.
A “mimesis”, ou imitação permeava toda discussão sobre arte na antiguidade. Alguns historiadores da arte, entre eles Vasari (1511-1574) cometeram o erro de não separar a idéia de invenção dos meios de representação, da idéia de imitação da natureza. Quem daria a palavra final sobre a história da Arte, seria por acaso, a psicologia da percepção? Esse debate mostrou que a ciência permaneceria neutra e, que caberia exclusivamente ao artista a decisão de apelar para as descobertas científicas e de que forma utilizá-las em seu trabalho, tudo por sua conta e risco.
Nos fins do século XIX, “a confortável noção da imitação da natureza, ruiu por completo deixando perplexos artistas e críticos”, graças principalmente, a dois pensadores alemães, Konrad Fiedler e Adolf Von Hildebrand. Este publicou em 1893 o livro “O problema das Formas nas Artes Figurativas”, que teve tremenda repercussão. Nele , o autor se propunha a analisar o complexo processo psicológico responsável pela transformação das impressões dos sentidos em “fatos mentais”.
Esta última frase traduz aquilo que é um dos maiores enigmas para a ciência e para a medicina ainda hoje. É verdade que se fez grande progresso nesse campo nas últimas décadas, porém, a transformação das impressões visuais em “fatos mentais” ainda é cercada de mistério e está longe de uma explicação definitiva, se é que ela existe.
Recordo um livro de um famoso neurologista, Oliver Sacks, no qual relatava casos curiosos e intrigantes de problemas neurológicos que modificavam radicalmente a percepção das pessoas afetadas. Um dos casos, que deu título ao livro era o de um “Homem que confundiu sua mulher com o chapéu”. Nesse caso, o homem possuía visão normal, a imagem que se formava em sua retina quando olhava para sua mulher era perfeita, porém, da retina ao cérebro havia a misteriosa transformação e, uma determinada região do seu cérebro, com uma lesão específica, decodificava aquela imagem de sua mulher, a qual era então percebida, ou “vista”, como um chapéu.
Voltando à questão da imitação da natureza na arte, encontramos uma palestra
proferida por Gombrich no XX Congresso Internacional de História da Arte, em 1983, com o título: “História da Arte e Psicologia em Viena há 50 anos “.
Gombrich, que foi discípulo de Schlosser, transcreve em seu artigo a seguinte afirmação de seu mestre: “o que importa na arte primitiva não é a imitação da natureza, mas (exatamente como acontece com a arte infantil) “as noções gravadas (Vorstellungen) que habitam a imaginação”. Mais adiante acrescenta: “Meu querido mestre Schlosser era especialmente escrupuloso com a crítica. Era extremamente cauteloso ao fazê-la. Mas aqueles que o conheceram também sabem que essa atitude reservada encobria um imenso conhecimento e muitos anos de experiência também no campo aqui referido. É verdade que depois que ele se identificou com o pensamento de Benedetto Croce, os problemas na fronteira entre a psicologia e a teoria da arte, ficaram relegados a um segundo plano, mas quem abre a coleção dos seus ensaios publicados sob o título de “Präludien” ( e também verifica as referências bibliográficas) logo descobrirá como ele era completamente entendido nessas questões.
O texto de Gombrich nos ensina muitas coisas, nos dá muitas informações sobre pintores, historiadores de arte, críticos, pensadores e filósofos que têm alguma relação com o tema do livro, e, o que relacionei acima é apenas o que me chamou mais a atenção, sem que tenha a pretensão de fazer um trabalho exaustivo ou sistemático. Como diz Lin Yutang, escritor chinês, naturalizado americano em seu livro, “A importância de Viver”, falando da arte de escrever: “O que se escreve é bom ou mau, segundo seu encanto e sabor, ou falta de encanto ou sabor. Para esse encanto não podem fixar-se regras. O encanto surge do escrito como sobe o fumo do fornilho de um cachimbo, ou como se eleva uma nuvem do alto de uma colina, sem saber aonde vai. O melhor estilo é o “das nuvens flutuantes e das águas fluentes”, como a prosa de Su Tungp’o. Penso que muitos que escrevem suas teses de mestrado ou doutorado poderiam aprender com ele a torná-las mais interessantes e mais lidas na medida em que começassem a fazer a separação do que é essencial daquilo que não importa verdadeiramente. Muitos confundem um estilo obscuro de escrever com profundidade. Pensam que o escritor que é difícil de ser de ser compreendido, que escreve de modo obscuro é o mais profundo, e que os leitores é que não têm a capacidade para alcançar o seu elevado patamar. Pode até haver uma situação como essa, porém na grande maioria dos casos o que ocorre é que o escritor não sabe bem do que está falando e, por isso se esconde atrás de um estilo rebuscado e confuso. “A simplicidade é, pois, paradoxalmente, o signo externo e o símbolo da profundidade do pensamento” (Lin Yutang, op. Cit, pg. 85.)
Com isso, mais uma vez, saí da estrada oficial do trabalho escolar, mas, ao escolher um atalho ou uma trilha nova para chegar ao destino, encontrei mais prazer em realizá-lo, do que se o tivesse feito de forma mais convencional. Como dizia o meu guru OSHO: “ o único critério que importa, que deve servir de orientação na vida é o da felicidade.”
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TROPA DE ELITE E A REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA, por Nilson Braga de Almeida
Tropa de Elite (2007) tornou-se um fenômeno do cinema brasileiro por diversos motivos. As cenas de impacto; a abordagem sob o ponto de vista da polícia, rompendo com a tradição nacional de romantizar o criminoso; a identificação da população com o protagonista narrador, com ele até mesmo tendo conquistado o status de herói nacional; e a temática da violência tão comum ao brasileiro, sendo ela aqui apontada como a própria solução para o problema, são só alguns dos exemplos que o fizeram adquirir este adjetivo.
Outro aspecto não menos importante também ganhou bastante notoriedade: estimativas tímidas dizem que cinco milhões de pessoas o viram antes mesmo de sua estréia. Isso ocorreu devido ao vazamento para o mercado informal e para a internet de cópias do filme que, de acordo com o diretor José Padilha, ainda não continham a sua edição final. Inevitavelmente, todo esse episódio acabou acarretando uma maciça divulgação da obra, chamando para si uma atenção nunca vista no cinema brasileiro.
O boato de que a pirataria do filme teria sido uma jogada de marketing só foi desfeito quando as investigações levaram a encontrar os responsáveis pelas cópias em DVD distribuídas ilegalmente. Eis uma situação em que a reprodução da obra de arte ajudou, como de praxe, na sua difusão, tornando-a acessível à grande parte do público de baixa renda que não teria condições de vê-lo no cinema, ou seja, aproximando o indivíduo da obra. Porém, não da maneira desejada pelo seu autor.
O cinema enquanto meio propiciado pela reprodutibilidade técnica é voltado para as massas. Os cidadãos, não excluindo as elites nem os intelectuais, enchem as salas de cinema atrás de conhecimento, diversão, entretenimento ou culto, numa receptividade coletiva. Talvez essa característica tenha auxiliado no retardo da sua inclusão na categoria de arte, mas ela é quem sempre sustentou a produção de filmes em série. E é esse consumo um dos fatores que diferenciam a obra cinematográfica, em sua essência, dos demais produtos artísticos.
Mas essa mesma essência se viu condenada no caso de Tropa de Elite. A reprodutibilidade técnica, apesar de ter sido um fator facilitador do sucesso, foi bem além: agiu contra a própria obra de arte num sentido de descaracterizá-la enquanto tal. O grande problema foi a difusão da obra semi-pronta, inacabada, que se espalhou rapidamente e causou furor na população ávida por cultura. Mas em se te tratando de arte, não existe este meio termo: é arte ou não é. Então, o que foi vendido, apesar da aproximação com o original, tornou-se totalmente descartável.
Pior ainda foi a comercialização de outros filmes como continuações de Tropa de Elite. A primeira farsa neste quesito iniciou com o documentário Notícias de Uma Guerra Particular (1999), de João Moreira Sales e Kátia Lund, seguidos por um conjunto de imagens feitas por policiais em operações realizadas nas favelas, e do longa de Lúcia Murat, Quase Dois Irmãos (2004), que receberam o título de Tropa de Elite II, III e IV, respectivamente. É a reprodução gerando falsificações desmedidas, assombrosamente dolosas.
Desta vez a pirataria foi a grande vilã. Só que ela existe porque foram criadas condições sociais e técnicas para sua existência, e essas condições são interessantes para a disseminação e a economia da cultura. Como o conhecimento é um bem comum e deve ser compartilhado, não se pode condenar esta forma de disponibilizar para todos aquilo que apenas alguns teriam acesso. Mas só que a maneira como isso se deu acabou por transmitir uma obra não autêntica, sem alma nem valor, que ainda não tinha alcançado o status de arte, o que apenas foi conquistado após sua devida finalização, conforme desejada pelo autor. Seria como se roubassem um quadro ainda não terminado por um pintor e o tivessem afixado em praça pública, para que a população pudesse equivocadamente apreciá-lo.
O desejo ao acesso numa sociedade de abundâncias e de necessidades básicas saciadas é uma constante. Como no Brasil o acesso à internet ainda é, de certa forma, um privilégio e a banda larga praticamente ainda dá os primeiros passos, infelizmente a cópia de DVDs é uma forma distorcida de uma grande parte da população ter acesso à informação, conhecimento e cultura, sendo um atalho desleal para se conseguir chegar à obra de arte, o que acaba por refletir uma óbvia desigualdade social.
No caso específico do cinema, a comercialização dessas cópias destruiu aquele gostinho da surpresa, da expectativa pelo lançamento do filme na tela grande. Todos sabem que a sensação que se tem na projeção cinematográfica diverge de um DVD mal copiado, de um vídeo exibido em baixa definição, principalmente quando se trata de um filme de qualidade. O impacto de vê-lo pela primeira vez numa sala de cinema provavelmente seria bem maior.
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Zérois: Ziraldo na tela grande, por Paula Riff
Dentre as mais variadas formas de expressão da arte - incluindo o cinema, a música e o teatro - a pintura talvez seja a menos acessível delas. Principalmente se tomarmos como foco o público infanto-juvenil.
Algo que sempre me causou intriga é essa relação do público mais jovem, especialmente crianças, com a arte. Qual a idade mínima que um indivíduo supostamente deve ter para apreciar a arte? É certo que, para dar origem a uma obra de arte, qualquer que seja a forma de expressão, são necessárias certas habilidades técnicas, o que, na maioria das vezes, não estão ainda muito bem desenvolvidas nas crianças. Entretanto, a incapacidade de criar a arte não exclui a capacidade de apreciá-la.
Acredito que todo ser humano nasce com a necessidade de arte, é inerente a nossa espécie. E a busca pela sublimação começa desde cedo, mesmo que inconscientemente. Entretanto é difícil ver alguma exposição de artes plásticas voltadas para o público infantil.
A exposição “Zérois: Ziraldo na tela grande” acaba com essa negligência e cumpre um papel social fundamental ao incluir esse público ávido dentro dos museus e exposições artísticas. Todavia, a exposição não se limita ao público infantil. Tomando como temática os heróis de quadrinhos norte-americanos, os quadros de Ziraldo agradam também o público adulto pois trabalha a todo momento com a referência, a paródia, o pastiche e o nostálgico.
Dentre as 44 obras expostas, Ziraldo faz referências à expressionistas como Salvador Dalí com o quadro “O nascimento do homem novo” (fig. 01) e a artistas da pop art como Andy Warhol com os quadros “Super- Warhol n°1 – 6” (fig. 02) e “Wonder Woman Warhol n°1 - 6” (fig. 03). É interessante a intertextualidade que a mostra mantém com a pop art, citando obras dos seus autores mais notórios e utilizando os mesmos meios estéticos visuais e o mesmo espírito irônico e subversivo.
A pop art surgiu como consequência do acelerado processo de desenvolvimento industrial e o consequente crescimento da sociedade de consumo. A arte se apropriou de elementos dessa mesma sociedade, transformando-os em elementos estéticos: publicidade, humor, história em quadrinhos, tudo isso faz parte da sociedade de consumo; faz parte, portanto, da arte.
A pop art é um movimento artístico, por sua própria natureza, polêmico. Desde sua origem foi alvo de críticas por autores que afirmavam que o caráter superficial e efêmero das obras desse movimento não poderiam ser consideradas como arte.
Ao olhar desatento, os quadros de Ziraldo poderiam se encaixar nessa superficialidade. Entretanto, através das cores e formas simples, Ziraldo aproveita para ironizar e criticar estereótipos e o papel da mulher na contemporaneidade como nos quadros “A verdadeira mulher maravilha” (fig. 04) e “Os homens continuam os mesmos”. (fig. 05)
As crianças são muito sensíveis e criativas, portanto, o desafio não está no olhar das crianças sobre a arte, mas sim, no olhar do artista sobre esse mundo lúdico-infatil. Fazer uma arte que entre em contato com o mundo lúdico da infância e o exprima a ponto de provocar uma identificação com os seus participantes não é uma das tarefas mais fáceis. Sem nenhuma surpresa, Ziraldo concluiu muito bem a sua missão como autor e ilustrador infantil consagrado sem deixar de surpreender o público adulto com sua obra contemporânea.
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