Batuk Freak
é o nome do primeiro álbum lançado pela rapper curitibana Karoline dos Santos
Oliveira, popularmente conhecida como Karol Conká. Karol começou sua carreira
por volta de 2004, mas só obteve alguma notoriedade, a nível nacional, por
volta de 2011 quando lançou alguns videoclipes de faixas que viriam a compor
seu primeiro CD anos mais tarde. Sua presença tornou-se mais forte na cena
hip-hop quando se juntou a nomes como Projota e Luiz Melodia em participações
conhecidas como feat, em 2012.
Mulher,
negra, vinda da periferia numa adolescência com poder aquisitivo limitado, o
rap esteve presente desde muito cedo na vida de Karol. Quando ganhou seu
primeiro festival aos 16 anos decidiu investir na carreira, vendo no estilo
musical uma maneira de não perder sua identidade, ganhar dinheiro e lutar pelo
que sempre acreditou: igualdade, seja racial ou de gênero. O álbum surge num
momento complicado no rap nacional, quando o que vendia e fazia sucesso eram os
MCs majoritariamente brancos, de classe
média, fazendo um som que vendia em festas caras, levando letras vazias, cheias
de machismo e outros preconceitos, em sua maioria reproduzindo um estilo de rap
vendido pela indústria fonográfica americana, mas que, além disso, fugia completamente do
rap old school brasileiro,
que sempre buscava politizar, conscientizar e abrir os olhos da população para
as injustiças sociais presentes
nas periferias. Desse modo, a inserção do seu trabalho foi de uma cautela e
estudo muito precisos, tanto que o resultado foi o sucesso nacional da artista.
Deixando
de lado o contexto em que o disco foi lançado e já abordando sua produção, é inegável
o preparo de toda a equipe envolvida nos trabalhos — da área técnica a de marketing — pois
foram cerca de quatro anos do início da criação até seu lançamento,
trazendo no produto final um misto de
rap, ritmos africanos, pop e
emboladas, com apelo para públicos
de diferentes nichos. O álbum foi lançado para colocar a artista no hype, em
evidência na mídia,
e cada elemento presente no Batuk Freak
salienta isso.
Com
produção de Nave, já conhecido por produzir rappers como Marcelo D2 e Emicida,
os beats possuem uma ampla variação na construção dos samples, criando um mix
de culturas num único som, essa característica acaba por ser evidenciado no
título do álbum “Batuk”. A intenção do disco não é
politizar, como fizera sabotage nos anos 2000 ou Emicida (sucesso contemporâneo
ao Batuk Freak) — pelo menos, não a grosso modo —, o produto final acaba por se
encaixar no rap feito para dançar, para festa, mesmo que tenha um pouco de sua
militância — trazida de maneira branda, um tanto quanto festiva. Isso acontece
para que o Batuk não deixe de atingir
o público que mais consumia rap em meados de 2013, um público de certo modo
elitizado, que frequentava festivais. Os beats são para dançar e mesmo que em
“Gandaia” ela afirme “desbancando as piriguetes que mal sabem rebolar”, quem
passou a consumir o hit, também, foram elas, as piriguetes ou, no caso, outras
mulheres. Neste ponto se dá uma das contradições mais fortes do álbum, afinal,
Karol se colocou na mídia como feminista e assim sendo, um dos seus “deveres” é
não incitar a competição feminina, mas o faz para cair nas graças do público.
A
narrativa do CD pode ser lida como metáforas, mas não possui uma ordem
cronológica, não é necessariamente uma história — mesmo que a primeira faixa,
“Corre, Corre Erê”, refira-se a
crianças. O disco começa com um pedido, quase uma súplica de que as crianças
corram, se movimentem, façam as coisas começarem a mudar em sua realidade na
periferia. Ao passo de ser um pedido, é também como se a cantora pudesse se ver
criança e pedir para ela mesma que continue correndo, se dedicando. Na
sequência ela adentra num pensamento de luxo na favela, descaracteriza a ideia
de periferia pobre e sofrida, afirmando que o luxo nasceu para o gueto, para o
preto e reafirmando que é possível vencer as dificuldades encontradas na vida
periférica. Mesmo cantando sobre a possibilidade de sucesso saindo de áreas
pobres, Karol Conká não omite as dificuldades, salientando que o esforço para
vencer tem que ser redobrado.
“Vô lá” é o mais perto que ela chega de um discurso forte, característica
esperada de quem tem poder e lugar de fala na cena rap nacional, e é neste ponto que, reforço, se
concentra a maior parte da contradição entre seu trabalho e sua colocação na
mídia.
Após
as três primeiras faixas, o disco se resume a frases de efeito encaixadas com
ideias e ideais que se assemelham aos de uma luta, talvez, feminista de
mulheres vindas de classes econômicas favorecidas que necessitam muito mais de
“Gandaia” do que de conquistas a direitos básicos. Claro que toda e qualquer
mulher tem que ser livre, se divertir, rebolar, curtir o lado festivo da vida,
mas restringir um espaço tão importante de representatividade a uma atividade
sexual regada a orgasmos,
por exemplo, é seguir omitindo o acesso do povo periférico, em especial às
mulheres — a quem poderia ser direcionado seu disco — às discussões primordiais para uma
verdadeira transformação intelectual ou, simplesmente,
ao empoderamento que a artista tanto
repete na frente das câmeras.
Com
uma produção instrumental tão plural e digna de reconhecimento, o Batuk
Freak é uma contradição discursiva, mas carrega consigo uma
fidelidade ao título que, talvez,
muitos álbuns não consigam alcançar.
Um comentário:
Muito bom!
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