segunda-feira, 2 de maio de 2011

"Irene e a ponte", por Larissa Cavalcanti




Uma ponte quase sempre nos remete a uma idéia de união, de ligação. Porém, no panorama inicial do filme Irene, a Teimosa (My Man Godfrey, EUA, 1936), ela nos passa a sensação do contraste, da divisão. De um lado, o rico condado de Manhattan; do outro, o lixão do Brooklyn.

Irene e Cornelia são duas irmãs rivais e mimadas que vão parar no lixão em busca de um mendigo para um tipo de gincana da alta sociedade de Nova Iorque. Godfrey é o “homem esquecido” abordado por elas e acaba, por uma série de fatores, virando mordomo da família das moças.

O filme se trata de uma comédia maluca (screwball comedy), gênero escapista que surgiu na crise dos EUA em 29 e teve uma curta duração. No longa, é possível localizar várias recorrências desse estilo, como o fato da heroína ser rica, o ritmo frenético dos diálogos e montagem, a frivolidade dos personagens, a imprevisibilidade dos encontros (exemplo do encontro entre o casal protagonista) e o humor decorrente dessas situações.

A cidade no filme funciona como efeito de real (conceito formulado por Roland Barthes), ou seja, ela estabelece com o espectador um contrato para que este embarque na obra. Porém, essa representação é utópica; a favela é idealizada, onde moram homens que eram ricos e abdicaram de tudo por dependentes de suas empresas falidas. Além disso, o cenário é composto de forma bem exagerada, numa tentativa do local ser um reflexo da vida miserável que os moradores levam.

Ao contrário do que ocorre em filmes Noir, a cidade aqui não exerce um papel tão preponderante. O filme se passa praticamente dentro da mansão da família das irmãs e a reprodução da classe rica é uma espécie de espelho de parte de Nova Iorque. Os ricos são caricaturados ao extremo, chegando ao ápice na personagem da mãe das moças, Angélica, uma perua bondosa, mas extremamente alienada e fútil. A cena da gincana, onde Godfrey é apresentado como “algo que ninguém quer encontrar” é emblemática, onde o morador do lixo ridiculariza os endinheirados participantes do jogo e alguns deles não conseguem entender a ofensa. É importante frisar que toda a crítica feita é construída através dos diálogos bem humorados (destacando-se as falas do mordomo Godfrey, com sua fina ironia), levando o espectador a rir de tanta frivolidade.

O “meet cute” (ou encontro inesperado) entre o casal principal, tão comum em comédias românticas, ocorre graças à ponte, que, se no início nos dava uma idéia de separação, aqui se torna um símbolo do encontro, da união. Mesmo que esse laço criado seja em parte um capricho da mimada Irene (o sentimento dela por Godfrey mistura amor e posse, pois ela vê no mordomo uma forma de ser melhor do que a irmã em algo), é interessante refletir sobre o papel da ponte do Brooklyn no filme, ainda mais se compararmos à sua função histórica de ter unido os dois antigos condados rivais de Nova Iorque, formando a grande metrópole americana. A construção, assim, funciona como uma metáfora do enlace do casal, cujo aspecto conflitante se encontra no sentimento ambíguo de Irene. Concomitantemente, o par representa a própria cidade de Nova Iorque e seus fragmentos tão distintos.

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